Depoimentos especiais ajudam a combater crime sexual infantil

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É possível imaginar uma criança de 12 anos contando, publicamente, uma experiência sexual fruto de sedução ou violência de alguém que tinha como dever cuidar dela? A tomada especial de depoimento de crianças e jovens vítimas de crimes sexuais tem sido esforço pelo direito à proteção da dignidade dos pequenos cidadãos e evitam impunidade quando se trata desse tipo de crime. De acordo com dados da Childhood Brasil, o depoimento especial aumenta em quase nove vezes os índices de condenação de autores deste tipo de crime.

“Quando há utilização do depoimento especial, há responsabilização em 65% dos casos. Já no modelo tradicional, menos de 6% dos casos foram responsabilizados”, afirmou Itamar Batista Gonçalves, coordenador da organização, de proteção da infância. Ao menos 15 tribunais estaduais possuem salas especiais para ouvir o testemunho dessas crianças e adolescentes, em concordância com a Recomendação n. 33 do CNJ, criada para fortalecer essa modalidade nos Tribunais brasileiros.

Oitivas especiais vêm sendo empregadas há alguns anos na tentativa de a Justiça conseguir depoimentos substanciosos e esclarecedores. O esforço faz parte da campanha de mobilização para o enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes, cuja data nacional é lembrada nesta segunda-feira, 18 de maio.

Trabalhando há sete anos nessa área, a supervisora do Serviço de Assessoramento aos Juízos Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Michelle Tusi, diz que o método ajuda a elucidar os fatos, pois elas estão mais tranquilas para rememorar e contar detalhes. “Uma audiência é uma experiência tensa, e crianças normalmente tendem a querer agradar os adultos. Quando perguntadas várias vezes sobre um determinado tema, entram em contradição e o depoimento fica prejudicado. Sem contar que elas não têm maturidade emocional para dizer ao juiz que não sabem aquela resposta, ou que já responderam àquela pergunta”, explica.

O juiz corregedor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), Fábio Vieira Heerdt, pondera que o depoimento especial não tem foco na condenação, mas em um depoimento mais qualificado e humanizado. “É tão bom para absolver como para condenar. As condenações aumentaram porque nesse método a criança tem muito mais liberdade e confiança para falar detalhes que revelam a real situação do caso. Ela se encoraja”, diz o magistrado, ferrenho defensor da técnica.

Para Heerdt, o depoimento especial ganhou importante reforço quando o CNJ elaborou a Recomendação n. 33, mas ainda é preciso reduzir o tempo entre o suposto crime e a responsabilização do agressor. “Muitas vezes, o crime já aconteceu há muito tempo e a criança ou esqueceu ou prefere não mais falar sobre o assunto”, explica.

Denúncias

Não há dados oficiais unificados sobre o número de crianças vítimas de violência no país. O Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, recebe cerca de 100 mil denúncias anuais de casos de violência, maus-tratos e exploração infantil em todo o país.

Para o presidente da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ, Emmanoel Campelo, essa é uma das ações fundamentais do Judiciário em prol dos direitos humanos. “As oitivas especiais evitam a revitimização de uma criança ou adolescente que já passou por uma ou várias experiências, no mínimo, traumatizantes. Infelizmente, ainda muitas crianças estão expostas ao constrangimento de uma audiência pública”, afirma.

No processo tradicional de depoimento pode haver mais de sete interrogatórios diferentes com agentes do Conselho Tutelar; polícia, médicos, advogados etc. As perguntas, avaliam os especialistas, podem não só induzir ao erro, como intimidar a criança. Quando a criança é de uma família de poucos recursos, o trâmite também pode ser inviável do ponto de vista econômico (pais precisam de dispensa no trabalho para acompanhar o jovem; a locomoção não é gratuita; a criança perde dias de aula).

No depoimento especial, psicólogos conversam inicialmente com a criança em uma sala para um estudo psicossocial. A simplicidade é fundamental para não tirar a concentração da criança que está ali para depor. A vítima é incentivada a rememorar o fato, sem ser interrompida. As eventuais perguntas do juiz, promotor ou advogado são repassadas por telefone ao técnico, para que este formule da melhor forma possível a questão para a criança.

Em 2012, o CNJ firmou o Termo de Cooperação com a Childhood Brasil para incentivar a tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes desta natureza. A parceria vai até 2017 e prevê cursos de capacitação para os servidores dos tribunais. Desde que o termo foi assinado, quase 3 mil pessoas passaram pela capacitação.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias