Artigo: Consolidar cidadania da mulher e equidade de gênero ainda é pauta essencial

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Foto: Arquivo
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O dia 25 de novembro foi instituído como o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1999, em homenagem às irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), dominicanas ativistas que ficaram conhecidas como “Las Mariposas”, assassinadas de forma brutal em 1960. A data acompanha uma série de transformações, no mundo e no Brasil, para o reconhecimento da violência contra as mulheres como violação aos direitos humanos, assim oficializada em 1993 pela Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena.

O Poder Judiciário brasileiro, a atuação jurisdicional para a concretização dos direitos fundamentais também sofreu diversas modificações históricas até chegar no momento de exaltação desses direitos como uma ordem objetiva de valores vinculantes a serem observados por todos os poderes do Estado. Não obstante, a luta pela consolidação da cidadania da mulher e o alcance efetivo e fundamental da equidade de gênero ainda é pauta essencial no processo de transformação social.

Exemplo disso se extrai da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no “Caso Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil”, na última quarta-feira (24/11), em que o Brasil sofreu nova condenação por um caso de feminicídio ocorrido em 1998 na Paraíba. Conforme relatado pela Corte, Márcia Barbosa de Souza, de 20 anos de idade,  era uma estudante com poucos recursos econômicos e foi a João Pessoa em busca de emprego. Na noite de 17 de junho de 1988, encontrou-se com então deputado estadual da Paraíba. Na manhã do dia seguinte, uma testemunha relatou ter visto que alguém retirava o corpo de uma pessoa de um veículo, posteriormente identificado como sendo o de Márcia Barbosa de Souza. O corpo foi encontrado com escoriações na região frontal, nasal e labial e, como causa de morte, foi determinada a asfixia por sufocamento, resultante de uma ação mecânica. O perito médico-legal que examinou o cadáver determinou que Márcia havia sido agredida antes de morrer.

Segundo sua própria declaração e uma prova testemunhal, o então deputado tinha em seu poder o veículo utilizado para a ocultação do cadáver da vítima. Ainda assim, a Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba considerou pertinente homenagear o ex-deputado, tendo permitido que seu corpo fosse velado no Salão Nobre da Assembleia e que dosse decretado luto oficial por três dias. Para a Corte IDH, o ato deixou evidente que o evento em questão também impactou de forma grave a integridade pessoal dos familiares de Márcia, tendo gerado um grave sofrimento. A condenação do Estado Brasileiro pautou-se na ausência de devida agilidade na realização das investigações sobre o delito, por violação do prazo razoável e em afronta às garantias judiciais, à igualdade perante a lei e à proteção judicial, em relação às obrigações de respeitar e garantir os direitos sem discriminação e ao dever de adotar disposições de direito interno, bem como violação do direito à integridade pessoal.

Essa não é a primeira vez que o Brasil sofre condenação internacional por negligência e omissão em caso de violência contra mulher. A conhecida e revolucionária Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é fruto da responsabilização do Estado brasileiro pela Organização dos Estados Americanos em decorrência da falta de atuação do Brasil no caso da cearense e biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes, que sofreu uma dupla tentativa de homicídio perpetrada pelo seu marido, ficando paraplégica.

No âmbito jurídico, foi a partir da promulgação da Lei Maria da Penha que o Poder Judiciário teve ampliado o seu campo de atuação nas questões relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher e foi, então, inserido nas redes de enfrentamento à violência contra as mulheres.

No Estado Democrático de Direito, a garantia pelo Judiciário do direito à igualdade se dá a partir da leitura hermenêutica e sistêmica do direito com incorporação dos valores fundamentais. Trata-se de uma árdua missão a ser constantemente executada pelo Poder Judiciário, com intuito de tornar realidade os valores consagrados na Constituição e, de fato, alcançar os ideais de sociedade igualitária.

É preciso pontuar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em compasso com o dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e em conformidade com o que preceitua o artigo 226, §8º, da Constituição Federal, vem apresentando novas ferramentas para maximizar os resultados no combate a este mal. O histórico de resoluções, recomendações e ações de conscientização implementadas apresentam resultados efetivos no enfrentamento da questão.

Uma das mais recentes campanhas de enfrentamento à violência doméstica, conhecida como “Campanha Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”, foi lançada em 10 de junho de 2020 no Plenário do CNJ, abrindo um canal silencioso de denúncia às vítimas, utilizando de um simples gesto, que é o desenho de um “X” vermelho na palma da mão. O protocolo especial de atendimento é apresentado a trabalhadores e trabalhadoras das milhares de farmácias que participam da campanha. Atualmente, o projeto conta com a parceria de mais de 12.000 farmácias em todo o país.

Por certo, a proteção dos direitos humanos pressupõe uma ação estatal que se mostre apta a remover obstáculos sociais e econômicos. Essa proteção não se realiza, tão somente, com o ingresso dos direitos na Constituição, cumprindo também ao Judiciário promover a concretização dos direitos humanos.

A data de hoje honra a memória daquelas que lutaram para que as mulheres ocupassem espaço de igualdade e integridade e revela-se um momento de aprofundamento da reflexão sobre o legado da história, consciencialização da humanidade e da criação de um ambiente jurídico condenatório à violência contra a mulher.

*Tânia Regina Silva Reckziegel é conselheira do CNJ e coordenadora do grupo de trabalho para elaboração de estudos e propostas visando ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher