Revista CNJ: artigo analisa política judiciária em conflitos fundiários coletivos 

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Foto: Ascom TJPR
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A histórica desigualdade na distribuição de terras no Brasil, enraizada no período colonial e agravada pela ausência de políticas públicas fundiárias eficazes, tem gerado conflitos coletivos marcados por remoções forçadas e violações de direitos humanos. Tradicionalmente, o Poder Judiciário tratou essas disputas sob uma ótica formalista, priorizando a lógica do conflito, e desconsiderando a complexidade social dos casos concretos. Nos últimos anos, no entanto, esse cenário começou a mudar. Normativos do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e, especialmente, resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vêm promovendo uma inflexão na forma como o Judiciário lida com esses litígios. Esse é o tema central do artigo “A Política Judiciária Estruturante do CNJ para Tratamento Adequado de Conflitos Fundiários Coletivos: análise da Resolução CNJ n. 510/2023”, publicado na revista científica e-CNJ. 

Assinado pelos juízes de direito do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), José Augusto Guterres e Lucas Cavalcanti da Silva — ambos integrantes da Comissão de Soluções Fundiárias do TJPR — o artigo de 20 páginas analisa a Resolução n. 510/2023, que instituiu as Comissões de Soluções Fundiárias no âmbito do Judiciário. A norma estabeleceu diretrizes para a realização de visitas técnicas em áreas litigiosas e protocolos para ações de despejo e reintegração de posse, especialmente em contextos de moradia coletiva ou ocupações produtivas por populações vulneráveis. 

“O processo civil aqui fora projetado para simplificar os litígios em dois polos somente, de modo a fazer o juiz julgar qual deve ganhar e qual deve perder. Embora esse modelo funcione na maioria dos conflitos entre particulares, revela-se insuficiente frente a demandas complexas multitudinárias e que versem sobre interesses públicos, como são os casos de conflitos fundiários coletivos”, dizem os autores, no artigo. Uma das atribuições mais relevantes das Comissões seria a promoção de soluções autocompositivas por meio de procedimentos de conciliação e mediação. O artigo destaca a Lei n. 13.140/2015 e a Resolução n. 125/2010 como prova de que o órgão administrativo mais elevado do Judiciário reconhece que o processo e julgamento de lides são insuficientes para a pacificação social. 

Inspirada na doutrina do processo estrutural, a Resolução propõe uma abordagem participativa e dialógica, voltada à efetivação dos direitos fundamentais. Para os autores, trata-se de uma mudança paradigmática na política judiciária fundiária, ao incorporar técnicas processuais modernas e promover soluções que vão além da simples aplicação da lei, considerando o contexto social e humano dos conflitos. 

O texto também destaca que as comissões seriam um exemplo de court management (conceito trabalhado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), e que diz respeito ao gerenciamento organizacional da Justiça). As comissões funcionariam como estruturas de apoio à magistratura, sem interferir na independência judicial, e teriam como objetivo aprimorar a gestão dos processos fundiários coletivos de forma cooperativa e mais eficiente.  

A análise ainda menciona a Resolução CNJ n. 350/2020, que trata da cooperação judiciária nacional, reforçando que as comissões atuariam dentro de um modelo colaborativo, previsto no ordenamento jurídico, e alinhado à proteção dos direitos humanos. Por fim, os autores concluem que a Resolução representa um avanço significativo na política judiciária brasileira, ao oferecer instrumentos concretos para a pacificação de conflitos fundiários coletivos e para a promoção da justiça social. 

Revista e-CNJ 

O artigo “A Política Judiciária Estruturante do CNJ para Tratamento Adequado de Conflitos Fundiários Coletivos: análise da Resolução CNJ n. 510/2023”, faz parte da edição comemorativa da Revista CNJ, intitulada “CNJ 20 Anos: impactos das políticas do CNJ no Poder Judiciário e na sociedade”. A publicação celebra as duas décadas de atuação do CNJ, contendo uma seleção de conteúdos que busca analisar de forma empírica e documental os principais efeitos das políticas implementadas pelo órgão no sistema de justiça brasileiro.  

Desde que foi criado, em 2015, o periódico científico tem como foco a promoção de debates qualificados sobre temas como gestão judiciária, acesso à Justiça, direitos humanos e litigiosidade no Brasil. A Revista e-CNJ é publicada semestralmente.  

A publicação segue os requisitos exigidos pelo sistema Qualis-Periódicos, gerenciada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A produção é coordenada pela Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, e a organização do periódico fica a cargo do Departamento de Pesquisas Judiciárias. Todos os artigos enviados para apreciação são analisados tecnicamente por pareceristas anônimos, com doutorado na área e indicados pelo Conselho Editorial da e-Revista do CNJ. 

Texto: Regina Bandeira
Edição: Beatriz Borges
Revisão: Ilana Arrais
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Aperfeiçoamento da gestão administrativa e da governança judiciária