A edição de 2024 do Mutirão Processual Penal, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com tribunais de todo o país, resultou na análise de 263 mil processos, sendo que em 130,2 mil houve algum tipo de movimentação ou saneamento. De 1.º a 30 de novembro, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) levantou 385 processos passíveis de análise nas hipóteses definidas pelo Conselho.
O principal tema do mutirão em volume de processos analisados, 143,7 mil casos, foi o cumprimento do Decreto n. 11.846/2023, relativo ao indulto natalino e à comutação de penas. O indulto é o perdão da pena concedido por meio de decreto presidencial a pessoas condenadas que cumprem determinados requisitos legais. A comutação de pena é a redução parcial da pena quando atendidos determinados critérios.
Nessa hipótese, o TRF-1 analisou 257 processos. Destes, 28 receberam indulto ou comutação, o que representa 11% dos processos analisados.
Os indultos foram responsáveis pelos 3,2 mil alvarás de soltura contabilizados nessa edição do mutirão. A quantidade de indultos não corresponde ao número de solturas porque, muitas vezes, os tipos de penas que se encaixam nos critérios do indulto já estão sendo cumpridos em liberdade, uma vez que o decreto de indulto excluiu crimes graves e, segundo seus critérios, alcança pessoas que geralmente estão na fase final do cumprimento da pena. Além disso, uma pessoa pode responder por mais de um crime e o indulto não ser aplicado a todos eles.
Pena de multa
Além do ineditismo da abordagem da pena de multa em um mutirão do CNJ, o tema concentrou o maior percentual de decisões favoráveis, somando 44% dos casos analisados. A pena de multa é uma sanção financeira aplicada individualmente ou acompanhada da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. Mesmo que a pessoa cumpra o tempo de prisão, a pena de multa continua aberta enquanto o valor não é quitado. Isso resulta em uma série de questões relacionadas à cidadania, a exemplo da manutenção da suspensão de direitos políticos e da impossibilidade de regularização do CPF.
De acordo com o Decreto n. 11.846/2023, a pessoa condenada à pena de multa teria direito ao perdão da pena desde que o valor não superasse o mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, que hoje é de R$ 20 mil. Também teria direito ao indulto de multa a pessoa sem capacidade econômica de quitá-la, independentemente do valor.
Do total de processos analisados no TRF-1, dois processos se enquadravam nessa hipótese e tiveram a multa extinta.
“A pena de multa tem gerado uma distorção do tratamento do Estado em relação a pessoas pobres, pois estas não conseguem concluir o processo penal mesmo após cumprir tempo de prisão. Além disso, a extinção desses processos garante mais eficiência do Estado, evitando que se mobilize para causas de baixo valor”, explica o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Luís Lanfredi.
Drogas
O Mutirão 2024 analisou o tema das drogas sob uma perspectiva específica: a posse de maconha dentro do sistema prisional. A revisão dos processos considerou o limite de 40 gramas, definido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 635.659, para que o ilícito não seja tratado na esfera criminal. Antes da decisão, o porte de maconha em qualquer quantidade era considerado falta grave para a pessoa presa, com efeitos para o cumprimento da pena que podiam incluir regressão de regime, por exemplo.
O objetivo do Mutirão 2024 era garantir que, a partir da decisão do STF, a falta grave fosse anulada ou convertida para faltas médias ou leves nos casos que se encaixassem nos critérios estabelecidos pela Suprema Corte, pois o porte nesse limite não é crime, mas continua proibido nos presídios. Nesse sentido, foram anuladas as faltas graves para 276 casos.
Diante desse cenário, o TRF-1 não encontrou nenhum caso que fosse passível de análise. Nesse sentido, após o término da fase regular do mutirão, está em curso o levantamento de processos que envolvem pessoas processadas ou condenadas por crime de tráfico de drogas em desconformidade com os parâmetros estabelecidos pelo STF.
A metodologia para seleção desses processos está em elaboração e deve envolver cruzamento entre diferentes sistemas, com o uso de filtros, além de checagem final feita pelos próprios tribunais. A efetivação dessa segunda fase está prevista para ocorrer ainda no primeiro semestre de 2025.
Prisões preventivas
O Mutirão 2024 também analisou 17,2 mil processos de prisões preventivas decretadas há mais de um ano, com 30% das prisões cautelares revogadas. Como resultado, esse tema foi responsável pelas 3,3 mil decisões por liberdade provisória com medidas cautelares, a exemplo de comparecimento em juízo ou monitoração eletrônica, e pelas 2,8 mil decisões por liberdade provisória sem medidas cautelares.
No TRF-1, foram encontrados 13 casos que se enquadravam nessa hipótese. Em todos os casos houve a manutenção da prisão.
Ferramentas mais eficientes
Outro objetivo do Mutirão 2024 foi a regularização de processos no Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), somando 50, 9 mil saneamentos. Como resultado, 25,9 mil términos de pena foram regularizados, assim como 16,9 mil progressões de pena e 8 mil livramentos condicionais.
Ao todo, o tribunal levantou 115 casos que se enquadravam nessa hipótese, sendo 23 sobre o término de pena, em que 13% dos casos foram resolvidos, e 92 que tratavam sobre incidentes vencidos (entre progressão para o regime semiaberto, progressão para o regime aberto e livramento condicional), em que 26% dos casos foram sanados. De acordo com o sistema, 68 casos seguem pendentes de resolução.
Sobre o mutirão
Criados pelo CNJ em 2008, os mutirões tiveram evolução metodológica a partir de novas ferramentas tecnológicas e hoje são realizados de forma simultânea em todo o país, com protagonismo dos tribunais, a partir de temas pré-selecionados. A realização de mutirões regulares, com duas edições ao ano, é uma das medidas do plano Pena Justa para a superação da situação inconstitucional nas prisões brasileiras.
O Mutirão Processual Penal tem o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas (Pnud) e diversos parceiros institucionais para promover transformações nos sistemas penal e socioeducativo.