Com 18 anos recém-completados, Luana do Amor Divino Caetano já trabalha no rascunho de seu segundo livro de poesias. Há dois anos, aos 16, ela iniciou o cumprimento de medida socioeducativa em uma unidade de internação em Goiás. Segundo a adolescente, esse período foi marcado por reflexão, arrependimento e, principalmente, transformação. Durante sua passagem pelo Centro de Atendimento Socioeducativo de Luziânia, a jovem enfrentou desafios e buscou inspirar outros reeducandos. “Eu sempre dizia a eles: ‘vou sair daqui e vocês vão ver que eu mudei de verdade’. É isso que estou fazendo”, relata Luana, atualmente em liberdade assistida, usufruindo de uma vida autônoma. A experiência de internação tornou-se o tema central do primeiro livro escrito por ela, “Quem diria, do CASE à poesia!”, uma coletânea de versos em que narra sua jornada de mudança. A obra reúne poemas como Morte — o primeiro que escreveu —, dedicado ao pai, falecido três meses antes de sua internação. Já em Justiça, Luana reflete sobre o verdadeiro significado desse conceito:
“É busca de igualdade de direitos.
A Justiça não é à toa, ela ajuda as pessoas.
Não é sobre ganhar ou perder.
É sobre aprender”.
Livro Quem diria, do CASE à poesia!
A expressão literária da jovem encontrou apoio no projeto “Eu Leitor, Eu Escritor”, idealizado pela agente do sistema socioeducativo e pedagoga Josélia Macedo e inspirado em ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como os projetos Caminhos Literários no Socioeducativo e Mentes Literárias. “É um trabalho amplo e sensível, que não se limita à aplicação da medida socioeducativa, mas também se preocupa com a formação humana”, complementa. Além dessa, outras ações do CNJ contribuíram para que a reeducanda pudesse participar ativamente do processo de reavaliação da medida socioeducativa.
É o caso das audiências concentradas, recomendadas pelo Conselho desde 2021. Um levantamento feito pelo CNJ em 17 unidades socioeducativas de sete estados revelou que quase 90% dessas audiências contam com a presença de familiares ou pessoas de referência dos internos, reforçando a proposta de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários que devem caracterizar esse momento. “Eles se sentem acolhidos e entendem em que aspectos precisam melhorar”, afirma Josélia, que acrescenta: “a presença do Judiciário também acalma os adolescentes. Eles têm uma devolutiva sobre sua evolução”.

Por meio do programa Fazendo Justiça, o CNJ também contribui para que adolescentes possam fortalecer seus vínculos com a comunidade após o cumprimento das medidas socioeducativas. Essa é a premissa do programa Pós-Medida Socioeducativa (Pós-MSE), que atende a jovens de até 21 anos por até um ano após a conclusão da medida de internação ou semiliberdade. Com adesão voluntária, a iniciativa busca inseri-los em políticas sociais que abrangem as áreas de escolarização, saúde e educação profissional. A ação é implementada pelo Poder Executivo com o apoio do Poder Judiciário e dos demais atores do Sistema de Garantia de Direitos. Adepta ao programa, Luana se apresenta regularmente ao Centro de Referência Especializada de Assistência Social, unidade pública que oferece atendimento especializado para adolescentes, jovens e adultos em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, liberdade assistida e em prestação de serviços à comunidade. No local, ela encontrou suporte para que conseguisse estudar em uma escola perto de casa e participar de eventos nos quais possa divulgar seu livro. “O acompanhamento da Justiça após a medida também é muito importante, porque a gente entende que as ações não ficaram só lá dentro do socioeducativo. Isso nos motiva a seguir em frente”, afirma.
A história da adolescente é uma entre as mais de 10 mil trajetórias de jovens com restrição de liberdade atendidos pelo sistema socioeducativo brasileiro atualmente, segundo dados do Cadastro Nacional de Inspeção em Unidades e Programas Socioeducativos (Cniups). Ela reflete um dos eixos de atuação do CNJ: garantir que adolescentes em conflito com a lei tenham acesso a educação, cultura e reinserção na sociedade. “Muitas vezes, ouvimos colegas que se queixam das regulamentações propostas pelo CNJ ao longo do tempo, vendo-as como mais um dever a ser cumprido. Ocorre que, depois, percebem que isso faz toda a diferença para a atuação jurisdicional e também lá na ponta do socioeducativo”, afirma Carla de Paiva, secretária executiva da coordenadoria de infância e juventude do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). Para a servidora, essas normas estreitam laços e colocam o Poder Judiciário onde ele tem que estar.
Rompendo estigmas

Há duas décadas, o CNJ atua como agente transformador na garantia de direitos de vários públicos, inclusive de adolescentes. Além das iniciativas voltadas ao sistema socioeducativo, destacam-se também políticas prioritárias de adoção tardia e desinstitucionalização de jovens acolhidos, temas que ganharam força nos últimos anos dentro do Conselho por meio de normativas, programas e parcerias.
A adoção de adolescentes, ainda cercada por desafios, tem encontrado impulso em iniciativas como a Busca Ativa, ferramenta do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) mantida pelo CNJ. O recurso busca facilitar a união de crianças e adolescentes considerados de “difícil colocação” — como grupos de irmãos, jovens com doenças ou acima dos 10 anos — a famílias habilitadas. Por meio da plataforma, pretendentes à adoção têm acesso a informações, fotos e vídeos dos jovens disponíveis, desde que autorizados pela Justiça e com o consentimento dos próprios adolescentes. A divulgação segue regras rigorosas da Portaria CNJ n. 114/2022, que inclui medidas de proteção, como a marca d’água do CNJ nas imagens e a exigência de CPF para acesso aos dados. Atualmente, o sistema dispõe do perfil de 1.067 adolescentes a partir dos 12 anos. A maioria, 410, já possui mais de 16 anos.
A Busca Ativa abriu portas para que o contador Danilo Romão, de 33 anos, e o marido Fábio Freire, de 40, que moram no Distrito Federal, adotassem Giovana, hoje com 12 anos, e Gabriel, de 14. Ambos residiam em São Paulo. Giovana foi encontrada pelo sistema aos 11 anos. Foi por meio dela que o casal conheceu Gabriel, aos 13. Danilo relata que o processo envolveu videochamadas, visitas ao abrigo e um período de adaptação, culminando na guarda definitiva. Desde o início, o casal sempre deu preferência pela adoção de crianças maiores e adolescentes, superando estigmas associados à adoção de pessoas mais velhas. A princípio, a família enfrentou desafios típicos da adolescência — conflitos entre irmãos, adaptação escolar, dificuldade com a disciplina e as responsabilidades dentro de casa —, mas construiu vínculos sólidos. “Eles nos desafiam cotidianamente, como qualquer adolescente, mas o convívio com eles é cheio de afeto, movimento e aprendizado”, assegura Fábio. Gabriel, que antes temia não ser adotado, destaca a importância do apoio familiar: “Ser adotado significa ter alguém ao seu lado, mesmo nas piores fases”.
Hoje, o adolescente e a irmã mais nova desfrutam de um cotidiano acolhedor. “Gabriel vai ao centro olímpico, faz curso de inglês, estuda pela manhã e adora a escola dele. A gente também mantém com ambos o hábito da leitura. Quando podem, brincam com os amigos do condomínio onde vivemos. Convivem com primos, padrinhos e madrinhas e demais familiares”, conta Danilo ao descrever a rotina dos filhos.
Novos caminhos: quando a adoção não acontece

Dados do SNA revelam que, das mais de 34 mil crianças e adolescentes acolhidos, 41,8% (14,4 mil) possuem mais de 12 anos. Além disso, dos 5.252 disponíveis ou vinculados para adoção, quase metade são adolescentes, a maioria (925) acima dos 16 anos. Para os jovens que envelhecem em abrigos sem serem adotados, o Programa Novos Caminhos surge como alternativa. Instituído pela Resolução CNJ n. 543/2024, o projeto — inspirado em uma iniciativa catarinense de 2013 — prepara adolescentes acolhidos para a vida autônoma após os 18 anos, evitando o desamparo pós-institucional.
Dividido em quatro eixos (educação, vida saudável, empregabilidade e parcerias), o programa oferece desde cursos profissionalizantes em áreas como construção civil até atividades culturais. A expansão do programa, impulsionada pela Diretriz Estratégica n. 11 do CNJ de 2023, depende de parcerias com empresas e instituições de ensino.
Acolhida em um abrigo há três meses, em Marabá (PA), Madalena, de 15 anos, é uma das jovens beneficiadas pelo Novos Caminhos. A adolescente ingressou na iniciativa há pouco mais de um mês e, no momento, cursa o 6.º ano do Ensino Fundamental, além de frequentar uma formação em Administração. Madalena ainda não sabe qual profissão pretende exercer, mas já demonstra entusiasmo com o futuro. “O programa tem me proporcionado novos conhecimentos e a construção de um projeto de vida”, compartilha.
Texto: Jéssica Vasconcelos
Edição: Geysa Bigonha
Arte: Jeovah Herculano
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias