CNJ e parceiros discutem medidas para enfrentar violações contra população LGBTQIA+

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Painel 2: Acesso à Justiça e Promoção de Direitos. FOTO: Ana Araújo/Ag. CNJ
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A prevenção e o enfrentamento da violência LGBTQIA+ foram discutidos na tarde desta quarta-feira (25), em Brasília, durante o 1.º Encontro LGBTQIA+ Justiça, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O evento, que tem como objetivo a escuta, a articulação e a construção coletiva de caminhos para a promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+ no sistema de justiça brasileiro, contou também com o apoio do programa Justiça Plural, uma iniciativa de cooperação internacional entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Abrindo o painel, a militar da Marinha e presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, alertou para as diferentes violências contra a população LGBTQIA+ no Brasil. Desemprego, subemprego e violência no espaço laboral são apenas algumas dessas violações, além da moradia precária e da negação dos direitos sexuais e reprodutivos. Benevides lembrou que, ainda que o Brasil seja um dos únicos países que asseguram o direito à retificação de documentos via autodeclaração, uma série de dificuldades têm impedido o acesso a esse direito. “Estamos lutando por um novo padrão de sociedade, ao mesmo tempo em que buscamos justiça, dignidade e cidadania para todas as pessoas”, enfatizou.

Também participou do painel o diretor de promoção e defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ na Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Hiago Mendes Guimarães, que falou sobre iniciativas do Executivo Federal em favor dessa população. Uma delas é o Programa Acolher+, que busca fortalecer as casas de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ que estão em situação de violência devido à identidade de gênero e à orientação sexual. Outro exemplo é a retomada do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, que convocou, para outubro, a realização de sua 4.ª Conferência Nacional.

Formulário Rogéria

Outra ação com a qual o MDHC está envolvido é o aprimoramento e a implementação do Formulário Rogéria, para unificar o registro de riscos, agressões e discriminações contra pessoas LGBTQIA+ no Brasil. “A realidade da violência contra essa população é aterradora, mas ainda assim sua gravidade e severidade são pouco conhecidas”, reforçou o diretor. A importância do formulário também foi discutida pela diretora de gestão e integração de informações da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP), Vanessa Fusco Nogueira Simões. Para ela, é urgente qualificar a forma como as vítimas são acolhidas antes mesmo de se pensar sobre o preenchimento do formulário, visto que é naquele momento em que muitas violações acontecem.

Fusco avalia que enfrentar a violência LGBTfóbica demanda trabalhar diretamente com diferentes setores e agentes da segurança pública, que atuam diretamente no acolhimento de pessoas LGBTQIA+ em situação de violação. “Muitas vezes, o que notamos é um total desprezo para o recebimento dessa vítima. Temos visitado estados do Norte e do Nordeste, por exemplo, em que fica latente a necessidade de uma capacitação dos policiais para o acolhimento das vítimas”, pontuou.

O juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça e mediador do painel, Marcel da Silva Augusto Corrêa, apresentou em detalhes o Formulário Rogéria, que é fruto de um acordo de cooperação técnica com o Conselho Nacional do Ministério Público, o MJSP e o MDHC. O magistrado reforçou os três principais objetivos do formulário: registrar situações de riscos, agressões e discriminações contra pessoas LGBTQIA+; coletar dados sobre o tipo e as circunstâncias da violência, além do perfil do(a) agressor(a); e apoiar na elaboração de políticas públicas baseadas em evidências. “Espero que a gente possa produzir muitas ações concretas e mudanças na sociedade a partir desse trabalho”, finalizou.

Direitos humanos

Na sequência, foi realizado um painel sobre acesso à Justiça e promoção dos direitos para a população LGBTQIA+. Mediando os debates, a promotora de justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Márcia Regina Ribeiro, destacou avanços significativos promovidos pelo CNJ nesse campo. Um dos exemplos mais conhecidos é a resolução que consolidou o direito ao casamento civil e à conversão de união estável em casamento para casais do mesmo sexo. “Além disso, conquistamos o reconhecimento jurídico das famílias homoafetivas e trans, garantindo-lhes o direito a adoção, guarda e tutela”, exemplificou.

O professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Wallace de Almeida Corbo, refletiu sobre os sentidos sociais da discriminação, definindo-a como a negação do acesso a direitos e ao próprio Direito. “Na discriminação LGBTfóbica, cabem violências causadas por sexualidade e por gênero, dizendo que quem não performa certas expectativas sociais merece ou sofrer violência física ou ser reconformado a certos padrões”, explicou. Corbo reforçou que esse tipo de discriminação não é um fenômeno recente, mas que tem se tornado um grande mobilizador de grupos políticos que querem reforçá-la.

O procurador da República do Ministério Público Federal no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, falou sobre a tutela coletiva dos direitos LGBTQIA+ por meio do ajuizamento de ações públicas. Ao refletir sobre o papel regulador do CNJ, ele reforçou que “o Poder Judiciário, muitas vezes, se configura como um último espaço para a proteção de grupos minoritários”. Lucas chamou a atenção também para o potencial de ações extrajudiciais na garantia dos direitos da população LGBTQIA+, como a capacitação de agentes do sistema de justiça.

Discorrendo sobre um caso prático para a garantia de direitos da população LGBTQIA+ no Judiciário, a juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 6.ª Região, Renata da Conceição Nóbrega Santos, apresentou protocolos para atuação e julgamento na Justiça do Trabalho, entre eles o Protocolo para Atuação com Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva. A equipe tem investido em ações de disseminação do material junto a todos os tribunais do estado de Pernambuco, a exemplo de oficinas de letramento. “O impacto dos protocolos não é só interno, junto de quem constitui o tribunal, mas também de quem irá aplicá-los na ponta, com os beneficiários”, sublinhou.

O evento LGBTQIA+ Justiça continua nesta quinta-feira (26/6). Acompanhe pelo canal do CNJ no YouTube durante a manhã e a tarde.

Texto: Sâmia Bechelane
Edição: Beatriz Borges
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias

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