Maior presença de mulheres no Judiciário contribui para ampliar decisões sob a ótica feminina

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2ª Edição do Encontro Mulheres na Justiça Novos Rumos da Resolução CNJ n. 255- Foto Ana Araujo Ag.CNJ Mesa 2-0304
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A luta pela igualdade de gênero no Poder Judiciário não busca apenas a ocupação de espaços de poder, mas a transformação social a partir das decisões de magistradas. A avaliação é da juíza auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Karen Luise Vilanova Batista de Souza que presidiu o painel Gênero e Raça no Poder Judiciário – Formação, Estudos e Pesquisas, durante a 2ª edição do encontro Mulheres na Justiça: Novos Rumos da Resolução CNJ n. 255. O evento teve início nesta quarta-feira (30/8) e prossegue na quinta-feira (31/8), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), na modalidade presencial com transmissão parcial pelo canal do CNJ no YouTube.

Organizado em painéis, o encontro dissemina conhecimento e resultados de pesquisas sobre a participação feminina, além de oportunizar a troca de experiências entre tribunais e conselhos. A inclusão de cotas na Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário foi uma das propostas defendida por várias das participantes do evento. Elas ressaltaram também a importância da organização de magistradas em coletivos para avançar em pautas que costumam ser negligenciadas por elas não estarem suficientemente representadas.

Primeira mulher negra a ser nomeada para o cargo de ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edilene Lôbo falou da necessidade de aperfeiçoamento da Resolução CNJ n.255 sob a perspectiva racial. Ao destacar trecho do samba-enredo da escola Mangueira em 2019 (“Histórias Para Ninar Gente Grande”), a magistrada afirmou: “As premissas tratam do tema da nossa vida: inclusão, promoção e visibilidade das mulheres, mas não traz uma linha sobre as mulheres negras. Não há uma referência explícita e nós precisamos fazê-la”. Ao reconhecer o grande passo dado com a edição da norma em 2018, a ministra reforça que é preciso ir além. “Desde as premissas da Resolução CNJ n. 255, nós precisamos falar das interseccionalidades. O pacto, portanto, tem que ser pela promoção do gênero, mas também da raça”.

Estatísticas

Sobre a questão da raça, a professora da Universidade de São Carlos (UFSCar) e socióloga Maria da Gloria Bonelli destacou censos quantitativos realizados pelo CNJ. “As pesquisas para mapear a composição sociodemográfica da magistratura brasileira, não são um retrato fiel, porque em 2021, por exemplo, embora tenha havido 98% de adesão dos gestores tribunais em responder, a informação racial é incompleta. Apenas 31,9% das respostas contemplam essa informação, provavelmente por não constar nas fichas dos magistrados e magistradas”, ponderou. Ela sugeriu que haja estímulo do CNJ para que essas questões sejam respondidas.

A professora participou no painel “As Mulheres e a Construção do Gênero na Magistratura Brasileira”, que teve como coordenadora da mesa a presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura. Em sua apresentação, Maria da Gloria Bonelli destacou que a resposta aos questionários dá melhores condições para avaliar o autoconhecimento do grupo. A pesquisadora disse que apesar do incentivo à participação feminina no Judiciário, as mudanças não ocorrem sem uma alteração na cultura organizacional.

“Muito do que acontece em nossa vida profissional é o encontro entre o colega que está estabelecido na carreira e aquele jovem que está ingressando. Na maioria, esses grupos sub-representados na magistratura acabam se orientando pelos valores que estavam estabelecidos e seguindo essa visão profissional dominante“, destacou.

A juíza do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) Mariana Rezende Ferreira Yoshida (TJMS) falou da necessidade de mobilização da magistratura na produção de dados fidedignos. Ela lembrou que o 2º Censo do Poder Judiciário teve prazo prorrogado até 22 de setembro. “É a partir da reunião desses dados que as pesquisas surgem”, ressaltou.

Compensações

No mesmo painel, a professora e pesquisadora na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) Ana Paula Sciammarella apresentou estudo sobre o movimento de ascensão das magistradas na carreira. Ela destacou as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que ainda são minoria na alta cúpula do Judicário. Segundo a especialista, para haver uma mudança de perfil, “são necessárias medidas compensatórias e estimuladoras para imprimir maior diversidade na magistratura, como uma política de cotas”.

A juíza auxiliar do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (TRT15/CSJT) Patrícia Maeda foi outra palestrante a reforçar a importância da diversidade nos espaços institucionais. “Para além de dados numéricos a desigualdade de representação atinge a compreensão das relações sociais”, disse. No mesmo sentido, as juízas Claudia Catafesta, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), e a juíza Federal Raffaela Cassia de Sousa, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), destacaram pesquisa sobre a presença feminina no CNJ, desde a sua criação. “Foram apenas 20% de mulheres, para um total de 120 conselheiros”, disse Raffaela.

Outras painelistas ainda destacaram a importância da formação dos magistrados nas questões de gênero e raça. As juízas e pesquisadoras, Bárbara Lívio, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e Melyna Machado Mescouto Fialho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), resumiram o trabalho que desenvolveram “Gênero e direitos humanos no Poder Judiciário brasileiro”.

As magistradas enfatizaram que apenas em 2021, o tema capacitação passou a integrar o Prêmio CNJ de Qualidade. “Depois que a temática foi inserida na premiação, houve aumento de mais de 100% de cursos credenciados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam)”, relatou Bárbara. Com o incentivo à capacitação, ela espera que, “a longo prazo o Judiciário deixe de ser visto como o local onde a mulher que sofre violência pode se socorrer, mas onde tenha também a garantia dos seus diretos garantidos”, reforçou.

Para que essa mudança comece a ocorrer ainda nos cursos de Direito, a professora da Universidade de São Paulo Fabiana Severi falou sobre o trabalho que coordenou e acabou publicado no livro “Reescrevendo decisões judiciais em perspectivas feministas”. Ela e mais de 60 pesquisadoras reescreveram decisões proferidas por tribunais brasileiros sob a ótica feminina e avaliaram se as sentenças poderiam ser diferentes em matéria de igualdade de direitos. Esse trabalho, iniciado em setembro de 2021, foi realizado com estudantes de Direito no Brasil todo.

“Tratamos de tema como o reconhecimento do direito da mulher trans ser transferida para presídios femininos, o princípio da insignificância para furto praticado por mulher no período da covid-19, o direito à creche em período integral para criança de mulher trabalhadora em situação vulnerabilidade”, enumerou a pesquisadora. Ela defendeu que o resultado do trabalho “modela a Justiça mais vinculada a valores e princípios democráticos e igualitários”.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

Texto: Margareth Lourenço
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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