Nova parceria vai mapear obstáculos à equidade racial no Judiciário

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Foto: Gil Ferreira/CNJ
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Para subsidiar a criação de medidas que possibilitem alcançar a igualdade racial na magistratura, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) firmou nova parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares para a realização de diagnóstico qualitativo sobre a participação de negros e negras no Judiciário. A cooperação entre as duas instituições foi apresentada em 30 de setembro, durante edição dos Seminários de Pesquisas Empíricas aplicadas a Políticas Judiciárias.

Em 2015, o CNJ estabeleceu a obrigatoriedade da reserva de vagas na magistratura para a negros e negras nos concursos públicos por meio da Resolução n. 203. Apesar do aumento no número de profissionais da cor negra após a medida, o Judiciário segue sendo, ainda, uma instituição de maioria branca.

São 13,2% de magistrados negros e 12,3% de magistradas negras, segundo a Pesquisa sobre Negros e Negras no Poder Judiciário, lançada em setembro. Os dados revelaram um tímido avanço que, se mantido no ritmo atual, a igualdade entre pretos e brancos na magistratura só será atingida entre os anos de 2056 e 2059.

Presidente da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários do CNJ, a conselheira Flávia Pessoa afirma que a pesquisa qualitativa vai alcançar resultados mais profundos para equacionar os problemas que envolvem o racismo estrutural. A partir de então, será possível estabelecer novas políticas públicas que ajudem a alcançar a meta de equidade racial.

Pioneira do Movimento Negro, ex-secretária de Justiça de São Paulo e professora de direito na Universidade São Paulo (USP), Eunice Prudente alertou para a necessidade de avançar na pauta para que a sociedade brasileira vença o racismo. “O Estado Democrático de Direito ainda está em construção e temos muito trabalho à frente para combater o racismo estrutural em nossa sociedade, em nossas instituições.”

Para o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, a pesquisa é uma importante etapa para aperfeiçoar as políticas que vêm sendo colocadas em prática. Além de permitir a formação de um inventário de dados, a medida vai disponibilizar outra informações relevantes, que poderão ser compartilhadas por outros órgãos e instituições interessados em valorizar e incluir a população negra.

Déficit

A Pesquisa sobre Negros e Negras no Poder Judiciário revelou os perfis de gênero, cor e cargos de chefia na magistratura, entre servidores e servidoras e estagiários e estagiárias. Ainda levantou as medidas tomadas pelos tribunais para cumprir a Resolução 203/2015 e as atividades desenvolvidas pelas escolas de magistratura em relação ao tema da igualdade racial. A pesquisa apontou, por exemplo, que apenas 32% das Escolas de Magistratura promoveram cursos com essa temática.

Segundo a diretora executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Gabriela Moreira de Azevedo Soares, por falta de dados mais atualizados, a pesquisa utilizou como referência dados populacionais levantados pelo IBGE de 2010. Com base nesse parâmetro, teria de haver, no mínimo, 22% de magistrados negros em atividade. O resultado da comparação revela déficit de cota nos principais ramos de Justiça.

A Justiça estadual conta com apenas 12% de juízes negros, a Justiça do Trabalho tem índice de 16% e a Justiça Federal conta com apenas 2,6% juízes ou juízas negras em seu quadro. Já em relação a servidores e servidoras e estudantes em estágio, o parâmetro de inclusão teria sido atingido – tendo como base dados de 11 anos atrás – em todos os ramos, menos na Justiça do Trabalho para os servidores e Justiça Estadual para os estagiários, muito embora em todos os segmentos se observe um número relevante de tribunais que sequer alcançaram o patamar mínimo, apontando para déficit.

Pesquisa STJ

Durante o Seminário, também foi apresentada pesquisa realizada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em abril de 2021, para identificar e quantificar a diversidade racial nas suas equipes, assim como oferecer propostas de formulação de política sobre igualdade racial. Os dados apresentados revelaram a necessidade de se intensificar as ações e programas afirmativos que possibilitem igualdade racial nessa área.

Dos 2.994 servidores e servidoras do órgão, apenas 100 se autodeclararam pretas (3,3%). Pessoas brancas representam 65% e pardas, 31%. Segundo o relatório, a política de cotas adotada pelo STJ, apesar de representar um avanço na busca pela igualdade, ainda não trouxe efetivo impacto na composição de servidores do tribunal, de forma a autorizar a conclusão pela existência de igualdade em relação a questão.

Para além das cotas

Especialista em políticas públicas sociais, a técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA Tatiana Dias Silva lembrou que o propósito das ações afirmativas é aumentar esses índices, no entanto, muitos tribunais não têm outras ações. “Enfrentar um processo de desigualdade precisa de muitas ações, por exemplo, quem de nós consegue participar e gastar com os concursos públicos? Quem pode parar de trabalhar para estudar para um concurso? É preciso pensar em como enfrentar esses desafios de maneira mais ampla.”

Membro do Observatório de Direitos Humanos do CNJ, a juíza do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) Adriana Cruz também defendeu outras ações, além das cotas. “Cotas são o indicativo do tamanho do abismo que precisamos ultrapassar”, afirmou. Ela citou, como medida para ampliar essa democratização, o barateamento dos custos dos concursos para magistratura e a simplificação de suas fases, desde que não prejudique o compromisso com o conteúdo e as exigências necessárias para aprovação de um profissional capaz. “Não há solução fácil para problemas complexos, mas há caminhos para ação imediata.”

Presidente da ONG Educafro e também membro do Observatório dos Direitos Humanos, Frei Davi sugeriu que seja organizado um seminário nacional para discutir a meritocracia. “Boa parte da magistratura ainda vive uma visão atrasada em relação à meritocracia. Existe a meritocracia justa e injusta e isso precisa ser modificado nos tribunais”, destacou, referindo-se à teoria do Direito do acadêmico de Harvard Michael Sandel, para quem a ideia de mérito não leva em conta as reais oportunidades entre as pessoas.

A pesquisadora Maria Tereza Sadek, membro do Comitê de Ética da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também reforçou a importância a importância de se lutar pela inclusão racial. O levantamento do CNJ revelou que o número de servidores e servidoras negras que entraram na Justiça na comparação dos anos avaliados não apresentou mudança relevante. Já o percentual de magistrados e magistradas negras que ingressaram no cargo antes de 2013 era de 12%. Nos anos de 2019 e 2020, subiu para 21%.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias