Na imensidão da Amazônia paraense, o acesso à cidade mais próxima pode custar até R$ 200 por pessoa — sem contar o tempo e o desgaste — apenas para obter um documento simples, como uma Certidão de Nascimento. Pensando em facilitar o acesso a serviços de cidadania e justiça para as regiões mais remotas, as comunidades quilombolas de Cachoeira Porteira, Tapagem e Boa Vista, no município de Oriximiná, recebem a 5.ª edição do Projeto Expedição Justiça: Cidadania Sem Fronteiras, realizada entre os dias 7 e 11 de abril.
“Estamos no segundo dia e já nos aproximamos de três mil atendimentos”, relata, com entusiasmo, o juiz da Vara Única de Oriximiná, José Araújo Filho, um dos articuladores da ação. O projeto mobiliza uma força-tarefa que reúne instituições dos três Poderes, além de órgãos como Ministério Público, Defensoria Pública, Exército, Marinha, Receita Federal, Instituo Nacional do Seguro Social (INSS), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cartório, Conselho Tutelar e forças policiais, levando cidadania às margens do Rio Trombetas — onde ela sempre pareceu tão distante.
Justiça que navega
A iniciativa se consolidou como um modelo de itinerância e acesso à justiça no Pará, reconhecido nacional e internacionalmente. A ação integra também a Semana Nacional de Saúde, coordenada, no Pará, pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), ampliando seu alcance com atendimentos ambulatoriais, vacinação, exames preventivos e distribuição de medicamentos.
Para Edna Pereira dos Santos, moradora da comunidade de Cachoeira Porteira, a chegada da balsa da cidadania representa alívio e gratidão. “É muito importante para nós. Tirei carteira de identidade, CPF, título de eleitor e até vim receber o resultado do meu preventivo. Já fiz exame de vista também. Quando essa balsa vem, a gente só tem a agradecer a Deus e a todos que vêm aqui nos atender”, ressaltou.
Vozes da floresta
A liderança indígena Zezinho Katxuyana reforçou a urgência e o impacto da ação. “Também precisamos de documentos, como os não indígenas usam: identidade, CPF, título de eleitor, carteira de trabalho. Só assim conseguimos trabalhar e viver com dignidade. Por isso, uma ação como essa é importante, porque chega até nós”, explicou.
Nas comunidades atendidas, o projeto rompe com uma longa história de exclusão do sistema formal de justiça. É um gesto de reparação, uma presença simbólica e concreta do Estado. “Como juiz negro, para mim é uma honra estar aqui em território quilombola. É como se eu estivesse em casa, garantindo acesso à Justiça aos meus irmãos e minhas irmãs”, declarou o magistrado.
Pertencimento
Além da emissão de documentos, o projeto oferece orientação jurídica, atendimento psicológico, corte de cabelo, rodas de conversa, palestras preventivas e muito mais, em um ambiente de acolhimento e respeito às identidades tradicionais. “Seguimos firmes e fortes no nosso propósito de levar cidadania aos nossos irmãos quilombolas e indígenas aqui no interior da Amazônia”, destacou o juiz José Araújo Filho. Enquanto a balsa segue navegando pelas águas do Rio Trombetas, ficam plantadas sementes de dignidade nas margens — e nos corações de quem, enfim, foi visto, ouvido e atendido.