Fonape: acordo de não persecução penal e existência dos serviços abrem terceiro dia

Você está visualizando atualmente Fonape: acordo de não persecução penal e existência dos serviços  abrem terceiro dia
Lançamento do levantamento nacional da aplicação do acordo de não persecução penal no Brasil no 3º dia do 4º Fonape. Foto: Gláucio Dettmar/Ag. CNJ.
Compartilhe

Debates sobre os acordos de não persecução penal, os desafios para sustentabilidade dos serviços de alternativas penais e lançamento de publicações inéditas foram a pauta da manhã do último dia do 4º Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape) nesta sexta-feira (15). O evento é realizado pelo Conselho Nacional de Justiça enquanto uma das atividades do programa Fazendo Justiça, parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para acelerar transformações no campo da privação de liberdade. Tem ainda apoio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) e da Secretaria Nacional de Política Penais (Senappen).

No primeiro painel, foi apresentado estudo inédito sobre os Acordos de Não Persecução Penal (ANPP), modalidade de justiça negocial para aplicar penas alternativas criados por meio da Lei nº Lei 13.964/2019) em vigor desde janeiro de 2020. O estudo coletou dados de 53 tribunais, analisou quase mil processos de tribunais de cinco regiões diferentes além de entrevistar magistrados, promotores e defensores públicos.

Acesse a publicação: Fortalecendo vias para as alternativas penais: um levantamento nacional da aplicação do Acordo de Não Persecução Penal no Brasil

O Conselheiro do CNJ, João Paulo Santos Schoucair, destacou a importância de análises com base em dados, conforme os apresentados no Levantamento, para a construção de respostas mais efetivas para questões judiciárias. Em relação aos ANPP, afirmou que “temos no Brasil um ponto positivo em relação a outros países, não impomos penas de prisão, como é frequente nos Estados Unidos e seus plea bargain”. Esse instrumento é comumente associado ao aumento do encarceramento nos EUA.

Uma das autoras do estudo, professora da Universidade Federal de Pernambuco, Marília Montenegro, comentou sobre os tipos de crimes cometidos pelas pessoas que realizam os acordos. Destacam-se os relacionados ao Código de Trânsito Brasileiro (23,7%), ao Estatuto do Desarmamento (18,7%). “Estamos falando que boa parte de quem faz acordos são de uma classe social que tem carro e arma”, analisa.

Outros crimes que são frequentemente alvos de acordos são os furtos simples e qualificados (17,3%) e receptação (11,4%). “A diferença entre furto e roubo são tênues, mas para furto é possível aplicar quase todas as penas alternativas, enquanto para roubo, nenhuma. Talvez a gente devesse repensar o que é roubo”, avaliou Marília Montenegro.

A pesquisa também levantou quais as medidas restritivas mais usadas nos ANPP, com destaque para prestações pecuniárias – quando o juiz estipula o pagamento de um valor à vítima de um crime, ao Estado ou a organizações sociais que trabalham com alternativas penais: aplicada de forma isolada em 37,1% dos acordos, e de forma conjunta com outras medidas em 9,5% dos casos. A prestação de serviços comunitários é usada em 29,18% dos acordos, além de 5% em associação com reparar o dano à vítima.

De acordo com a juíza federal da seção judiciária de Pernambuco (TRF-5) Carolina Souza Malta, a prestação pecuniária não é um mal em si mesmo. “Pela minha experiencia, [o mal] é o acordo por adesão – ou você paga ou você vai sofrer um processo penal. Muitas vezes o hipossuficiente prefere a prestação pecuniária, porque o valor mínimo mensal é entre R$ 50 e R$ 100, o que é as vezes menor do que o valor da diária recebida em serviços autônomos.

Prestando serviços à comunidade ela perde até quatro dias num mês, o que acaba sendo menos vantajoso”. Para ela é preciso entender que por vezes é melhor passar uma prestação pecuniária para pessoas mais pobres enquanto em alguns casos de pessoas mais ricas uma pena de prestação de serviços pode ter um efeito responsabilizador maior.

Defensor público do Estado do Pará, Arthur Correa da Silva Neto, acredita que os defensores públicos têm plenas capacidades para negociar os ANPP vantajosos para os seus atendidos, já que conhecem melhor os trâmites e dinâmicas do funcionamento da Justiça. “É preciso evitar a justiça de linha de produção, em que os acordos são sempre apresentados são sempre os mesmos”, avaliou. Ele também defendeu estrutura para as Defensorias para poder fazer análises psicológicas e sociais mais apuradas das pessoas defendidas.

