CNJ trabalha ações contra desigualdade racial nos sistemas penal e socioeducativo

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Foto: Pexels/Banco de Imagens
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No Brasil, mais de 66% das pessoas encarceradas são negras, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) – uma proporção que cresceu 14% em 15 anos. O número pode estar sub-representado, pois não há informações sobre raça e cor de mais de 20% da população carcerária. A população negra também é a que mais sofre violência – 74,4% das vítimas de violência letal são pessoas negras, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ambas as estatísticas estão acima da proporção de pessoas negras no país (56,1%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Atento a esse cenário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), incluiu estratégias de enfrentamento à desigualdade racial como elemento transversal das ações empreendidas por meio do programa Fazendo Justiça. O programa também tem o apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), e trabalha soluções para problemas estruturais da privação de liberdade no Brasil.

“Nossa Constituição, em seus princípios e garantias fundamentais, fomenta e promove a igualdade entre todos perante a lei e o antirracismo, mas evidências em diversos planos, incluindo o âmbito penal, apontam que também o Judiciário precisa reforçar ferramentas complementares que assegurem a plena aplicação das diretivas constitucionais”, aponta o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luis Lanfredi.

Na área de tecnologia, o CNJ finalizou recentemente diagnóstico que apoiará o aprimoramento do  preenchimento de quesitos sobre raça e etnia referentes ao sistema prisional e ao socioeducativo, evitando lacunas. O estudo analisou a existência de campo indicativo de pertencimento etnico-racial em diferentes sistemas, a obrigatoriedade de preenchimento e como esses dados são disponibilizados.

“Ao realizar esse diagnóstico, buscamos apontar em que medida os sistemas eletrônicos do CNJ seguem essa tendência de subnotificação do dado e se é possível aprimorá-los no sentido de qualificar e uniformizar a coleta. A política judiciária precisa reconhecer o perfil das pessoas atingidas pelas políticas de privação de liberdade para alcançar efetividade”, destaca o servidor do DMF/CNJ Luiz Víctor Silva, que coordenou o diagnóstico.

Uma das ações em andamento é a a possibilidade de normativa para que os quesitos de raça e cor passem a ser de preenchimento obrigatório. Outra proposta é padronizar a classificação e o método de identificação abrangendo as mesmas categorias de raça, cor e etnia utilizadas pelo IBGE. A ação também busca engajar servidores e magistrados em campanha que aborda conceitos de racismo, seletividade racial, método de classificação, importância da coleta do quesito, entraves ao preenchimento, bem como os critérios de autodeclaração e de heteroclassificação.

Ainda sobre o aprimoramento na coleta de dados, o CNJ reformulou o Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), que, desde o início deste ano, tornou obrigatório o preenchimento para o campo de raça e cor. Com a medida, a subnotificação caiu de 51% para 32%. A plataforma criada para análise de autos de prisão em flagrante (APF), para uso durante a pandemia de Covid-19 onde as audiências de custódia estiverem suspensas, também tem este campo obrigatório.

A importância de sistemas que apoiem uma coleta otimizada de dados é destacada pela analista de programa para temas de gênero e raça do PNUD Brasil, Ismália Afonso. Ela aponta que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da população negra se aproximou apenas em 2010 dos mesmos níveis que havia em 2000 para a população branca. “Os dados são muito importantes para ler a realidade, mas essa leitura precisa caminhar junto ao campo qualitativo, para entender como o racismo nos estrutura como sociedade, com um apagão de políticas públicas de inserção da população negra.”

Também relevante no campo de identidade racial, o programa trabalha a emissão de documentação civil para pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema. “Foram três séculos de escravização, e no pós-abolição houve marginalização e segregação da população negra perpetuada até os dias atuais. Garantir a documentação civil é imprescindível para o acesso à cidadania dessas pessoas que são tolhidas de seus direitos também quando em liberdade”, ressalta Thais Passos, que atua no núcleo de biometria e documentação civil do Fazendo Justiça.

Qualificação de políticas e serviços

Também na porta de entrada, o Manual sobre Tomada de Decisão na Audiência de Custódia: Parâmetros Gerais traz parâmetros para a avaliação da legalidade da prisão em casos de abordagem, recomendando aos juízes relaxar a prisão em flagrante quando houver presunção de discriminação racial na abordagem.

Na porta de saída, a Resolução nº 307/2019 do CNJ, que institui a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional, implementada com o apoio do Fazendo Justiça, se baseia na Convenção Internacional de Todas as Formas de Discriminação Racial. A normativa prevê, entre outros pontos, o desenvolvimento de ações afirmativas para promoção da igualdade racial no âmbito das iniciativas do Escritório Social, especialmente no fomento às cotas raciais nas políticas de geração de emprego e renda. Os Cadernos de Gestão dos Escritórios Sociais, lançados recentemente pelo Conselho, abordam essa temática.

O CNJ também tem realizado estudos sobre teses e a jurisprudência no enfrentamento à desigualdade racial para subsidiar suas ações, e tem uma ação específica que desenvolverá parâmetros que garantam os direitos constitucionais de liberdade de consciência, de crença e de expressão e enfrentamento à intolerância religiosa em unidades de privação de liberdade, um passo importante para que pessoas presas que seguem religiões de matriz africana tenham liberdade de culto.

Socioeducativo

Segundo dados do Levantamento Anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, havia, em 2015, 26.868 adolescentes privados e restritos de liberdade no Brasil, sendo 61,03% deles negros. No âmbito do programa Fazendo Justiça, as ações voltadas a adolescentes em conflito com a lei levam em conta dimensões de respeito à diversidade, dentre elas, a de raça, como é o caso da construção da metodologia do Programa de Acompanhamento ao Adolescente Pós-Cumprimento de Medida Socioeducativa. Também estão nas ações voltadas para o aperfeiçoamento dos sistemas de informação do socioeducativo, tanto na atualização do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL) quanto no Cadastro Nacional de Inspeções em Unidades e Programas Socioeducativos (CNIUPS)

“Precisamos, na justiça criminal, desvelar os estereótipos que atribuem às pessoas valores pejorativos e de inferiorização. A partir disso, adotar um ponto de vista no sentido de que isso não pode ser acriticamente usado para critérios como periculosidade, criminalidade e elementos que desestabilizariam a ordem pública para fins de atuação do Estado”, afirma o juiz Fábio Francisco Esteves, presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis/DF) e vice-presidente de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

“A atuação do CNJ tem sido decisiva, criando políticas públicas que levam em consideração estes aspectos”, completa o magistrado, citando o Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, instituído pela gestão do ministro Luiz Fux em setembro deste ano.

Iuri Tôrres

Agência CNJ de Notícias