Além da agressão física, campanha do CNJ visibiliza outras formas de violência contra mulheres

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Peça produzida pela artista Carol Ito para a campanha Cartoons contra a Violência.
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Violências como perseguição, dano ao patrimônio, atentados contra a honra, estupro e, a mais visível, agressão física têm correspondência na Lei Maria da Penha quando praticadas contra mulheres no contexto doméstico, familiar ou de intimidade. Para dar visibilidade a todas essas formas de violência praticadas contra as mulheres, a campanha conjunta “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher” e “Cartoons contra a Violência”, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), inclui uma tirinha da cartunista Carol Ito para explicar como essas práticas estão caracterizadas e devem ser denunciadas.

A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) relaciona os cinco tipos de violência a serem considerados no atendimento a uma mulher agredida por uma pessoa com quem conviva em ambiente doméstico, familiar ou tenha ou teve qualquer relação íntima de afeto. A violência física é entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da vítima. Ela é a mais visível, mas não a mais frequente.

De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência psicológica, sim, é a mais frequente: 32,6% das mulheres brasileiras já foram vítimas de insultos, humilhações e xingamentos proferidos de forma reiterada. Conforme a lei, essa violência se caracteriza pelo dano emocional causado, com diminuição da autoestima, prejuízo ao pleno desenvolvimento e degradação ou descontrole de ações, comportamentos, crenças e decisões.

A violência sexual é qualquer comportamento que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, inclusive em relação à utilização ou não de qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição. Já a violência patrimonial refere-se à retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. E, por fim, a violência moral está relacionada às condutas que configurem calúnia, difamação ou injúria.

De acordo com a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Luciana Rocha, cada uma dessas violências encontra referencial no Código Penal, o que garante a tutela do Estado na temática. “A tipificação das violências na legislação penal permite a atuação do Estado para punir o ofensor e para proteger a mulher de qualquer forma de violência, por se tratarem todas de graves violações aos direitos humanos das mulheres”, afirma a juíza.

Rede de proteção

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do relatório “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, ambos divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou, em 2022, crescimento em todas as formas de violência contra a mulher. Em contexto de violência doméstica, houve aumento de 2,9% de agressões, em relação ao ano anterior. O peso do volume de casos também foi sentido no Judiciário. Em 2022, entraram 640.867 mil processos de violência doméstica e familiar e/ou feminicídio, com tramitação em varas exclusivas e varas não exclusivas.

O CNJ tem atuado para que os tribunais ofereçam uma estrutura acolhedora, de forma que as mulheres se sintam mais confiantes e confortáveis para o desafio que é procurar a Justiça nessa situação de vulnerabilidade, quando muitas vezes o agressor está dentro do próprio lar. Para isso, atualmente, existem 139 unidades judiciárias exclusivas, 295 salas de atendimento privativo, 78 setores psicossociais exclusivos e 403 não exclusivos para o atendimento de mulheres e familiares vítimas de violência doméstica.

Para Luciana Rocha, é importante a integração do Judiciário com toda a rede de enfrentamento e de atendimento – como saúde, segurança, assistência social, trabalho – para proteção integral das mulheres, orientando-as sobre as medidas de prevenção e proteção. Até porque, para os casos de violências que não são facilmente percebidas, como a violência psicológica, por exemplo, outras pessoas podem acionar as múltiplas portas para registrar tais situações. “É uma notícia que qualquer um pode levar ao conhecimento das autoridades – até denúncia anônima – para que o crime de violência psicológica seja apurado.”

A campanha “Cartoons contra a Violência” também tem o intuito de divulgar os canais para denunciar violências contra mulheres. A Central de Atendimento à Mulher – Disque 180 – é um importante canal de denúncia. Em caso de emergência, ligue direto 190.

Medida protetiva

Regulamentada pela Lei Maria da Penha, a Medida Protetiva de Urgência (MPU) é uma das principais ferramentas jurídicas disponíveis para proteger a integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher em situação de violência ou de seus dependentes. Luciana Rocha ressalta que a Lei n. 14.550/2023 deixa claro que, para pedir a medida protetiva, não é necessário que antes tenha havido a punição do agressor. “Ou seja, para serem concedidas não é necessário ajuizamento de ação penal ou cível, existência de inquérito policial ou registro de boletim de ocorrência.”

Isso é importante, segundo ela, porque muitas mulheres não processam o pai de seus filhos, pois isso pode dificultar que ele consiga um emprego, por exemplo. “Algumas das ações dependem da representação ou da queixa-crime pela vítima. Mas as mulheres podem querer cessar o ciclo da violência e ter proteção, sem responsabilização penal.” Para pedir a medida protetiva, a vítima pode ir à delegacia, à Defensoria Pública, ao Ministério Público, ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, acompanhada ou não de advogado ou advogada.

Conforme ressalta a juíza auxiliar, a lei também assegura que o pedido pela medida protetiva se baseie na palavra da vítima: se ela afirmar que está vivenciando situação de violência física, moral, psicológica, patrimonial ou sexual e que está em risco de reiteração de agressões, presume-se a veracidade de suas alegações e não é preciso outras provas nesse momento, como testemunhas e laudos. “Há presunção de risco quando a mulher procura a rede de proteção. Julgar com perspectiva de gênero significa dar valor à palavra da mulher e guiar-se pelo princípio da precaução. Esses são os parâmetros decisórios para análise da medida protetiva de urgência.”

Para sistematizar a verificação do nível de risco a que uma mulher está sujeita ao procurar o Estado, o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instituíram o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, que traz várias perguntas sobre as formas de violência, a dinâmica das violências vivenciadas, o perfil da vítima e do ofensor. São questões que configuram fatores de risco preditivos de violências graves ou de feminicídio, por exemplo: se ele liga constantemente, se a isola da sua rede, se a impede de trabalhar ou estudar, se controla o ir e vir da vítima, a ameaça com uso de faca ou arma, se praticou violências físicas, sexuais, psicológicas anteriores, se faz uso abusivo de álcool e drogas, entre outros.

Ativismo e visibilidade

O combate à violência contra a mulher é uma questão prioritária na gestão do ministro Luís Roberto Barroso à frente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). O assunto ganha destaque na edição de 2023 da campanha 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, juntamente com a ação “Cartoons contra a Violência”. As iniciativas são voltadas para o fortalecimento das políticas de promoção da igualdade de gênero e combate à violência doméstica. Um dos objetivos é destacar a urgência do engajamento dos órgãos públicos e da sociedade na luta pela proteção dos direitos humanos relacionados às mulheres.

Na campanha “Cartoons contra a Violência”, a tirinha que destaca que violência contra mulher não é só física é assinada pela jornalista, ilustradora e quadrinista Carol Ito, que foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Arte, em 2022. Os quadrinhos ilustram o conceito de cada forma de agressão, com exemplos de cada situação.

Ao todo, a campanha reúne 30 mulheres cartunistas e conclama a sociedade a “desenhar” um amanhã sem violência. Os cartoons são divulgados nos principais veículos de comunicação do país e podem ser acessados na página da campanha no Portal do CNJ. Nas redes sociais do Conselho, quase 2 milhões de pessoas já foram alcançados pelos cartoons e as artes foram compartilhadas quase 10 mil vezes pelos internautas. Até o dia 19 de dezembro, uma seleção desses cartoons está exposta no Museu do Supremo Tribunal Federal (STF).

Já os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, que se encerra no dia 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos), buscam sensibilizar a sociedade e o Judiciário brasileiros sobre o tema, juntamente com a mobilização mundial promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). A campanha representa marco no aprofundamento das políticas de combate à violência de gênero, feminicídio e outras formas de agressões.

Texto: Lenir Camimura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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