Justiça de Transição e desaparecimento forçado são temas de evento internacional do CNJ 

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Foto: Íris Capistrano
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu, nesta segunda-feira (14/4), o webinário “Desaparecimento Forçado e Justiça de Transição: um olhar internacional”. O evento marcou o lançamento de duas publicações: “Desaparecimento Forçado de Pessoas: caderno de legislação e jurisprudência internacional” e “Tradução da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Justiça de Transição”, esta última com o apoio do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

O evento reuniu especialistas nacionais e internacionais para discutir a responsabilidade do Estado brasileiro frente ao desaparecimento forçado de pessoas, o papel do sistema de justiça na prevenção e na investigação desses crimes e a importância da Justiça de Transição como ferramenta de reparação e memória.

Representando a Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (UMF/CNJ), organizadora do evento, o conselheiro José Rotondano destacou que as publicações oferecem parâmetros importantes para a atuação dos tribunais brasileiros, especialmente no acompanhamento das UMFs locais. O conselheiro enfatizou a importância de casos paradigmáticos, como Herzog e Gomes Lund. “Temos o dever de estar ao lado das pessoas que esperam por alguma resposta do Estado”.

Os avanços na temática promovidos pelo CNJ em diferentes gestões foram destacados pelo vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Rodrigo Mudrovitsch. Ele afirmou que o direito à verdade, o acesso à Justiça e o dever de buscar e receber informações sobre os desaparecidos são obrigações impostas aos Estados pelo sistema interamericano, lembrando que a lei penal brasileira ainda não tipifica adequadamente o desaparecimento forçado. “O Brasil precisa reavivar o debate no Legislativo e aprovar normas que deem conta dessa dívida histórica”.

Crime contra a humanidade

A ex-juíza do Tribunal Penal Internacional (TPI), Sylvia Steiner, lembrou que o desaparecimento forçado é considerado pela doutrina e pelo Estatuto de Roma um crime contra a humanidade, cuja natureza é contínua e, portanto, não prescreve. Ela defendeu que os responsáveis não devem se beneficiar de leis de anistia ou da competência da Justiça Militar e destacou que a corte internacional só pode julgar crimes que tenham ocorrido após a entrada em vigor do Estatuto. “Todo Estado é obrigado a investigar e julgar o desaparecimento forçado com base em normas específicas”, reforçou.

O desembargador do TJSP, Marcos Zilli, destacou os princípios fundamentais do direito penal internacional, como o princípio da legalidade e a não retroatividade, e lembrou que à época de muitos desaparecimentos no Brasil não havia norma penal interna tipificando o crime, situação que persiste até hoje. Zilli mencionou o caso Simón, na Argentina, como exemplo da interação entre direito interno e internacional, em que o sequestro foi reconhecido como instrumento de perseguição política. “O desaparecimento forçado é um crime complexo, pois envolve uma contínua ausência de informação sobre o paradeiro da vítima e geralmente se insere em um ataque sistemático à população civil”.

Ana Lorena Perez, integrante do Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, alertou que o desaparecimento forçado não é um problema do passado. Segundo ela, o delito ainda é praticado em diferentes partes do mundo — inclusive no Brasil — e sua temporalidade não pode ser definida apenas pelo momento da detenção, mas pela continuidade da ocultação.

O juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ), Jônatas Andrade, destacou que o evento representa um momento decisivo para a Justiça de Transição no Brasil e reafirma o compromisso do Poder Judiciário com a memória, a verdade e a dignidade das vítimas.

Sobre as publicações

A publicação “Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Justiça de Transição” reúne decisões emblemáticas da Corte sobre graves violações cometidas por agentes do Estado em diferentes contextos da América Latina. São casos que tratam de tortura, detenções ilegais, execuções sumárias, desaparecimentos forçados e garantias judiciais e que têm contribuído para consolidar parâmetros internacionais sobre o dever de memória, verdade, justiça e reparação.

O conteúdo busca apoiar a magistratura brasileira na leitura da jurisprudência internacional não como elementos distantes mas como referência possível para a atuação concreta em processos judiciais relacionados a contextos de violência institucional.

O Caderno de Legislação e Jurisprudência Internacional sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas traz uma organização inédita de tratados e convenções internacionais sobre o tema, já ratificados pelo Brasil, além de diretrizes e recomendações emitidas por organismos multilaterais. Estão presentes a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, a Convenção Internacional da ONU e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, entre outros documentos de referência.

A publicação inclui ainda um panorama legislativo de países da América Latina, permitindo comparações e oferecendo elementos para reflexão sobre a ausência de tipificação do crime no ordenamento jurídico brasileiro.

O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Geraldo Lanfredi, contextualiza que as obras estão inseridas em um esforço contínuo de aproximação entre o direito internacional dos direitos humanos e a atuação cotidiana da magistratura brasileira. “As publicações não apenas sistematizam e organizam conteúdos de alta relevância como também oferecem ferramentas concretas para que a magistratura brasileira possa incorporar, de forma fundamentada, os parâmetros internacionais aos julgados. A jurisprudência da Corte Interamericana, ao enfrentar casos de graves violações aos direitos humanos, revela-se valiosa para fortalecer uma cultura judiciária comprometida com a dignidade da pessoa humana e os pilares do Estado Democrático de Direito”, concluiu.

Assista ao webinário: Desaparecimento Forçado e Justiça de Transição: um olhar internacional

 

Texto: Isis Capistrano
Edição: Débora Zampier
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias