Ribeirinhos do ES esperam soluções para danos à saúde e economia da região

Você está visualizando atualmente Ribeirinhos do ES esperam soluções para danos à saúde e economia da região
Conselheiro do CNJ Luiz Fernando Bandeira de Mello visita a comunidade de Maria das Graças (ES). Foto: Luiz Silveira/CNJ
Compartilhe

Após visitar, na semana passada, comunidades que vivem às margens do Rio Doce, no Espírito Santo, o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Luiz Fernando Bandeira de Mello busca soluções para os danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, seis anos atrás. Ele representa o CNJ no esforço de repactuação de um acordo entre os envolvidos na tragédia. Nas comunidades visitadas, em três municípios da Bacia do Rio Doce, Bandeira de Mello ouviu demandas sobre a urgência da recuperação da economia local, riscos à segurança alimentar e sobre os danos cometidos ao meio ambiente.

O maior desastre ambiental do país também é um dos maiores desafios do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão, instituído em 2019 pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Foi muito importante a visita às comunidades do Espírito Santo. Os depoimentos que ouvimos foram emocionantes e mostram a importância de chegarmos a bom termo nessa repactuação e construir soluções que atendam essas pessoas, porque o dano vem se renovando a cada ano.”

“A cada enchente que acontece, elas sofrem novos prejuízos e é importante que essa repactuação traga novo alento, permita que as pessoas virem a página para iniciar um novo capítulo em suas vidas. A degradação do rio está dada. O que temos de fazer agora é achar uma forma de conviver com isso e que as pessoas tenham uma forma de vida digna”, afirmou o conselheiro, ao final da viagem, na sexta-feira (29/4).

A visita começou na quinta-feira (28/4) no município de Linhares. Em Regência, vila de pescadores na foz do Rio Doce, o representante do CNJ ouviu relatos de quem está há seis anos sem poder pescar, principal atividade econômica da localidade. Desde janeiro está suspenso o auxílio financeiro emergencial que era pago mensalmente como compensação pela impossibilidade de tirar o sustento do rio e do mar. De acordo com os pescadores, o impasse gera uma série de consequências negativas na saúde dos moradores e na vida social da comunidade.

Segundo o presidente da Associação de Pescadores de Regência, Leoni Carlos, a entidade tinha um convênio com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que comprava a produção dos pescadores e a distribuía a entidades assistenciais da região para abastecer a merenda escolar das escolas locais. “Depois que a lama veio, acabou tudo. É a maior decepção da minha vida. Criei meus nove filhos pescando – rio e mar – e o que eu posso dar a eles é o estudo. Hoje eu não tenho o (benefício do) meu cartão, cortaram meu lucro cessante (compensação pela média da produção anual). O barco estragou”, afirmou Carlos. Com a embarcação abandonada, o casco de madeira foi consumido por um molusco do mangue chamado busano.

Negociações em curso

A repactuação é promovida desde setembro de 2021, em rodadas de negociação realizadas principalmente na sede do CNJ, em Brasília. O envolvimento do Conselho começou depois do esgotamento e da insuficiência das soluções elaboradas até então para reparar natureza e vida humana do desastre.

Cada encontro tem uma pauta definida de acordo com as dimensões das necessidades das populações afetadas pelo derramamento de rejeito de minério que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e desceu o leito do Rio Doce até encontrar o mar, 650 quilômetros adiante, na Vila de Regência, no Espírito Santo.

Na primeira rodada, realizada em setembro de 2021, foram avaliadas as propostas apresentadas pelo atingidos durante a primeira audiência pública realizada pelo CNJ, além de ações de reparação e o aprimoramento dos programas de proteção social. Nos encontros realizados desde então, foram tratadas questões ligadas ao reflorestamento, à proteção social aos vulneráveis, à execução dos programas de reparação da região atingida, à possibilidade de reabertura da repactuação integral, aos reassentamentos da população atingida e à compensação da comunidade e meio ambiente afetadas pelo desastre.

Saúde

A médica que atende o posto de saúde na Terra Indígena Comboios, no município de Aracruz, Aline Miranda, confirmou inúmeros casos de doenças de pele e de diarreia na comunidade, que não é banhada diretamente pelo Rio Doce, mas sofre influência dos 44,5 milhões de metros cúbicos de rejeito vazados desde a Barragem de Fundão. Segundo a médica, mesmo com as crianças indígenas proibidas de nadar no rio, uma de suas pacientes começou a sofrer com problemas de pele. O tratamento que melhorou o quadro foi parar de tomar banho com a água do poço artesiano, como sempre fazia, e passar a usar água mineral.

“As pessoas não tomam água direto do rio, mas de poço artesiano. Então acredito que o poço tenha alguma contaminação. Não tenho os números à disposição, mas os índices de diarreia diminuíram bastante e as crianças tomando banho com água mineral se curaram ou melhoraram muito da alergia”, afirmou a médica.

Na zona rural do município de Colatina, o conselheiro do CNJ desceu às margens do Rio Doce. Na comunidade de Maria Ortiz, os pescadores mostraram uma lama seca, compacta, que se acumula aos pés dos barrancos, devido à queda na vazão do rio. De tamanhos irregulares – alguns alcançam o comprimento de um pé –, os blocos de terra são separados por fendas largas que lembram as imagens do solo rachado do semiárido nordestino, consagradas no inconsciente coletivo nacional. A diferença entre as duas cenas, além da água que ainda existe no Rio Doce, é o brilho de alguns grãos que brilham na superfície da terra rachada, sempre que expostos ao sol.

A agenda de visitas se concentrou em dois dias. Na quinta-feira (28/4), o conselheiro esteve em comunidades na foz do Rio Doce, no município de Linhares. Tanto no distrito de Povoação como na Vila de Regência, Bandeira de Mello participou de audiências públicas abertas à população. Na Aldeia Comboios, no município de Aracruz, o conselheiro também se reuniu com lideranças indígenas das duas aldeias que compõem a Terra Indígena Comboios. No dia seguinte, esteve em comunidades ribeirinhas no município de Colatina, que é cortado pelo Rio Doce. Na sede da cidade, ouviu representantes dos moradores da região afetados pela tragédia, em audiência pública sediada pela Diocese da cidade.

Em todas as audiências, Bandeira de Mello comunicou o motivo da visita: ouvir as reivindicações dos atingidos e conhecer os problemas de perto para levar as demandas à mesa de repactuação. “Vimos aqui de perto como o rio está degradado. Não podemos prometer que o rio vai estar limpo para o ano que vem, mas o que podemos ter é uma política pública séria, consciente dos problemas da população, para tentar amenizar esse problema e que vocês possam tocar a vida de vocês, criar seus filhos com saúde, tranquilidade e em contato com a natureza.”

Participantes

Participam das negociações representantes da Samarco Mineração S/A, Vale S /A e BHP Billiton Brasil. Pelo Poder Público, estão presentes integrantes da Advocacia Geral da União, dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, dos Ministérios Públicos da União e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como das Defensorias da União e dos dois estados e do Fórum de Prefeitos.

Nessa terça-feira (3/5), o conselheiro foi convidado para uma reunião onde será apresentado aos projetos que os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo vão submeter à seleção de propostas a serem financiadas pelo acordo da repactuação. Até o fim da semana, os projetos serão apresentados à União e às empresas envolvidas na reparação do desastre.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

Veja mais fotos no Flickr do CNJ
Repactuação do Acordo do Rio Doce - ES

Macrodesafio - Prevenção de litígios e adoção de soluções consensuais para os conflitos