Artigo: Poder Judiciário atua no fortalecimento do enfrentamento ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas

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Conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel - Foto:Romulo Serpa/Ag.CNJ
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O dia 25 de março foi instituído como o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Escravos, através da Resolução 62/102 adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas de 17 de dezembro de 2007.

O comércio transatlântico de escravos, também denominado de tráfico negreiro, ocorreu em grande escala principalmente entre os séculos XVI e XIX em todo o Oceano Atlântico. Os escravos eram, em sua maioria, da África Ocidental, sendo capturados diretamente pelos destinatários ou vendidos no território aos comerciantes de escravos da Europa Ocidental. Embora as estimativas trazidas pelos historiadores contemplem certas variações, é categórica a afirmação de que milhões de vidas de pessoas escravizadas foram perdidas nas embarcações, face às condições desumanas em que eram submetidas. Conforme relatos históricos, o Brasil foi o maior território de escravidão do hemisfério ocidental, tendo como marco interruptivo do tráfico negreiro a Lei Eusébio de Queirós, em 1850, vindo a formalizar a abolição da escravidão somente em 1888, por meio da Lei Áurea.

O dia 25 de março, portanto, tem por objetivo homenagear as pessoas vítimas do sistema atroz da escravidão, bem como promover a conscientização sobre essa chaga social que, sob viés contemporâneo, ainda assola a sociedade. Infelizmente, a prática perversa que é a escravidão não se limita ao passado.

O Observatório Digital de Trabalho Escravo – iniciativa do SMARTLAB de Trabalho Decente do MPT e da OIT no Brasil – aponta que, no Brasil, no período de 2003 a 2018, foram resgatados mais de 45.000 trabalhadores em situação de trabalho escravo.

No campo normativo brasileiro, a alteração do conceito de trabalho escravo contemporâneo trazida pela Lei 10.803/2003 ao artigo 149 do Código Penal representa um grande ganho no combate a essa mácula social, pois transcendeu a necessidade de ausência de liberdade para sua caracterização, ampliando a tipificação penal para hipóteses de submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas ou forçadas por dívidas.

Contudo, o sistema de justiça ainda precisa ser fortalecido e estruturado para preencher as lacunas que hoje se apresentam no desenvolvimento processual para punição dos atuantes nos delitos de servidão e trabalho forçado. Para tanto, se faz imprescindível o conhecimento de dados processuais, como tempo de tramitação dos processos envolvendo a temática, locais de sua maior concentração, tipificações, entre outros.

A atuação do combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas deve ser situada no quadro mais amplo de políticas públicas de Justiça, essenciais ao Estado Democrático de Direito, quais sejam: promoção dos Direitos Humanos, oferta de segurança pública e combate à criminalidade, por meio de ferramentas controladas e calibradas pelo Judiciário.

Em 2015, o Conselho Nacional de Justiça criou o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (FONTET), que tem por objetivo, dentre outros, promover o levantamento de dados estatísticos relativos ao número, à tramitação, às sanções impostas e outros dados relevantes sobre inquéritos e ações judiciais que tratem da exploração de pessoas em condições análogas à de trabalho escravo e do tráfico de pessoas, além de debater e buscar soluções que garantam maior efetividade às decisões da Justiça.

Em 2016, o Conselho Nacional de Justiça criou também o Comitê Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas, tendo por atribuição conduzir as atividades do Fórum.

Desde a criação do FONTET, seus(as) membros(as) vêm atuando incansavelmente para concretização dos objetivos do Fórum, promovendo atuações intersetoriais, sempre buscando meios de aperfeiçoamento das políticas públicas judiciárias e de aprimoramento de ações preventivas e repressivas de tais crimes. Objeto de debates de inúmeras reuniões do Fórum, o sistema de levantamento de dados judiciais relativos ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas sempre foi pontuado pelos(as) membros(as) como mecanismo essencial de aferição das deficiências judiciárias e aperfeiçoamento do sistema.

Com efeito, para auxiliar na coleta de tais dados pelo Poder Judiciário, a partir de sugestão apresentada pela Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, o FONTET apresentou proposta de alteração da tabela de classificação de assuntos dos processos judiciais para que se fizesse constar os relacionados às temáticas do trabalho escravo e do tráfico de pessoas no ramo do Direito do Trabalho, bem como para que se conferisse maior especificidade nos assuntos relativos à temática no ramo do Direito Penal, de forma a possibilitar a identificação futura das referidas demandas com maior fidelidade às ramificações existentes de tais violações.

A proposta foi aprovada pelo Comitê Gestor de Tabelas Processuais Unificadas do Conselho Nacional de Justiça, na reunião realizada em 5 de março de 2021. A atualização da tabela com os novos assuntos está prevista para ocorrer ainda no presente mês de março.

Tal ferramenta propiciará a realização de levantamento de dados mais fiéis do sistema judiciário quanto às ações de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, auxiliando no conhecimento dos pontos deficitários, em todas as esferas de Poder, contribuindo para melhorar as atuações nessas áreas e fortalecer a atuação do sistema judiciário no enfrentamento ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas.

 

Tânia Regina Silva Reckziegel

Coordenadora do Comitê Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas