Justiça 4.0: Inteligência Artificial está presente na maioria dos tribunais brasileiros

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Arte: Arquivo
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Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta expressivo aumento do número de projetos de inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário em 2022. A pesquisa apresentada nesta terça-feira (14/6) pelo presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, identificou 111 projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento nos tribunais. Com isso, o número de iniciativas cresceu 171% em relação ao levantamento realizado em 2021, quando foram informados apenas 41 projetos.

Houve também avanço no número de órgãos que possuem projetos de IA. Atualmente, 53 tribunais desenvolvem soluções com uso dessa tecnologia. Na pesquisa anterior, apenas 32 órgãos declararam ter iniciativas no tema. O estudo evidencia que mesmo os tribunais sem projetos nessa área – em sua maioria tribunais do ramo eleitoral e do Trabalho – já possuem soluções implementadas ou sendo estudadas por seus Tribunais Superiores ou pelo respectivo conselho superior, o que implica que também são beneficiados por projetos nacionais.

Foram identificados 85 novos projetos, sendo que 12 registrados no ano passado foram cancelados ou suspensos. Mais da metade das soluções (63) já estão em uso ou aptas a serem utilizadas. Por sua vez, 18 estão em fase final de desenvolvimento, 20 em fase inicial e 10 ainda não foram iniciados. A maioria impacta um alto número de processos judiciais: 90% dos projetos beneficiam mais de mil processos.

Os principais motivadores para o uso de uma ferramenta de IA pelos tribunais é aumentar a produtividade, buscar a inovação, melhorar a qualidade dos serviços judiciários e reduzir custos. “O uso de IA pode agilizar e aperfeiçoar os processos de trabalho do Poder Judiciário, beneficiando de forma ampla as pessoas que buscam o sistema de Justiça”, explica Rafael Leite, juiz auxiliar da presidência do CNJ.

“A automação de rotinas e tarefas burocráticas, que antes apresentava alto grau de dificuldade, passa a ser possível com o uso da IA, reduzindo as etapas formais de um processo judicial e permitindo que o foco passe a ser uma abordagem mais humana, voltada para bem atender os jurisdicionados”, afirma o magistrado. “Com isso, damos passos importantes na direção de um Judiciário mais acessível e ágil, com a prestação de serviços que atendam da melhor forma as expectativas da sociedade.”

Os dados da pesquisa estão disponíveis no Painel de Projetos de IA no Poder Judiciário. O mapeamento foi realizado no âmbito do Programa Justiça 4.0, iniciativa que tem o objetivo de acelerar a transformação digital do Poder Judiciário. Outras ações do programa envolvem a criação de uma plataforma em nuvem que integra os sistemas judiciários para unificar a tramitação processual e compartilhar soluções tecnológicas entre tribunais brasileiros, incluindo modelos de IA e um repositório unificado de dados dos processos em tramitação no país.

O Justiça 4.0 é uma parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Conselho da Justiça Federal (CJF), com apoio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

“O fortalecimento de capacidades do Judiciário por meio de ferramentas inovadoras que melhorem a eficiência dos serviços judiciais deve estar no centro da agenda institucional quando buscamos uma governança cidadã. As tecnologias disruptivas e a cocriação junto à sociedade são fundamentais para os resultados obtidos pelo Justiça 4.0”, afirma a coordenadora da unidade de Governança e Justiça do Pnud, Moema Freire.

Metodologia

O painel foi desenvolvido a partir dos dados obtidos em pesquisa aplicada entre abril e maio de 2022 em todos os tribunais brasileiros. Dos 94 órgãos consultados (entre tribunais e conselhos superiores), apenas seis não responderam à pesquisa. O questionário identifica a quantidade de projetos por tribunal e segmento de Justiça, o estágio de evolução, o volume de processos judiciais beneficiados, os recursos, a plataforma, o método e a linguagem utilizados, bem como o tamanho da equipe envolvida e o compartilhamento de dados e códigos.

Essa é uma nova versão do mapeamento realizado no ano passado a partir dos parâmetros estabelecidos no estudo “O Futuro da IA no Judiciário Brasileiro” (2020), da Escola de Administração Pública Internacional da Universidade de Columbia, do ITS-RIO e do CNJ.

Tribunais

Os tribunais federais apresentam a maior média de projetos de IA por tribunal (2,8), seguidos pelos tribunais estaduais (2,7). Em números absolutos, os tribunais estaduais têm o maior número de projetos: 65, sendo 53 novos, não mapeados no levantamento anterior.

Em seguida, vêm os tribunais federais, com 14 projetos – 10 novos -, acompanhados pelos tribunais do trabalho, com 9 projetos – cinco novos -, tribunais eleitorais, com 11 – oito novos -, tribunais superiores, com sete projetos – cinco novos – e conselhos superiores, com cinco projetos, sendo quatro novos.

O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) lidera o número de projetos. São 21, estando 20 já em uso ou aptos para uso. Na pesquisa anterior, o órgão havia declarado apenas um projeto.

Houve também um aumento significativo de modelos desenvolvidos para o Processo Judicial Eletrônico (PJe), que passaram a responder por 55% dos projetos. Em relação aos tipos de modelo, há grande variedade: desde ferramentas que realizam a classificação, o agrupamento e a similaridade de processos até assistentes virtuais e ferramentas de reconhecimento facial.

“Os modelos de classificação de processos, por exemplo, possibilitam uma boa triagem e classificação de demandas, com um índice de acerto similar ao das vias tradicionais, o que permite rapidamente estabelecer um tratamento uniforme a processos que são similares e atribuir as mesmas decisões àqueles que têm conteúdo idêntico, dando maior consistência e agilidade e aprimorando a prestação jurisdicional”, afirma Rafael Leite. “A implementação de algoritmos com capacidade de processamento de linguagem são o caminho para alcançar a razoável duração dos processos e uma maior segurança jurídica.”

Soluções compartilhadas

“A afinidade entre os modelos indica que os tribunais se beneficiariam de uma maior troca de informações entre suas equipes”, destaca o juiz auxiliar do CNJ, dando o exemplo de projetos como o Janus, o Gemini e os modelos de classificação gerados pelo TJRO. Desde 2020, o CNJ mantém o Sinapses, plataforma nacional de modelos de IA, onde os tribunais disponibilizam modelos para uso compartilhado.

Esse compartilhamento de ferramentas é uma das premissas do Programa Justiça 4.0, que aposta no modelo colaborativo para a gestão mais eficiente de recursos e integração de soluções. “O Sinapses concretiza o espírito de colaboração no Judiciário brasileiro, uma vez que nasceu no TJRO e virou um projeto nacional graças ao compromisso da inovadora gestão daquele tribunal e de seus dedicados servidores”, ressalta Rafael Leite.

O Sinapses possibilita o rastreamento das informações processadas pelas soluções, explica o magistrado. “Essa plataforma permite transparência e governança em relação aos modelos de IA, o que possibilita que os tribunais desenvolvam e treinem soluções a partir de suas necessidades, assegurando a auditabilidade desde o primeiro momento.”

Segundo o juiz auxiliar, um ponto importante em iniciativas de IA é o treinamento da ferramenta a partir de uma base de dados atualizada e integrada aos sistemas de processo eletrônico para que ela possa ser constantemente aperfeiçoada. “Os modelos de IA que utilizamos hoje são produzidos a partir de uma grande massa de dados pré-definida. É a qualidade dos dados e uma constante atualização que asseguram o sucesso de uma boa estratégia de IA.”

Casos de uso

O Janus é uma solução que automatiza tarefas repetitivas e utiliza a IA para apoiar o julgamento de pedidos de candidatura e agilizar a prestação de contas eleitorais. A solução, implementada inicialmente pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), está em desenvolvimento em outros quatro tribunais eleitorais (Maranhão, Pernambuco, Piauí e Rio de Janeiro). Desenvolvida a partir de modelos do Sinapses que realizam a classificação processual das peças, a ferramenta permite identificar pareceres equivalentes e minutar a sentença com base em pareceres técnicos e do Ministério Público.

Outro projeto é o Gemini, que agrupa processos por similaridade de tema nas unidades de primeiro e segundo grau da Justiça do Trabalho, acelerando os julgamentos. O projeto é coordenado pelo CSJT, com participação de cinco tribunais regionais do trabalho.

Por sua vez, a Sofia, assistente virtual de atendimento (chatbot) nos juizados especiais do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), utiliza IA na triagem automática de processos, com processamento de linguagem natural. A solução também foi produzida a partir de modelos disponíveis no Sinapses, criando mais uma forma de entregar apontamentos dos algoritmos ao usuário final.

Força de trabalho

Quem desenvolve as soluções são predominantemente as equipes próprias dos órgãos de Justiça, com a colaboração de instituições como universidades ou outros tribunais. Dessa forma, a maior parte das iniciativas têm acesso ao código-fonte dos modelos criados e à documentação dos projetos.

A maioria dos tribunais (70%) conta com equipe dedicada, com uma média de quatro pessoas por projeto. Esse número varia entre os segmentos de Justiça: o tamanho médio da equipe varia de 2,7 pessoas (tribunais superiores) a 9,0 (conselhos).

A necessidade de mais recursos humanos especializados foi identificada pelo levantamento como um dos principais gargalos no desenvolvimento dos projetos, aliada ao elevado número de demandas que limitam a condução de pesquisas em IA. A formação profissional está na mira do CNJ, que já oferece cursos às equipes de IA indicadas pelos tribunais e editou, no início deste ano, resolução prevendo que os tribunais estabeleçam planos de capacitação de seus colaboradores. A norma estabelece, ainda, que os próximos concursos públicos abarquem conhecimentos técnicos mínimos para atuar na área.

Texto: Vanessa Maeji
Edição: Márcio Leal
Agência CNJ de Notícias

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