Pela primeira vez, João Lucas Huerari Javaé obteve seu registro civil e, com ele, o direito a vacinas, consultas médicas e outros serviços de saúde. Ele foi levado até a Escola Municipal Hermínio Azevedo, nessa quinta-feira (10/4), em Formoso do Araguaia no Tocantins, pela avó, Rita, que o cria na aldeia Cristo Rei desde que ele nasceu. A mãe de João morreu logo após o parto, o que adiou o registro e a retirada de demais documentações da criança, nascida em 2020, na Ilha do Bananal. Durante a ação da 1.ª Semana Nacional de Saúde na cidade, o menino também foi encaminhado para a emissão de CPF e da Carteira Nacional de Identidade. De lá, ele e a avó foram atendidos pela Defensoria Pública da União (DPU) para obter o direito à pensão por morte.

A documentação civil faz parte do escopo do evento, que acontece até hoje (11/4), em todo o país. Mais de 524 atendimentos foram realizados até quinta-feira (10/4). Além dos atendimentos de saúde, a semana nacional, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), auxilia na aplicação do disposto na Resolução Conjunta CNJ/CNMP n. 12/2024 e, em resumo, possibilita a retificação do assento de nascimento de indígenas no Registro Civil das Pessoas Naturais sem ação judicial para assegurar essa alteração.

Lançada na última terça-feira (8/4), a Cartilha Registro Indígena, produzida pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), guiou os trabalhos dos registradores durante a ação. O guia explicativo detalha as normas de registro civil de nascimento da pessoa indígena. Auxiliar do cartório de registro civil de Formoso do Araguaia, João Vitor conta que o fluxo é rápido: em 20 minutos, é possível gerar uma certidão, a segunda via ou fazer a retificação do registro. “É uma semana importante pelo fato de trazer a saúde, mas também a documentação”, afirma João, que complementa: “depois de terminar o processo, a gente vê que eles se sentem satisfeitos”.

Conselheira do CNJ e supervisora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), Daiane Nogueira de Lira explica que a documentação é essencial para que se tenha acesso aos serviços oferecidos pelo Estado brasileiro, sobretudo em saúde. “Isso vai facilitar o ingresso do indígena no Sistema Único de Saúde (SUS) para que ele possa ser atendido nos hospitais, nos postos de saúde, onde houver necessidade, e, inclusive, dar continuidade aos tratamentos iniciados durante a semana nacional”, informa.

Quem também aproveitou a oportunidade para incluir a etnia no sobrenome foi Helena Barros Kanela, de 61 anos. A aposentada esperou décadas para ver seu nome indígena na certidão. Criada em uma fazenda onde a família escondia suas origens por medo de perseguições, ela só descobriu sua ancestralidade após um estudo de identificação antropológica do povo Kanela do Tocantins. “Eu me interessei por conhecer minha história, saber de onde eu vim, porque essa é minha origem. Não tem motivo para ter medo ou vergonha”, defende. A filha dela, Harielle, também aproveitou a oportunidade para incluir a etnia no sobrenome.

A Semana Nacional de Saúde acontece em todo o país até esta sexta-feira (11/4). No Tocantins, o foco da ação são as mulheres indígenas da Ilha do Bananal. A programação segue com os atendimentos integrados em Formoso do Araguaia, com consultas em clínica geral, pediatria, oftalmologia, exames como mamografia e exame preventivo do câncer do colo uterino, além de campanhas de vacinação. A programação inclui ainda atividades educativas como rodas de conversa, palestras sobre saúde bucal e nutricional, além de peças de teatro para crianças.

Texto: Jéssica Vasconcelos
Edição: Beatriz Borges
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias