Ações contra discriminação racial terão foco em pessoas egressas do sistema prisional

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No Brasil, mais de 66% das pessoas encarceradas são negras, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional. Foto: Arquivo/CNJ
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Comprometido com a eliminação da discriminação racial envolvendo pessoas que passaram pelo sistema prisional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai implementar novas ações em 2021, por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF). As iniciativas fazem parte do programa Fazendo Justiça, parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para enfrentamento dos desafios estruturais da privação de liberdade no Brasil.

As novas metodologias, que incluem manuais e capacitações produzidos ao longo do ano, serão aplicadas nos Escritórios Sociais, equipamentos fomentados pelo CNJ para prestar apoio a pessoas egressas e seus familiares, já presentes em 14 estados. O objetivo é o estímulo ao reconhecimento e enfretamento da seletividade penal e do diálogo da temática racial com outras questões, como a de gênero. A proposta é possibilitar que as equipes desses serviços estejam aptas a identificar e incidir sobre os fatores raciais que ampliam as condições de vulnerabilidades de pessoas egressas, desenvolvendo estratégias tanto de enfrentamento ao racismo estrutural como de ações afirmativas voltadas à equidade.

No Brasil, mais de 66% das pessoas encarceradas são negras, segundo dados do Depen – uma proporção que cresceu 14% em 15 anos. O número pode estar sub-representado, pois não há informações sobre raça e cor de mais de 20% da população carcerária. A população negra também é a que mais sofre violência – 74,4% das vítimas de violência letal são pessoas negras, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ambas as estatísticas estão acima da proporção de pessoas negras no país (56,1%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF, Carlos Gustavo Direito, o perfil da população prisional brasileira, majoritariamente formada por pessoas negras e com taxas crescentes de encarceramento de mulheres – também negras, em sua maioria – exige novos mecanismos de enfrentamento.  “No caso das pessoas egressas, somam-se aos estigmas de ter passado pela prisão as diversas formas de seletividade do acesso à justiça, às políticas públicas e aos bens sociais, o que torna indispensável o reconhecimento dos marcadores sociais de gênero e raça como fenômenos de discriminação.”

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As novas ações previstas para 2021 incluem formação das equipes dos Escritórios Sociais na temática e contratação de consultoria voltada ao enfrentamento ao estigma sofrido por pessoas egressas conforme detalha o estudo Síntese de Evidências, publicado pelo CNJ em 2020 por meio do Fazendo Justiça. Está prevista, ainda, metodologia específica para abordagem dos marcadores sociais das diferenças, em especial, raça e gênero.

Conheça a “Síntese de Evidências – Enfrentando o Estigma contra Pessoas Egressas do Sistema Prisional e suas Famílias”

“Tendo em vista a lida cotidiana das equipes dos Escritórios Sociais com essas dinâmicas, pretende-se desenvolver estratégias de reconhecimento e enfretamento da seletividade penal e da interseccionalidade dos fenômenos complexos que tornam determinados segmentos sociais e perfis específicos de cidadãos e cidadãs os alvos preferenciais das diversas formas de violência”, explica o coordenador técnico do eixo de cidadania do Fazendo Justiça, Felipe Athayde Lins de Melo. Segundo Melo, racismo estrutural e institucional, direitos, cidadania, diversidade e equidade nas políticas públicas, estigma e vulnerabilização são tópicos de abordagem em diferentes estratégias de qualificação dos Escritórios Sociais.

Também por meio do Fazendo Justiça, o CNJ empreende outras ações voltadas para o enfrentamento da discriminação racial. Na área de tecnologia, finalizou diagnóstico que apoiará o aprimoramento do preenchimento de quesitos sobre raça e etnia referentes ao sistema prisional e ao socioeducativo, evitando lacunas, e reformulou o Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), que, desde 2020, tornou obrigatório o preenchimento para o campo de raça e cor.

Na chamada porta de entrada do sistema prisional, o Manual sobre Tomada de Decisão na Audiência de Custódia: Parâmetros Gerais traz diretrizes para a avaliação da legalidade da prisão em casos de abordagem, recomendando aos juízes relaxar a prisão em flagrante quando houver presunção de discriminação racial. Na porta de saída, a Resolução CNJ n. 307/2019, que institui a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional, implementada com o apoio do Fazendo Justiça, se baseia na Convenção Internacional de Todas as Formas de Discriminação Racial.

O Conselho também tem investido em estudos sobre teses e a jurisprudência no enfrentamento à desigualdade racial para subsidiar suas ações, e conta com uma iniciativa específica para o desenvolvimento de parâmetros que garantam os direitos constitucionais de liberdade de consciência, de crença e de expressão e enfrentamento à intolerância religiosa em unidades de privação de liberdade – um passo importante para que pessoas presas que seguem religiões de matriz africana tenham liberdade de culto.

No sistema socioeducativo, as ações voltadas a adolescentes em conflito com a lei levam em conta dimensões de respeito à diversidade, dentre elas, a de raça, como é o caso da construção da metodologia do Programa de Acompanhamento ao Adolescente Pós-Cumprimento de Medida Socioeducativa. Também estão nas ações voltadas para o aperfeiçoamento dos sistemas de informação do socioeducativo, tanto na atualização do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) quanto na criação do Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades e Programas Socioeducativos (CNIUPS).

Sobre a data

Instituído pela ONU em 1966, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março, relembra o massacre de Shaperville, quando, em 1960, 69 pessoas foram mortas na África do Sul enquanto protestavam contra uma lei que limitava os lugares por onde pessoas negras podiam circular. A Assembleia Geral das Nações Unidas também adotou os anos de 2015 a 2024 como a Década Internacional para Pessoas de Origem Africana.

Agência CNJ de Notícias