Judiciário implementa programas para acolhimento de vítimas de violência feminina

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A juíza Ana Cristina de Pontes Lima Esmeraldo (TJCE), auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Roberta Ferme Sivolella, desembargadora Carmen Gonzalez, auxiliar da Presidência do CNJ, juíza Marcela Santana Lobo (TJMA), juíza Naiara Brancher (TJSC) e a servidora do TJSC Michelle de Souza Gomes Hugill durante o Encontro Mulheres na Justiça - 2ª edição 2023. Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ.
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Programas e iniciativas que promovem o acolhimento a vítimas de violência de gênero no Judiciário tem fortalecido as discussões, ações e redes criadas para defender a paridade de gênero e a segurança das mulheres na gestão pública. Segundo as participantes da 2ª edição do evento “Mulheres na Justiça: novos rumos da Resolução CNJ 255”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essas ações fundamentam a ideia de que “nenhuma de nós está sozinha”.

A partir da Recomendação CNJ n. 102/2021, que estabeleceu a criação de protocolo integrado de prevenção e medidas de segurança voltado ao enfrentamento à violência doméstica praticada em face de magistradas e servidoras, os tribunais apresentaram os programas estruturados para o cuidado às vítimas de violência, com ações também voltadas para a prevenção, esclarecimentos e fortalecimento da rede de proteção.

Segundo as debatedoras do painel “Protocolo Integrado de Prevenção e Medidas de Segurança voltado ao Enfrentamento à Violência Praticada em face de Magistradas e Servidoras do Poder Judiciário”, os programas são fruto não apenas das exigências normativas, mas do impacto que os órgãos sentiram com as situações de violência e até mesmo feminicídio sofridas por colegas do Judiciário.

Segundo a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Roberta Ferme Sivolella, o temor da perda de autoridade, descrédito e nebulosidade em torno da percepção da real situação de risco que magistradas e servidores estão sujeitas acarretam um impacto psicológico ainda maior. “Há um maquiavelismo na ameaça da exposição pública que repercute nos efeitos psicológicos, somados ao estresse decorrente da função”. Ela destacou que a situação foi verificada nas inspeções realizadas pela Corregedoria e foi possível registrar o peso que essa insegurança representava para as profissionais.

O protocolo apresenta pilares de atuação por meio da criação de canais de denúncias a formação da rede de proteção interseccional: um pilar estrutural, com a celebração de termos de cooperação e participação interna para fazer primeiro atendimento às vítimas; e um pilar referente às medidas de segurança.

Foi nesse sentido que o “Programa Indira”, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), foi criado. A ideia é implementar uma política institucional de prevenção e de medidas de segurança voltada ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra magistradas e servidoras. De acordo com as representantes do TJSC, a juíza Naiara Brancher e a servidora Michelle de Souza Gomes Hugill, destacaram que lembrar os casos que aconteceram no âmbito do judiciário local servem de alerta sobre o “quão perto a violência contra a mulher pode estar de qualquer uma de nós”. A ação homenageia a servidora Indira Mihara Felski Krieger, que foi morta em 2022 em uma situação de violência doméstica.

Resultados

No Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o Programa Justiça pela Mulher da Justiça, apresentado pela juíza Ana Cristina de Pontes Lima Esmeraldo, buscou parcerias, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para estruturar medidas de combate à violência e fortalecimento das lideranças femininas. “A rede colaborativa é fundamental para chegar a bons resultados”, destacou.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre gênero, direitos humanos e acesso à justiça da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a juíza Marcela Santana Lobo lembrou que, segundo dados do Relatório perfil das magistradas brasileiras e perspectivas da igualdade de gênero, 69% das mulheres que responderam à pesquisa não conheciam o protocolo e 77% concordaram que os tribunais deveriam estruturar projeto voltados à segurança feminina.

“Como aprimorar o sistema nacional de segurança do Poder Judiciário para que se sintam representadas e possam relatar essas situações, serem acolhidas, ouvidas e terem a certeza que terão respostas? Como utilizar o formulário nacional de avaliação de risco de forma a identificar as que estão em maior vulnerabilidade?”, questionou a magistrada, como provocação para as discussões que serão conduzidas pelo CNJ no segundo dia do evento, na última quinta-feira (31/8).

A desembargadora Carmen Gonzalez, auxiliar da Presidência do CNJ e presidente da mesa, destacou a importância de as boas práticas desenvolvidas pelos tribunais serem replicadas. Ela também ressaltou que, na transversalidade dos temas debatidos no evento – raça, gênero e diversidade – é preciso incluir o etarismo. “Somos questionadas sobre quando vamos nos aposentar. Temos um trabalho a fazer e estamos envelhecendo bem. Vamos nos aposentar quando quisermos, quando nosso trabalho tiver sido concluído”, afirmou.

Inovações

Com a proposta de promover a “igualdade entre humanos e uma sociedade mais justa”, como afirmou a presidente da mesa sobre “Inovações para a Equidade de Gênero no Poder Judiciário”, ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), as participantes mostraram iniciativas voltadas para parcerias em defesa da mulher.

Juíza auxiliar da presidência do CNJ, Adriana Cruz, ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), juíza federal da Justiça Militar da União Mariana Aquino, servidora do TJDFT Andreia Siqueira e a juíza Laryssa Angélica Copack Muniz (TJPR) no Encontro Mulheres na Justiça – 2ª edição 2023. Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ.

Na Justiça Militar, a juíza federal Mariana Aquino falou sobre o jogo criado pela comissão que trata do assunto na corte para apresentar as situações de assédio, além de uma roda de conversa restaurativa. Ela destacou que a mulher militar é invisibilizada e os crimes contra a dignidade sexual são considerados tabus no segmento. De acordo com ela, pesquisa realizada em 2020 mostrou que, em um universo de duas mil mulheres militares, 74% relataram ter sofrido algum tipo de assédio. “Queremos mostrar que elas têm a quem recorrer e ter respostas.”

Já no Paraná, o coletivo Antígonas reúne 200 magistradas na promoção de atividades que começaram pelo letramento de gênero. Conforme explicou a juíza Laryssa Angélica Copack Muniz, a inciativa, que ultrapassa o associativismo, começou com a realização de ciclos de debates de autocuidado na pandemia da covid-19 e, hoje, fortalece a luta pela paridade de gênero no Judiciário estadual.

No Distrito Federal, a Rede Equidade trabalha pela inclusão, gênero e raça na administração pública. O grupo, formado por representantes do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, lançou o Modelo Inclusão da Diversidade e Equidade, “com abordagem interseccional, visando contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável”. Segundo a servidora do TJDFT Andreia Siqueira, o trabalho se baseia em governança estratégica, gestão inclusiva e social, a partir de um modelo simples, exequível e abrangente que permita parametrizar e monitorar a gestão.

Para a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Adriana Cruz, uma das debatedoras do painel, a “grande inovação é um Judiciário que olha para as pessoas”. Ela questionou como o CNJ pode potencializar iniciativas como as apresentadas no evento. A magistrada também propôs que a participação das servidoras seja encorajada e estimulada nas mesas de debates. “Estamos falando de paridade – paridade de gênero, paridade de raças e paridade de funções”, ressaltou.

Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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