Representantes do sistema de justiça participaram, na manhã desta quarta-feira (25/6), em Brasília, do 1.º Encontro LGBTQIA+ Justiça promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O evento tem como objetivo fortalecer os direitos da população LGBTQIA+, aprimorando a atuação do sistema de justiça com esse público.
Na abertura do encontro, a presidente do Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, conselheira Renata Gil, destacou a necessidade de o Ministério da Justiça produzir e centralizar dados sobre violência contra essa população. “Precisamos desses dados para que tenhamos os mapas de violência e criemos as estratégias de acordo com as localidades em que as pessoas vivem, porque cada lugar no Brasil tem uma realidade e uma forma de atuação”, disse.

A conselheira também destacou a gravidade da violência contra a população LGBTQIA+, lembrando que o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos desse grupo há 15 anos. Nesse contexto, exaltou a relevância do Formulário Rogéria, concebido no Observatório de Direitos Humanos com o apoio da artista Daniela Mercury, como uma ferramenta fundamental para registrar e combater essas violações, e enfatizou a importância de conhecer e replicar experiências bem-sucedidas nos estados. “Esse é o papel do fórum: identificar boas práticas, adaptá-las e incorporá-las ao Judiciário”, afirmou.
O evento está em conformidade com a Resolução CNJ n. 582/2024, que determina diretrizes para a promoção da igualdade e o enfrentamento da discriminação no âmbito do Poder Judiciário. Uma exposição fotográfica sobre a situação de mulheres transexuais no cárcere, de autoria do ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi inaugurada durante a abertura do evento. A mostra ficará aberta à visitação no foyer do CNJ.
Medo e desamparo

O ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior contou sua experiência com registros fotográficos em um presídio, transformados posteriormente em um livro, composto de ilustrações — entre elas, de Laerte —, além de depoimentos de jornalistas, médicos, professores e demais profissionais. “É um mundo que não temos ideia. Elas relatam muito medo e desamparo. Acredito que ajudei a ampliar a voz dessas pessoas. Mas, infelizmente, me causa extremo desconforto que a realidade não acompanha os avanços que temos trabalhado aqui. Há 14 anos sou juiz criminal, e temos visto cada dia mais violência e ataques. Nosso discurso tem avançado, mas infelizmente não acho que temos encontrado eco na sociedade”, disse.
O conselheiro Guilherme Feliciano citou dados do Observatório Nacional de Direitos Humanos, quando registrou 11.120 vítimas de violência LGBTQIA+, sendo os casos de violência física os mais recorrentes. Feliciano trouxe ainda dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que apontaram, há cerca de 5 anos, que, no estado a Bahia, 90% das pessoas autodeclaradas transexuais e em idade economicamente ativa reconheciam-se como profissionais do sexo. “Isso é, evidentemente, um desvio terrível e odioso da nossa cultura e da nossa própria legislação, por omissão”, afirmou.
A procuradora de justiça do Ministério Público de Goiás e ex-conselheira do CNJ, Ivana Farina, fez duras críticas à descontinuidade das políticas públicas no país. Ela destacou que o Formulário Rogéria, de 2019, criado para coibir crimes contra os LGBTQIA+, ainda não cumpriu sua finalidade.
Citando como exemplo a Bahia, Ivana mencionou o aumento expressivo de registros de violência, que teriam passado de centenas para milhares, e chamou atenção para a urgência na adequada capacitação dos agentes de segurança. “Nossa tinta não corta no papel, corta na carne viva”, afirmou a procuradora.
Ela defendeu o letramento e a capacitação em gênero e raça para garantir atendimento respeitoso, acesso efetivo à Justiça e mudança concreta do cenário de violência. E ainda alertou sobre a existência de 437 projetos de lei com teor discriminatório tramitando em câmaras municipais e legislativas. “Precisamos conhecer e enfrentar essas propostas. Temos de escancarar qual é a violência real praticada contra a população LGBTQIA+”, disse.
Ódio e fanatismo
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Schettino, fez um alerta contundente sobre o crescimento do discurso de ódio, intensificado pelas redes sociais. Ele afirmou que vivemos em uma era marcada por um “desejo irrefreável de conversão”, fruto de um fanatismo coletivo que tenta impor padrões únicos de vida e comportamento. Schettino defendeu o papel essencial do sistema de justiça na proteção das minorias, ressaltando que esse compromisso está respaldado pela própria Constituição brasileira. “A dignidade da pessoa humana está no centro dos princípios constitucionais, cabendo ao Judiciário atuar com coragem diante de agendas de ódio”, afirmou, ao defender uma Justiça ativa na garantia de direitos e na proteção das pessoas vulnerabilizadas pelas ondas de intolerância.
Igualdade
Durante evento, a secretária-geral do CNJ, a juíza Adriana Cruz, destacou o compromisso da Constituição Federal com os direitos fundamentais e repudiou as críticas de que magistrados atuam de maneira “militante”. “Nossa Constituição tem lado e é o lado da igualdade, da dignidade humana”, afirmou a magistrada, ao defender as ações desenvolvidas pelo CNJ de protocolos e políticas com perspectiva de gênero para o Judiciário. Ela ressaltou que o trabalho voltado à efetivação de direitos deve ser contínuo, corajoso e destemido.
A ministra Maria Helena Mallmann, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e a juíza auxiliar da presidência do Superior Tribunal Militar (STM) Amini Haddad também participaram da abertura do evento. O encontro termina quinta (26/6) e, além de oferecer oficinas práticas, deverá terminar com a elaboração de propostas de proteção e promoção dos direitos LGBTQIA+.
Acompanhe o evento no canal do CNJ no YouTube
25/6
Manhã
Tarde
26/6
Manhã
Tarde
Texto: Regina Bandeira e Jessica Vasconcelos
Edição: Beatriz Borges
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias