Rede de Altos Estudos aprofunda e qualifica audiências de custódia, diz Fux

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Lançamento da Rede de Altos Estudos em Audiências de Custódia. Foto: G.Dettmar/CNJ
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou nesta sexta-feira (30/4) a etapa 2021 da Rede de Altos Estudos em Audiência de Custódia, que estará reunida em uma série de encontros até junho. Durante o evento online com a presença do presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, representantes nacionais e internacionais reforçaram a necessidade de aprimoramento contínuo das audiências de custódia para que cumpra as funções previstas em normativos nacionais e internacionais.

O objetivo da rede é reunir magistradas e magistrados com foco na qualificação do instituto para discutirem abordagens técnicas de cinco publicações lançadas recentemente pelo CNJ. As publicações da série “Fortalecimento das Audiências de Custódia” foram elaboradas no contexto da parceria em andamento desde 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com apoio do Departamento Penitenciário nacional, para abordar desafios estruturais no campo de privação de liberdade, hoje o programa Fazendo Justiça. No campo das audiências de custódia, o programa tem o apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

Para o ministro Luiz Fux a série de 15 encontros regionais entre magistradas e magistrados previstos até junho é um espaço privilegiado de articulação para o compartilhamento de ideias, de práticas promissoras e de disseminação das diretrizes do CNJ. “Garantir a audiência de custódia de pessoa presa, no estrito respeito às garantias processuais, representa o sustentáculo do estado democrático de direito prometido pela nossa Constituição Federal”, afirmou o ministro.

Segundo o presidente do CNJ, que em 2015 foi relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240 em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu pela primeira vez a validade do instituto no país, as audiências de custódia permitiram que  a magistratura visse e ouvisse pessoas para além dos processos escritos, com impacto direto na redução de prisões ilegais e no que classificou como “abarrotamento do sistema prisional brasileiro”.

“Passamos do contexto formal para o mundo real, garantindo o maior acesso e humanização na distribuição da justiça. Hoje, a audiência de custódia ocorre em todas as unidades da federação, em todos os ramos do poder judiciário”, disse. “A magistratura continuará contando com total apoio e comprometimento do CNJ para tornar os direitos e garantias internacionais uma realidade concreta para todos os brasileiros e brasileiras”, completou, defendendo que as audiências de custódia devem ser sempre priorizadas nas condições possíveis para sua realização, mesmo no contexto de pandemia.

Ao destacar a relevância do engajamento de organismos internacionais com a temática por meio do apoio do programa Fazendo Justiça, o presidente do CNJ destacou o ineditismo dos cinco manuais publicados em 2020 para apoiar juízes e juízas na tomada de decisão. As publicações foram elaboradas com a participação de acadêmicos e pesquisadores, com ampla consulta a magistrados e tribunais, para a definição de parâmetros gerais e de parâmetros para crimes e perfis específicos, além de abordarem temas como proteção social, prevenção e combate à tortura e aos maus-tratos e, por fim, o uso de algemas e outros instrumentos de contenção. Em 2021, serão lançadas novas publicações sobre arquitetura judiciária e sobre dados da porta de entrada do sistema prisional no contexto da pandemia de Covid-19.

Grande avanço

A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, explicou que a custódia é um instrumento fundamental para as pessoas detidas denunciarem possíveis abusos, especialmente tortura e maus-tratos – Bachelet também alertou para a queda de 84% nos registros de tortura e maus-tratos após a suspensão das custódias durante a pandemia de Covid-19, indicando alto índice de subnotificação sem a apresentação pessoal do custodiado à autoridade judicial.

“Embora as audiências de custódia não tenham atingido seu pleno potencial como instrumento de prevenção de abusos e violência policial no Brasil, a apresentação imediata do preso ao juiz é uma das formas mais eficazes de garantir sua integridade física e mental e prevenir a tortura”, ponderou. “Desta forma, destaco a importância de retornar ao modelo de audiência de custódia presencial sempre que possível, por meio de um plano de recuperação que leve em consideração as questões de saúde relacionadas à grave pandemia que o Brasil enfrenta.”

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, classificou as audiências de custódia como um grande avanço para o sistema judicial brasileiro, atendendo a normativas internalizadas pelo Brasil como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. “Reunir magistrados brasileiros para aprofundar as particularidades das audiências de custódia sinaliza maturidade e a consolidação do instituto”, afirmou Martins.

Segundo o ministro, o conhecimento já acumulado e as boas práticas identificadas servirão para aperfeiçoar cada vez mais a intervenção do Poder Judiciário para assegurar o direito maior, que é o direito à liberdade. “A liberdade é o princípio maior para a dignidade do homem, a liberdade é o bem maior para o respeito ao Estado democrático de direito.”

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, apontou para a importância de se olhar de maneira séria para o sistema penitenciário, para o cumprimento de pena, para ressocialização dessas pessoas se o país quiser conseguir melhorar a justiça criminal e a segurança pública. Segundo Torres, o poder público deve buscar o equilíbrio entre a garantia os direitos das pessoas presas e a atividade policial. “Quero caminhar de mãos dadas com todos os senhores para chegar ao melhor sistema. E garantir dias cada vez melhores pra nossa população e pra nossa justiça”, disse.

A diretora regional adjunta para América Latina do PNUD, Linda Maguire, destacou que o acesso à justiça para todos é um dos temas principais da Agenda 2030 de Desenvolvimento das Nações Unidas. Para Maguire, a discussão sobre o percentual de presos provisórios em relação à população privada de liberdade é um dos indicadores fundamentais que poderão ser discutidos na Rede de Altos Estudos – no Brasil, este número já chegou a 40%, mas vem apresentando queda desde o início das audiências de custódia no país, chegando a 30% em 2020.

Segundo a representante do PNUD, garantir direitos dessa população – ainda mais durante uma pandemia – é um desafio complexo e que exige respostas articuladas, sendo que o programa Fazendo Justiça é de grande valia nesse processo. “Para chegar a modelos mais qualificados de audiência de custódia, é essencial expandir o debate na comunidade jurídica, principalmente pela troca de experiências, o que permite entender melhor os dilemas e conhecer as melhores práticas”, afirmou.

A diretora da Divisão de Operações do UNODC da sede da organização em Viena, Miwa Kato, explicou que a organização trabalha para contribuir com a redução do número de prisões provisórias, abordando o problema da superlotação prisional e promovendo a proteção social nos ambientes prisionais. Segundo Kato, desde o início do programa Fazendo Justiça, em 2019, houve um aumento de 17% nos encaminhamentos para atendimentos voltados à proteção social. Também houve aumento de 91% das equipes psicossociais disponíveis nas capitais dos estados brasileiros, bem como uma redução de 4% no número de prisões provisórias determinadas em audiências de custódia.

“A Rede de Altos Estudos constitui uma oportunidade estratégica para a promoção das audiências de custódia como instrumento para reduzir o uso excessivo de prisões, superlotação prisional e outros desafios prisionais, ao mesmo tempo em que promove os direitos humanos, dentro do papel do UNODC como guardião das Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para o Tratamento dos Prisioneiros, conhecidos como Regras de Mandela e Regras de Bangkok”, disse Kato.

Também participaram da cerimônia desta sexta: a corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura (STJ); os conselheiros do CNJ Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Tânia Regina Silva Reckziegel; o secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener; o juiz coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi; e a representante-residente do PNUD Brasil, Katyna Argueta.

Programação

O evento nacional da rede continua nesta tarde e terá uma segunda parte em 7 de maio. Os painéis abordarão o uso do instrumento e a garantia de direitos na perspectiva internacional, parâmetros para a realização das audiências de custódia, experiências e perspectivas comparadas sobre a apresentação de pessoas presas perante a autoridade judicial.

A rede começou a ser construída em 2019, no primeiro evento de altos estudos realizado no Supremo Tribunal Federal (STF) e vem se fortalecendo nos últimos dois anos com trocas de experiências e articulações realizadas entre magistrados e tribunais com foco em sustentabilidade. Confira aqui a programação completa de 2021 da Rede Altos Estudos em Audiência de Custódia:

Confira aqui as cinco publicações que estão mobilizando magistradas e magistrados na edição de 2021 da Rede Altos Estudos:

·         Manual sobre Tomada de Decisão na Audiência de Custódia: Parâmetros Gerais

·         Manual sobre Tomada de Decisão na Audiência de Custódia: Parâmetros para Crimes e Perfis Específicos

·         Manual de Proteção Social na Audiência de Custódia: Parâmetros para o Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada

·         Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos para Audiência de Custódia

·         Manual sobre Algemas e Outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais: Orientações Práticas para Implementação da Súmula Vinculante n.11 do STF pela Magistratura e Tribunais

Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias