Fonaref: especialistas discutem saídas para crises empresariais

Você está visualizando atualmente Fonaref: especialistas discutem saídas para crises empresariais
Abertura do 2º Congresso do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref). Advogada, Juliana Bumachar; Conselheiro do CNJ, Marcos Vinícius Jardim; Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão; Advogado, Daniel Carnio Costa. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Compartilhe

O Conselho Nacional de Justiças (CNJ) promoveu, na quinta-feira (9/5), o 2.º Congresso do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref), na sede do órgão, em Brasília. O evento apresentou aos representantes do Sistema de Justiça, advogados e especialistas na área empresarial e falimentar visões, práticas e orientações que podem contribuir na construção da estrutura social e financeira do país.

Na cerimônia de abertura do Congresso, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou a importância do trabalho do Fórum na construção de propostas de regramentos sobre recuperação empresarial e judicial. “Esse é um trabalho que coloca uma pedra muito importante para a construção da estrutura financeira-econômica no nosso país”, disse o ministro-corregedor.

Salomão reforçou a importância de os atores da área econômica e jurídica conhecerem e buscarem boas práticas na condução dos processos, a fim de evitarem o agravamento dos problemas. “Em qualquer país do mundo, é preciso um mínimo de previsibilidade e de segurança jurídica para garantir investimentos, empreendimentos e desenvolvimento. Quando uma petição, contando com o apoio de um administrador e do Sistema de Justiça, dá andamento a uma recuperação – conseguindo soerguer uma empresa –, quantos empregos, quantas famílias, quantas pessoas, ele não salva?”, perguntou, o corregedor nacional de Justiça, que, pediu um minuto de silêncio para lembrar as vítimas atingidas pela tragédia climática que atinge o Rio Grande do Sul (RS).

O ministro citou as medidas que vêm sendo tomadas pelos tribunais brasileiros [após decisão do CNJ], permitindo que mais de R$ 104 milhões dos cofres da Justiça pudessem ser repassados às vítimas do RS. Ele também ressaltou que a união de forças de juízes, desembargadores, registradores, defensores públicos, servidores do Estado e voluntários tem contribuído para garantir a identificação das pessoas que perderam documentos originais, a fim de minimizar a tragédia. “Sem esses documentos nem os benefícios sociais podem ser disponibilizados para os desabrigados”, disse.

O conselheiro Marcos Vinícius Jardim, relator da proposta que se transformou na Resolução n. 466/2022, que criou o Fonaref, relembrou a atuação “proativa e fundamental” do CNJ, durante a pandemia de covid-19. “Um momento de crise, quando milhares de empresas encerraram suas atividades ou que tiveram dificuldades na sua manutenção”, afirmou.

Crises rurais

Pandemia, guerras, mudanças climáticas são algumas das situações que podem estar entre os fatores causadores do aumento em 500% no número de pedidos de recuperação judicial de empresários e produtores rurais, em 2023. A chamada crise no agronegócio, assim como suas possíveis soluções, foram tema do 1.º Painel de debate, iniciado após a abertura do evento.

“O setor está passando uma crise relevante e há perspectiva de um aumento de pedidos de recuperação”, afirmou o secretário-geral do Fonaref, o ex-juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Daniel Carnio Costa. No entanto, ponderou o especialista, é preciso discernir os cenários das crises – que são diferentes.

“O Rio Grande do Sul, nesse momento, por exemplo, está vivendo uma tragédia que vai se refletir em perdas agrárias substanciais. Outro cenário é a crise conjuntural, de crescimento cíclico, feito de altas e baixas do mercado agro e commodities”, disse Daniel. O especialista em recuperação e administração judicial, um dos pioneiros da área, o advogado Orestes Nestor de Souza Laspro foi na mesma direção, ao dizer “haver, em termos” uma crise do agronegócio.

Para Orestes Laspro, a redução dos preços das commodities não pode ser considerada uma crise generalizada, mas setorizada. “Conflitos mundiais e problemas climáticos afetam safras e impactam a agricultura. Mas isso, no Brasil, não ocorreu de maneira generalizada. Em 2024, o setor do agronegócio é a bola da vez. Mas de 2019 até 2022, muitos se capitalizaram fortemente. Nosso problema, hoje, está focado no produtor rural do Rio Grande do Sul e eu só consigo enxergar a solução com apoio e intervenção estatal […] devido a fundamental importância desse segmento na sociedade”, analisou.

A presidente da Comissão Especial de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência da OAB/RJ, Juliana Bumachar, apresentou levantamento recente feito pelo Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian sobre o aumento, em termos percentuais de 535% em relação aos processos de pedidos de recuperação judicial pelos produtores rurais. Em termos absolutos, o total de processos é de 127, em uma realidade de mais de 5 milhões de produtores rurais em todo o país.

De acordo com a pesquisa, Mato Grosso (43) e Goiás (36) – estados exportadores de produtos agropecuários como soja, milho e sorgo, ingrediente de rações para animais domésticos, aves e suínos e alimento básico para pessoas em insegurança alimentar – são os maiores requerentes de pedidos de ajuda e recuperação judicial. Minas Gerais (18), Mato Grosso (10) e Rondônia (8) vêm em seguida.

A região Sul, em especial o Rio Grande do Sul, apresentou em 2023 apenas dois pedidos de recuperação judicial. Mas esse número, pós-enchentes, deverá aumentar. Bumachar destacou a necessidade de se pensarem formas de facilitar o acesso dessas pessoas aos créditos.

O advogado Bruno Rezende, administrador judicial de falências e Recuperação Judicial e membro do Fonaref, afirmou não achar que esteja havendo um uso abusivo do instituto de recuperação judicial. Para ele, o produtor rural passa por uma via crucis para se credenciar à recuperação judicial. “O produtor tem de provar crise de insolvência, que deve ser demonstrada com a falta de liquidez para pagar suas dívidas. Mas a recuperação judicial é para ajudar a superar uma crise patrimonial passageira, de quem tem possibilidade de recuperação”, disse, Rezende.

Em relação ao porte das empresas, 35 das que entraram com pedidos de recuperação são grandes empresas; 25, médias; e 23 pequenas empresas ou proprietários. Produtores rurais que atuam como pessoas físicas puderam requerer recuperação judicial a partir da Lei n. 14.112/2020, que atualizou a legislação reguladora da recuperação judicial e da falência do empresário e da sociedade empresária. Em relação à recuperação do produtor rural, essa possibilidade passou a ser devidamente positivada e regulada.

No segundo painel da manhã “A evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na proteção dos bens essenciais do devedor em recuperação judicial”, a desembargadora Mônica Di Piero, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), membro do Fonaref, abordou a importância de se definirem e protegerem os bens essenciais de capital, necessários para atividade das empresas. Ela citou que, no entendimento do STJ, os recursos financeiros e os direitos creditícios “não estariam abarcados pela essencialidade e poderiam ser expropriados livremente pelo credor em processos de recuperação, a qualquer instante. O reflexo direto que nós vemos em relação à jurisprudência é a trava bancária, créditos que ficam guardados no banco e que não podem ser usados pela empresa no seu fluxo de caixa”, disse.

Também participaram do segundo painel os advogados Flávio Galdino e Samantha Mendes Longo. A especialista ponderou, entre outros pontos, sobre a importância do encaminhamento dessas questões a juízos de mediação para entendimento desde o início dos processos.

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Alexandre Lazzarini, membro do Fonaref, afirmou ser possível conciliar com todo o sistema, mas é preciso avaliar os casos concretos. “Em SP, somos rigorosos, mas há situações em que liberamos os valores, desde que as razões estejam justificadas”, disse. Durante o terceiro painel “Crédito público e processos de insolvência”, expuseram avaliações Victoria Villela e Felipe Aguiar, remotamente.

O Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) foi instituído pelo CNJ em 2022, a fim de elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento da gestão de processos de recuperação empresarial e falências. O foco do colegiado é propor e fortalecer medidas para a preservação da função social das empresas em momentos de acentuada crise econômico-financeira, assim como de estímulo à atividade econômica, com vistas a manter a segurança jurídica, a saúde do ambiente de negócios no Brasil e a preservação dos interesses de credores, trabalhadores, sócios do negócio em reestruturação, fazendas públicas e sociedade.

Texto: Regina Bandeira
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Aperfeiçoamento da gestão administrativa e da governança judiciária