CNJ instaura grupo de trabalho para estudos sobre direitos humanos e saúde mental

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O presidente do do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, na 331ª Sessão Ordinária. FOTO: Gil Ferreira/Agência CNJ
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Neste 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, anunciou a criação de um grupo de trabalho exclusivo para a realização de estudos sobre a temática dos direitos humanos e saúde mental. “É com grande satisfação que anuncio hoje a criação de um Grupo de Trabalho destinado a realizar estudos sobre a matéria, propondo medidas voltadas ao atendimento adequado das pessoas com deficiência psicossocial e que muito contribuirá para a superação de dificuldades relativas à promoção da saúde mental.”

Coordenado pelo conselheiro Mário Augusto Guerreiro, com participação da conselheira Candice Jobim, o grupo de trabalho tem a finalidade de propor medidas voltadas ao atendimento adequado das pessoas com deficiência psicossocial, contribuindo para a superação de dificuldades à promoção da saúde mental. “É nossa responsabilidade, enquanto poder Judiciário, assegurar meios e instrumentos para o reconhecimento da autonomia da pessoa com deficiência e transtorno mental, a fim de que sejam combatidas as restrições indevidas em manicômios, como hoje é lembrado”, afirmou Fux.

O ministro destacou ainda a atuação que Conselho já desenvolve na temática direitos humanos e saúde mental. “Ação do Programa Fazendo Justiça, que confere olhar atento e responsivo às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei, além da recente criação da Unidade de Fiscalização e Monitoramento das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no CNJ.”

Práticas prejudiciais

Especialistas do campo da saúde mental defendem o respeito à Lei 10.216/2001, mais conhecida como a Lei de Reforma Psiquiátrica. O marco legal do setor afirmou os direitos da pessoa “portadora de transtorno mental” e os deveres assistenciais do Estado, além de restringir a internação involuntária em manicômios. O CNJ se envolveu com a temática ao ser indicado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) para mediar soluções relativas à política de saúde mental no país, na condição de mecanismo nacional independente.

O acompanhamento pelo CNJ se dá por meio da unidade para monitoramento e fiscalização de sentenças, decisões cautelares e opiniões consultivas da Corte IDH, vinculada ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ). Durante a audiência realizada no fim de abril, entidades da luta antimanicomial brasileiras apontaram à corte interamericana práticas prejudiciais que descumprem a legislação vigente, baseada em parte nos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.

Uma dessas entidades, a Justiça Global representa os familiares de Damião Ximenes Lopes no caso que culminou, em 2006, na primeira condenação do Brasil no tribunal interamericano devido à postura do Estado brasileiro diante das violações de direitos humanos comprovadas na tramitação do Caso Ximenes Lopes x Brasil. O caso levou o nome do cidadão brasileiro que foi torturado e morto, em 1999, dias após ser internado em uma casa de saúde mental no Ceará.

De acordo com a advogada da Justiça Global, Raphaela Lopes, há registros de desmonte das políticas de assistência à saúde mental desde 2016, como a redução do orçamento relacionado às políticas previstas no marco legal do setor, além de “leis e normas colocam em xeque princípios da reforma psiquiátrica”, afirmou. Inspeções em hospitais psiquiátricos pelo Brasil constataram muitas violações de direitos humanos, além de violações da lei que em 2001 tornou a permanência de regime de internação asilar algo excepcional.

Dados

Os dados constam de um relatório produzido pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Conselho Federal de Psicologia (CFP), que, em dezembro de 2018, realizaram inspeções a 40 hospitais psiquiátricos em todo o país. Em 33 deles, foram encontradas pessoas internadas há mais de um ano. Em seis deles, mais da metade dos internados se encontravam na instituição havia mais de um ano.

O presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), Leonardo Pinho, afirmou haver descumprimento da legislação brasileira e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Ambas propõem desinstitucionalização do indivíduo com demandas de saúde mental, por meio de projeto terapêutico individual, atendimento na cidade em que vive, e recurso à internação em momentos pontuais.

“O Brasil vai na contramão ao centrar a destinação de recursos no financiamento de equipamentos privados de internação, isolamento e exclusão social. Esse era modelo anterior à edição da Lei 10.216, em 2001, que alterou um modelo de tratamento de 30 anos atrás”, destacou Pinho. O representante do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, André Ferreira, afirmou que o primeiro passo seria respeitar a participação social na gestão da política de saúde mental. “Não existe política sem a voz de quem é usuário do serviço, das pessoas que são diretamente atingidas pelas decisões da política.”

Pandemia

Se a forma como o Estado está lidando com o sofrimento humano e suas manifestações psíquicas já mobiliza críticas de profissionais do setor, a emergência sanitária causada pela pandemia da Covid-19 piorou ainda mais o quadro. Em Belo Horizonte, a rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) foi forçada a se adaptar e agora oferece atendimento remoto, com telefonemas e visitas em domicílio dos pacientes, se necessário. No entanto, há certos casos que não permitem “dispensar o cuidado intensivo presencial”, o que causa “de certa forma” aglomerações nos CAPs da capital mineira, de acordo com com a representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, Laura Fusaro, “mesmo com todos os cuidados relacionados ao uso de máscara e álcool gel”.

Laura Fusaro, que também é vice-presidente da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (ASUSSAM), afirma que a Covid-19 é uma dor social e que o contexto pandêmico favorece as perspectivas da hipermedicalização ou da psicologização do sofrimento. “É uma ideia bem burguesa de que o sofrimento é um defeito das pessoas, sendo que povo está passando fome. Esse é um problema que psicólogo e remédio não resolvem. Temos de pensar a saúde mental dentro de um quadro mais amplo, da dignidade humana, para garantir o bem-viver às pessoas”, afirmou.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias