“Vamos chegar a 32 anos da Convenção dos Direitos das Crianças (Unicef) e do Estatuto da Criança e do Adolescente e estamos completando seis anos do Marco Legal da Primeira Infância. Do ponto de vista de avanços normativos, estamos muito bem. No entanto, há uma grande distância entre a realidade e o que está preconizado na lei”, afirmou o presidente do Fórum Nacional da Infância e Juventude e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Richard Pae Kim, na abertura do 8º Seminário Internacional do Marco Legal da Primeira Infância. O evento, realizado na última quarta (30) e quinta-feira (31/3), foi promovido pela Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância e realizado em parceria com o CNJ, entre outros órgãos e entidades.
No Brasil, as crianças de até seis anos representam 10% da população brasileira – aproximadamente 20 milhões de pessoas. Esse grupo populacional foi um dos mais atingidos pelos impactos da pandemia da Covid-19. O conselheiro afirmou que a crise sanitária tem sido um verdadeiro “vilão” para essa população, impactada pelo aumento da pobreza, da violência e pela suspensão dos serviços escolares e pela reduzida oferta de serviço de saúde, nos últimos dois anos.
“É preciso escutar o choro das crianças que não puderam ir ao hospital, pois os pais tinham medo de levá-las; escutar o choro das crianças que passaram a sentir fome depois que os pais perderam emprego; escutar o choro das crianças que passaram a morar nas ruas; que passaram a presenciar e viver na pele o aumento da violência em casa; escutar o choro das crianças que hoje têm medo de voltar à escola. Quero reafirmar o nosso compromisso de estar à disposição do Executivo e do Legislativo em superar esses desafios, a fim de encurtar a distância do ser e do dever ser”, afirmou Pae Kim.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Lívia Cristina Marques Peres reforçou que a sociedade brasileira é plural e desigual e que o poder público tem responsabilidade em tirar do papel e tratar de maneira menos teórica a concretização da igualdade. “É dever estatal levar em conta as diversidades socioculturais e dever do cidadão receber tratamento igualitário, mas não aniquilador das suas diversidades socioculturais. O reconhecimento das dificuldades é o primeiro passo para superarmos o estado de coisas não compatíveis com as normas vigentes.”
Representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer citou impactos profundos que a pandemia gerou em relação à educação, além da saúde física e mental das crianças brasileiras. “Corremos o risco de regredir na aprendizagem em até duas décadas. Metade delas perderam o acesso ao lanche escolar na pandemia (10 milhões de crianças). O impacto da redução da nutrição não consegue ser medido, mas tem consequências a longo prazo. Da mesma forma ficaram mais expostas à violência doméstica.”
A analista judiciária Ivânia Ghesti, que atua na Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, lembrou que o Judiciário vem buscando aproximar a realidade das crianças ao que é preconizado no artigo 227 da Constituição Federal, relativo à garantia prioritária dos direitos infantojuvenis. E ponderou que o Projeto Justiça Começa na Infância serviu como um fator estratégico de criação de projetos e ações da Justiça em articulação com a rede de proteção.
“Ele veio oxigenar e fazer a Justiça perceber que seu papel é maior do que aplicar uma medida para tirar a criança de uma situação de risco. É preciso garantir os direitos necessários nessa janela de oportunidades para o desenvolvimento humano integral que é a primeira infância e isso só é possível com a atuação integrada. A garantia dos direitos das crianças, especialmente na primeira infância, não é dever apenas da Justiça da Infância e Juventude, mas das varas de família, de violência contra a mulher, da Justiça do Trabalho, da Justiça Criminal, Federal, entre outros”, afirmou Ivânia.
O projeto, criado pelo CNJ em 2018, serviu para ampliar a participação do Sistema de Justiça na implementação do Marco Legal da Primeira Infância – Lei federal n. 13.257 de 8 de março de 2016, que até então era desconhecida por 47% dos juízes da infância e não implementada por 85% deles, segundo enquete realizada à época, expôs Ivânia Ghesti.
Além de fazer um diagnóstico nacional da situação de atenção à primeira Infância, o projeto mobilizou especialistas e gestores em seminários realizados em todas as regiões do país, assim como selecionou, premiou e disseminou boas práticas e promoveu capacitações em larga escala. Para executar esse projeto, o CNJ propôs o Pacto Nacional pela Primeira Infância, com intuito de integrar o trabalho do Judiciário com o dos demais participantes da rede de proteção (Executivo, Legislativo, Sociedade Civil Organizada, Setor Empresarial e Acadêmico). Segundo a especialista, atualmente, o Pacto conta com 259 signatários e diversos órgãos e outras entidades querendo aderir à ação.
Histórico
Entre os avanços normativos citados durante o encontro, estão a Resolução CNJ n. 299/2019, que trata da implantação das salas de depoimento especial em todas as comarcas, com equipes técnicas preparadas e capacitadas para esse fim, e o Manual de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes pertencentes a povos e comunidades tradicionais, de 2021, que garante, por exemplo, que, em depoimentos especiais, as crianças indígenas, romani ou outros povos contem com um tradutor em sua língua originária e consideração de sua cultura específica.
Ivânia ainda falou sobre o seminário de apresentação de resultados do Pacto Nacional pela Primeira Infância, que ocorrerá em 28 e 29 de abril, no qual haverá apresentação do Diagnóstico Nacional e outros avanços na área da Justiça em relação à implementação da Lei n. 13.257/2016. Também haverá lançamento de um gibi da Turma da Mônica sobre violência contra crianças, a ser distribuído gratuitamente em escolas, lançamento de novas turmas do Curso Marco Legal da Primeira Infância, entre outras ações. Ressaltou, ainda, o lançamento da Política Nacional do Judiciário pela Primeira Infância, que será formulada a partir dos subsídios trazidos pelo Pacto Nacional.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias