I Mostra de tribunal cearense dá visibilidade à saúde mental de jovens em vulnerabilidade

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Nadson Fernandes/Ascom TJCE
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“Às vezes, tudo o que a gente precisa é de um anjo que aconselhe. Porque tem coisa que machuca por dentro, e ninguém vê”, depoimento de um adolescente do sistema socioeducativo.

Na voz de quem sentiu a dor de perto — a dor da perda, da ausência, da solidão — a saúde mental deixa de ser apenas um tema e se transforma em urgência. A frase dita, com suavidade e verdade, por um jovem em cumprimento de medida socioeducativa, abre caminhos para reflexões potentes durante a I Mostra de Boas Práticas em Saúde Mental, Prevenção e Cuidado ao Uso de Drogas no Socioeducativo, realizada nesta quarta-feira (29/5), na Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec).

O evento marca, no âmbito do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o Mês da Luta Antimanicomial. A proposta é simples e profunda: compartilhar experiências, sensibilizar corações e fortalecer políticas públicas que veem o jovem para além da infração — como sujeito de direitos, capaz de reconstrução, de afeto, de recomeço.

A Mostra foi promovida pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) do TJCE, em parceria com o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Saúde Mental de Adolescentes e Jovens (que é coordenado pelo GMF), e reuniu práticas realizadas por diferentes instituições da rede de atenção psicossocial e do sistema socioeducativo do Ceará.

Durante o encontro, o supervisor do GMF, desembargador Henrique Jorge Holanda Silveira, destacou a relevância do tema. “É de grande importância. Hoje existe uma grande preocupação com o problema de saúde mental, não só no socioeducativo, como no sistema prisional de amanhã. Esse nosso encontro é mais uma troca de informações, de conhecimento, com essas amostras aqui, para viabilizar melhor o que se pode fazer a respeito desse tema tão sensível. Estou aqui, mais para ouvir do que para falar”.

A escuta, aliás, foi o grande instrumento da manhã. Histórias de dor e superação foram partilhadas com a delicadeza de quem planta sementes, mesmo sem saber o que delas nascerá. Como bem pontuou a terapeuta integrativa Sílvia Fernandes, do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) da Secretaria Executiva Regional VI, da Prefeitura de Fortaleza: “Eu acredito piamente nisso. A gente planta ‘pequenas sementes’ que a gente não sabe no que vai desdobrar. Mas, quando a gente imuniza esse jovem com conhecimento e afeto, ele passa a saber onde buscar ajuda. E isso já é um começo de transformação”.

Na programação, práticas que cuidam também de quem cuida — rodas de conversa com adolescentes, visitas ao Caps AD, oficinas, escutas qualificadas e fluxos em construção. Tudo isso para garantir que a saúde mental não seja luxo ou exceção, mas direito de todos, especialmente daqueles que enfrentam as maiores vulnerabilidades.

“Esse encontro é importantíssimo para o eixo socioeducativo do GMF. As experiências que ouvimos aqui podem ser replicadas, sistematizadas e, inclusive, servir de modelo para outros estados. O Ceará já foi pioneiro na normatização de fluxos contra maus-tratos no sistema, e agora se encaminha para também liderar na área da saúde mental”, ressaltou o juiz Epitácio Quezado Cruz, coordenador do Núcleo Socioeducativo do GMF.

A mostra é resultado de meses de escuta e construção coletiva. Desde o início de 2024, o Grupo de Trabalho de Saúde Mental atuou em um diagnóstico detalhado sobre as condições dos adolescentes nos centros socioeducativos e as possibilidades de articulação com a Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Agora, o Ceará se prepara para finalizar manuais e fluxos que alinhem práticas entre o cuidado clínico, o cuidado humano e o cuidado social.

Ao final, outra fala emocionada de um jovem sem identificação, mas com muita história. “Estou muito feliz de estar aqui. Nunca tive amor de mãe, meu pai se matou. Já passei por muita coisa. Mas hoje, só de ouvir essas pessoas legais falando disso, já me sinto diferente… importante”.

É nesse terreno fértil de afetos e trocas, onde o acolhimento é semente e o cuidado vira fruto, que o sistema de justiça também floresce. A Mostra é mais que um evento. É um manifesto silencioso, mas poderoso: pela dignidade, pelo direito à saúde mental e pela esperança de um novo começo.

Fonte: TJCE

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