Mutirão Pena Justa: tribunais devem enviar resultados até esta terça (12/8)

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Foto: Gláucio Dettmar/Ag. CNJ
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Depois de um mês dedicado à revisão de processos no 1.° Mutirão Processual Pena Justa, tribunais de justiça e tribunais regionais federais devem enviar dados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) até esta terça-feira (12/8). Um dos temas tratados é o porte de maconha para uso pessoal, atendendo à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em julho do ano passado. Os dados serão consolidados e analisados pelo CNJ, que deverá publicar o relatório nacional em outubro.

Além do porte de maconha para uso pessoal, o mutirão aborda outros três temas: a revisão de prisão provisória de mães responsáveis por crianças de até 12 anos ou outros dependentes (Supremo Tribunal Federal – Habeas Corpus 143641 e Resolução CNJ 369/2021), prisões preventivas em curso há mais de um ano e processos com penas vencidas ou prescritas no Sistema Eletrônico de Execução Unificado (Seeu).

“A mobilização dos tribunais neste mutirão é reflexo do comprometimento da Justiça com o Plano Pena Justa, que é uma janela de oportunidade para reescrever a realidade do sistema penal brasileiro”, avalia o juiz coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi. O mutirão processual penal e demais ações do Pena Justa têm o apoio técnico do programa Fazendo Justiça.

Inteligência artificial

Um dos desafios técnicos desse mutirão é a revisão de processos por porte de maconha para uso pessoal. Além da grande quantidade de processos — mais de 40% das penas privativas de liberdade no Brasil —, é necessário filtrar os casos em que a única substância apreendida seja cannabis. “A Tabela Processuais Unificada (TPU), utilizada pelos tribunais para classificar processos, não traz diferenciação em relação ao tipo de substância que gerou os casos com base na Lei de Drogas”, explica Bruno Muller, Coordenador da Gestão Negocial dos Sistemas do DMF/CNJ.

Alguns tribunais conseguiram soluções inovadoras para cumprir essa tarefa. Um deles foi Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que utilizou a Berna, ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelo tribunal goiano e que está em funcionamento desde 2020. O nome é acrônimo de Busca Eletrônica em Registros usando Linguagem Natural, e a ferramenta deve ser integrada à Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-Br).

A Berna consegue acessar e ler as petições iniciais, encontrando no texto o motivo que levou a abrir um processo, a tese jurídica e o que foi pedido. Usando modelos matemáticos de classificação de inteligência artificial tradicional, a Berna agrupa casos por semelhança.

Após a aplicação de filtros para que as buscas se adequassem à tese do STF, chegou-se ao número de 1.106 casos, com análise de amostra para garantir controle de qualidade. Só então os processos foram distribuídos para as respectivas varas reavaliarem caso a caso durante o mês de julho. Em uma segunda etapa, foi utilizada ferramenta de inteligência artificial generativa de grande corporação de tecnologia para classificar os réus dos processos por gênero. “O uso de ferramenta que faz uma primeira seleção de casos com grande probabilidade de cumprir os critérios do STF facilita o trabalho humano, assegurando um olhar célere para aquelas pessoas que realmente têm o direito a mudanças no regime penal”, afirmou o juiz auxiliar da Presidência do TJGO, integrante do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penal (GMF) e coordenador do Comitê de Políticas Penais de Goiás, Reinaldo de Oliveira Dutra.

Estratégia

Com uma equipe de duas pessoas e com sistemas já contratados, o Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI) conseguiu reduzir em 75% o número de casos de porte de maconha que precisavam ser analisados no mutirão. O primeiro passo foi selecionar todos os processos relacionados ao porte ou tráfico de drogas nos últimos oito anos registados no sistema do tribunal.

Em seguida, buscou-se na Plataforma Codex do CNJ todos os documentos vinculados a esses processos. A ferramenta do CNJ permite extrair em texto documentos salvos em outros formatos, permitindo que a equipe do TJPI buscasse por palavras como “maconha”, “cannabis” ou variações dos erros mais comuns desses termos.

Normalmente, para buscar um processo no Codex e baixar o texto, é preciso fazer um por um. Mas uma ferramenta de automação de processos que já era utilizada pelo tribunal permitiu a busca de mais de 4.400 casos e aplicação dos filtros até a seleção dos 1.014 que efetivamente foram revisados no mutirão. “É uma demonstração concreta de como o uso estratégico da tecnologia pode ampliar a capacidade analítica dos tribunais, mesmo sem depender de grandes investimentos em IA avançada ou sistemas próprios”, afirmou Gleydson Vilanova, secretário executivo do laboratório de inovação do TJPI, o Opala Lab.

Outra boa prática executada no Piauí, assim como em outros tribunais, é relativa ao tema da prisão preventiva de mulheres mães ou responsáveis por dependentes. Essas unidades da federação cruzaram dados disponíveis no Judiciário com dados fornecidos pelas Secretarias de Administração Penitenciária ou pastas congêneres sobre gestação e estrutura familiar de mulheres presas.

Qualidade dos dados

Outra iniciativa estratégica foi do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que analisou os processos de pessoas presas em regime fechado por crimes ligados a porte ou tráfico de maconha. Primeiramente, chegaram a 4.169 processos de pessoas com alguma condenação relacionada aos artigos 28 ou 33 da Lei de Drogas, respectivamente porte e tráfico, no sistema de gestão de processos.

Ao cruzar informações com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, identificou-se que 2.763 não estavam sob custódia e outras 479 estavam em monitoração eletrônica. Assim, concentram a revisão nas 954 pessoas restantes. Por contar com um banco de sentenças próprio, a equipe do TJPR realizou buscas para selecionar apenas processos envolvendo cannabis. Esses processos foram então disponibilizados para os magistrados em um painel eletrônico para facilitar o trabalho do mutirão. “O trabalho de análise desses processos vai permanecer mesmo após o fim deste mutirão. Sabemos que a maior parte das inconsistências que geraram redução das listas é resultado da má alimentação do sistema pelos usuários e nós temos que aperfeiçoar as rotinas cartorárias”, afirmou o servidor do GMF do TJPR Nelson Octavio Leitão Neto, que é responsável por coordenar o mutirão no estado.

Segundo Valdirene Daufemback, coordenadora técnica do Fazendo Justiça, é possível que o mutirão continue produzindo resultados depois de outubro. “Prevemos que diversos processos sejam reabertos, o que pode ultrapassar o tempo regulamentar do mutirão. De qualquer modo, nosso principal foco é fomentar que essa reanálise aconteça no tempo mais breve possível, que já é o principal ganho do mutirão”.

Essa ação está alinhada à meta geral do Plano Nacional Pena Justa: Realização de mutirões processuais penais semestrais, considerando marcadores sociais, de raça e gênero, com publicidade dos resultados. Indicadores: 1.1.2.1.2.1 e 1.1.2.1.2.2

Texto: Pedro Malavolta
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Revisão: Matheus Bacelar
Agência CNJ de Notícias

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