Responsabilizar empresas por danos aos direitos humanos é peça-chave para reparar vítimas

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Diálogo com o poder judicial sobre negócios e direitos humanos - Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu, nesta sexta-feira (21/10), o Seminário Diálogo com Juízes e Juízas sobre Empresas e Direitos Humanos: o Uso da Devida Diligência em Direitos Humanos como Ferramenta Interpretativa. O evento, voltado aos magistrados brasileiros, faz parte das ações do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário e decorre da cooperação técnica formalizada entre o CNJ, o Escritório Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na América do Sul e a Fundação Getulio Vargas (FGV).

A devida diligência em direitos humanos é o termo utilizado para designar processos de governança empresarial alinhados com obrigações e compromissos de proteção e promoção de direitos humanos.

“O estudo do tema é elemento-chave no cumprimento da responsabilidade empresarial de respeitar os direitos humanos, de acordo com o estabelecido nos Princípios Orientadores da ONU. Sua consideração destina-se a promover maior responsabilização empresarial pelos danos relacionados aos direitos humanos e, assim, melhorar o acesso à reparação às pessoas afetadas”, afirmou a conselheira Salise Sanchotene, durante a abertura do encontro.

A magistrada elencou diversas ações, iniciativas, Recomendações, Resoluções e programas criados e implementados pelo CNJ de promoção dos direitos humanos, entre eles, a criação do próprio Observatório dos Direitos Humanos. A conselheira citou a criação do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet), que promoveu o levantamento de dados relativos ao número, à tramitação, às sanções impostas em ações judiciais relativas a esse tema.

Salise lembrou que o acordo de cooperação técnica prevê a elaboração de uma Cartilha, de um Protocolo de ação e de um Glossário, com objetivo de auxiliar os juízes brasileiros na avaliação e no julgamento de casos que envolvam abusos a direitos humanos cometidos por empresas. Esses produtos deverão estar prontos em 2023.

Remediação de abusos

Diretora do Centro de Direitos Humanos e empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV) e consultora da ONU, Flávia Scabin ressaltou que o evento desta sexta-feira se insere em uma das metas do Projeto CERALC (Conduta Empresarial Responsável na América Latina e no Caribe), que busca promover o terceiro pilar dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, que trata da “remediação” de abusos a direitos no âmbito dos negócios.

“Casos que envolvem abusos a direitos humanos por empresas são geralmente complexos, porque envolvem cadeias de atividades, operações em contextos desafiadores e por vezes vulneráveis, além uma assimetria de informações e de forças entre empresas e vítimas (com dependência econômica em muitos casos). Isso faz que a tarefa dos juízes e das juízas, apesar de desafiadora, seja muito importante para que avancemos no acesso à remediação de abusos a direitos cometidos no âmbito dos negócios”, disse.

Convidado do encontro, o professor Humberto Cantú Rivera, da Universidade de Monterrey (UDEM-México), ponderou que é preciso transformar a responsabilidade das empresas em direitos humanos em uma cultura empresarial. “As empresas devem respeitar essa diretriz e se não houver padrão de conduta, ela deve ser desenvolvida”, disse. Rivera reforçou que atualmente está cada vez mais fortalecida a ideia de que a responsabilidade de respeitar e proteger direitos humanos aplica-se a todas as empresas.

No Brasil, o Decreto n. 9.571/2018 trata do assunto, mas especialistas e magistrados presentes relatam haver um desconhecimento geral sobre os princípios orientadores desses direitos, em especial dessa normativa.

Magistradas e magistrados mencionaram desconhecer o decreto, que estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, para médias e grandes empresas, incluídas as empresas multinacionais com atividades no país. Flávia Scabin afirmou que um dos objetivos desse encontro é reforçar e trazer ao conhecimento dos magistrados essa norma brasileira que trata do assunto. “Vamos trabalhar na Cartilha para enfrentar a falta de divulgação dessa normativa e seus princípios. Os juízes e juízas são peças fundamentais nesse avanço”, afirmou.

Exploração infantil

A advogada Tamara Hojaij, do Centro de Direitos Humanos e Empresas da FGV, que desenvolve pesquisas, inclusive sobre a responsabilização de empresas pelo Estado, apresentou algumas conclusões de um trabalho sobre o tema e citou exemplos de ações de empresas claramente ofensivas aos direitos humanos, inclusive de crianças e adolescentes, que não foram devidamente responsabilizados.

“Foram encontradas 16 adolescentes sendo exploradas sexualmente em uma boate no meio da Amazônia, e o dono da boate rejeitou sua responsabilidade argumentando não ter sido ele a trazer as crianças. Ninguém nem nenhuma empresa pode ser omissa diante de um crime”, afirmou.

Tamara citou, por outro lado, que grandes marcas apontadas por utilização de trabalho escravo na indústria da moda têm sido responsabilizadas em suas cadeias produtivas por não terem cuidado em relação aos seus funcionários e as comunidades locais e funcionários de suas subsidiárias. “Alguns precedentes estrangeiros têm utilizado o conceito dever de cuidado”, citou.

O evento contou, além das apresentações sobre o tema, com plenárias temáticas exclusivas dirigidas aos magistrados. Divididos em grupos, os participantes tiveram de lidar com hipotéticos casos, para que pudessem pensar como a Justiça pode e deve estar inserida nessa questão.

Texto: Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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