Para o promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Antonio Suxberger, é necessário um debate sobre quais são os temas em negociação quando o Ministério Público e defensores ou advogados dialogam sobre um acordo de não persecução penal. “O espaço negocial da ANPP não é sobre o fato. O Ministério Público deve poder fundamentar os acordos com base na dosimetria e precisa que tenha uma defesa ativa que saiba argumentar quais podem ser as condições”, afirmou. Para ele, esse acordo mais embasado vai melhorar as condições dos magistrados na decisão sobre os acordos. “O juiz não pode ser um batedor de carimbo, mas ele precisa de fundamentos para poder avaliar os acordos”.

Serviços de alternativas penais

O segundo painel da manhã reuniu especialistas para falar sobre avanços e desafios para a sustentabilidade dos serviços penais de alternativas ao encarceramento nas varas especializadas e Centrais Integradas de Alternativas Penais no Brasil. A Diretora de Cidadania e Alternativas Penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Mayesse Parizi, falou sobre as ações em curso na secretaria para fortalecimento da política de alternativas penais no país, salientando a importância dos processos de interiorização e o desafio de superar a descontinuidade dos serviços, buscando o comprometimento dos entes envolvidos para que se consiga a sustentabilidade da política de alternativas penais.

“Os últimos anos foram marcados por muitas lacunas e ausências, mas o poder Executivo Federal está de volta para assumir com responsabilidade, com compromisso, o que lhe compete com relação à implementação da política nacional de alternativas penais, construindo uma responsabilização penal eficiente sem que haja o cerceamento da liberdade”, finalizou Parizi. Atualmente, estão em funcionamento 300 centrais de alternativas penais no país, distribuídas em 24 unidades da federação.

Juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Fernando Mendonça falou sobre a experiência do estado no campo das alternativas penais e a construção de processos de responsabilização e restauratividade. Também foram pontuados os desafios da municipalização das políticas e as diferentes competências de cada ente federativo. “A meu ver, há a necessidade de ter algumas alterações legislativas, com o desenvolvimento de políticas públicas municipais para o serviço de apoio à execução das alterações penais, para que se tenha recursos para isso. E também uma delegação de serviços explícita, indicando o que que é da parte do executivo e da parte do judiciário”.

O coordenador de alternativas penais da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará, Elton Gurgel, compartilhou os avanços e desafios das políticas no estado, especialmente sobre a importância da criação de mecanismos para que ações não sejam descontinuadas, situação que gera desconfiança nos usuários. Um dos caminhos para esse fortalecimento é a criação do Sistema Nacional de Alternativas Penais (Sinape), proposta debatida por diversas instituições por meio do Grupo de Trabalho de Alternativas Penais, instituído pelo CNJ por meio da Portaria Nº 151, de 05 de Maio de 2022.

Painel 6 do 4º Fonape: Varas Especializadas e Centrais Integradas de Alternativas Penais no Brasil: avanços e desafios para a sustentabilidade dos serviços penais de alternativas ao encarceramento. Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ.

O Sinape tem o objetivo de integrar, coordenar e articular os órgãos na execução das alternativas penais, além de promover estratégias para sua aplicação de maneira adequada. “O Sinape tem esse sentido de fomentar a sustentabilidade dos serviços com repasses que sejam perenes, e a assunção por parte dos governos estaduais das políticas dos respectivos estados. São possibilidades múltiplas, o fundamental é nos darmos conta dessa importância”.

Internacional

No evento foram lançadas versões em inglês e espanhol dos guias de alternativas penais, publicações originalmente realizadas por meio de parceria entre a Senappen (antigo Depen) e o PNUD), republicadas pelo CNJ em 2020 no contexto da parceria com o PNUD. São cinco publicações que apresentam os postulados, princípios e diretrizes para a política de alternativas penais; a Justiça Restaurativa; as diversas modalidades de alternativas penais existentes no ordenamento jurídico e, por fim, as medidas protetivas de urgência e demais ações de responsabilização para homens autores de violência.

“Ter esses materiais traduzidos nos permite disseminar a política de alternativas penais do Brasil, bem como potencializar as trocas de experiências com outros países”, apontou a coordenadora do eixo de proporcionalidade penal do programa Fazendo Justiça, Fabiana Leite.

Acesse aqui todas as publicações do Fazendo Justiça

Texto: Pedro Malavolta e Renata Assumpção
Edição: Debora Zampier
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Aprimoramento da gestão da Justiça criminal