Participação de pessoas negras no TRT4 é tema de livro e documentário

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Arte: TRT4
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“Num mundo onde querem nos matar, contar e registrar as nossas vidas é revolucionário!”. A constatação da servidora Roberta Liana Vieira permite vislumbrar o significado do “Projeto Percursos, Vivências e Memórias de servidores e magistrados negros e negras do TRT4”, cujos primeiros frutos foram apresentados na última sexta-feira (17/9), durante o 16º Encontro Institucional da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul.

Também foi exibido trecho do documentário “O Futuro do Mundo é Preto”, um dos resultados do projeto, já disponível no YouTube. Nele, 26 servidores e servidoras e um magistrado autodeclarados pretos e pardos compartilham suas experiências de vida pessoal e profissional. E foi apresentado o livro “Negras Memórias”, onde esses testemunhos ficam ainda mais registrados na história do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4).

Co-diretora do documentário, Roberta explicou que o projeto é iniciativa do Comitê de Equidade, em parceria com o Memorial e a Escola Judicial, tendo contado com apoio incondicional da administração do Tribunal. A servidora destacou não haver melhor forma de registrar tais falas do que em entrevistas, “porque a nossa intenção era ouvir as pessoas e valorizar a memória oral”. Para tanto, foram 120 de horas de entrevistas conduzidas por ela, pelo servidor Márcio Meireles Martins e pela juíza Gabriela Lenz de Lacerda, ao longo de um ano e meio.

Roberta contou que, entre as pessoas participantes, há aquelas com deficiência, da comunidade LGBTQIA+, cotistas, não cotistas, aposentadas, ativas e, principalmente, de diversos tons de preto. A trilha sonora foi composta e executada pelos servidores negros Vladimir Rodrigues, Jorge Cidade (aposentado) e Márcio Bandeira.

“O trabalho no Brasil historicamente tem ligação embrionária com a população negra, em razão dos quase 400 anos de trabalho escravo legalizado no país. Não há como contar a história da classe trabalhadora brasileira, sem mencionar que ela é negra-africana desde sua origem”, afirmou a servidora. Ela define a obra como “não só o resgate da história do trabalho nesse país, mas também da própria Justiça do Trabalho em si”. Ao mesmo tempo, “fica evidente a potência desse povo de pele preta, os saberes dessa gente e a riqueza de patrimônio intelectual, cultural e afetivo acumulada por séculos e passada de geração em geração”.

Alexandre Modesto Farias, servidor que participou do projeto e atuou como mestre de cerimônias durante o Encontro, exemplificou com sua própria história o intencional apagamento imposto ao povo preto. Ele saudou a possibilidade trazida pelo projeto de que “quem vier depois, além de ouvir sobre nós, vai ler e saber quem somos e qual nossa trajetória”.

Farias avaliou ser um pequeno passo, mas com significado enorme, pois o ingresso no serviço público foi transformador para todos os envolvidos no Projeto, em termos financeiros, sociais e até emocionais. “Lutar contra as estatísticas e entrar aqui no Tribunal não foi fácil”, ressaltou. “Mas estamos aqui e nosso trabalho contribui muito.”

A presidente do TRT4, desembargadora Carmen Gonzalez, apontou para o ineditismo do projeto no Judiciário, acrescentando ser necessário que as instituições públicas assegurem um espaço de escuta das pessoas que integram minorias políticas. Ao defender as ações afirmativas, como as cotas raciais, a magistrada ponderou que elas têm potencial para reparar as barreiras que historicamente impediram a entrada de pessoas pretas e pardas em espaços de emprego e ensino.

Carmen vê neste projeto o cumprimento de um dever pelo Tribunal, “fazendo uma verdadeira aliança na busca sincera da promoção da equidade de raça”. Ela lamentou o fato de que a Justiça do Trabalho gaúcha tem apenas 6% de servidores e servidoras e 2% da magistratura autodeclarados negros e negras.

Segunda a presidente, é preciso avançar ainda mais nessa inclusão, para o que propõe um foco em duas vias: a ampliação do acesso à educação e a postos de trabalho, para termos cada vez mais pessoas negras em lugares de privilégio e poder; e a melhoria das condições oferecidas aos já ingressados, por meio de políticas de permanência para estudantes e de espaços de diálogo e reflexão, tais como o Comitê de Equidade.

Assista ao documentário no canal do Memorial do TRT4 no YouTube

Fonte: TRT4