A aposentada Maria Geneci Lima, de 71 anos, moradora de Brasília, notou, no ano passado, que havia um desconto em seu benefício mensal. Ao procurar uma agência do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Maria descobriu que o desconto chegava a R$ 90 e estava sendo cobrado há três anos. O responsável pela dedução embutida no salário mínimo recebido pela aposentada era uma associação sindical do Paraná, que era completamente desconhecida para Maria Geneci. “Jamais autorizei qualquer débito. Somente naquele momento descobri que eu era vítima de um golpe. Simplesmente não sabia o que fazer. Foi a atendente do INSS que me orientou a procurar a Justiça”, lembrou.

O acolhimento que Maria Geneci recebeu da Justiça foi decisivo para que conseguisse não apenas cessar os débitos como também ser ressarcida. “A juíza que julgou o caso foi me explicando todos os passos. Aceitei o acordo proposto e foi estabelecida uma multa de R$ 10 mil por dia em caso de descumprimento. No dia definido pela Justiça, recebi pouco mais de R$ 2.500 referente aos três anos de débito indevido”, conta.
A experiência de Maria Geneci exemplifica os esforços do Judiciário para atender às demandas trazidas por um cenário de envelhecimento gradual da população brasileira, em que a expectativa de vida é de 76,4 anos, segundo dados do IBGE (2023). Nos últimos 20 anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adotou algumas medidas para tornar a Justiça brasileira mais acessível para pessoas idosas, cumprindo importante papel na superação dos desafios da terceira idade.
O panorama do envelhecimento é corroborado por outros estudos científicos. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), também produzida pelo IBGE, registrou 32 milhões de pessoas idosas em todo o país, com 22 milhões acima de 65 anos. O levantamento revela ainda outros aspectos ligados à terceira idade, como o impacto do isolamento social, que atinge as pessoas idosas em diversos níveis. Cerca de 9% dos idosos, por exemplo, contam com apenas um familiar em sua rede de convívio e apoio, e outros 12,8% contam com um ou nenhum parente. Nesse contexto, 23% dos idosos e das idosas não têm amigos próximos.
Desde 2007, o CNJ recomenda aos tribunais que seja assegurada às pessoas com mais 60 anos prioridade nos processos judiciais. E, em 2023, a Política Judiciária sobre Pessoas Idosas e suas Interseccionalidades trouxe outros avanços no atendimento a esse grupo. A política estabelece prazos razoáveis para a tramitação de processos envolvendo idosos, em linha com o Estatuto Nacional do Idoso, e inclui capacitação de servidores e magistrados para lidar com questões específicas desse grupo.
Direitos assegurados
A partir dessas novas dinâmicas inseridas na tramitação de processos, o Poder Judiciário passou a garantir à pessoa idosa celeridade e eficiência na solução de suas demandas. As ações estão baseadas nos princípios da dignidade da pessoa humana, do acesso à Justiça, do respeito à autonomia da pessoa idosa, do melhor interesse da pessoa idosa quanto à gestão dos conflitos familiares, da solidariedade intergeracional e da abordagem multidisciplinar na atenção à pessoa idosa.
Com essa perspectiva, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), inaugurou a Vara Especializa em Pessoas Idosas (Vepi) em janeiro deste ano. Para a juíza Cláudia Motta, titular da Vepi, a unidade judiciária dá maior visibilidade para a problemática do idoso, cuja vulnerabilidade não se refere apenas a aspectos econômicos, mas também engloba ausência de cuidados e de proteção, além da incapacidade de se defender de abusos.
“Temos situações muito graves envolvendo pessoas idosas, como violência física, patrimonial, psicológica e até mesmo sexual. As varas que tinham competência processavam essas ações. No entanto, trata-se de um problema social, que merece um olhar específico, porque toda especialização leva a um trabalho melhor”, defendeu a magistrada.
Alguns fatores contribuem para que o grupo de idosos torne-se mais vulnerável e mais sujeito à exploração de terceiros. “De modo geral, a vida cotidiana é muito hostil com essas pessoas. Existe dificuldade de adaptação à tecnologia, por exemplo. Muitos cartões, muitas senhas. Isso faz com que as pessoas idosas tenham dificuldade de gerir a própria vida”, afirmou a juíza Cláudia.
Outra dificuldade é garantir a prevalência de sua vontade, e essa dificuldade se manifesta inclusive na recorrência de processos judiciais com pedidos de interdição de idosos lúcidos. “A vontade do idoso precisa prevalecer, devendo ser considerada até mesmo a situação na qual ele não tem mais capacidade. Nesse caso, um curador pode fazer isso pelo idoso, mas ele precisa ser ouvido”, disse. A curatela é destinada às pessoas, adultas ou não, que precisam de proteção e não têm condições de gerir a própria vida.
Resposta à solidão
A política judiciária instituída pelo CNJ para pessoas idosas também prestigia a formação de colegiados multiníveis, multissetoriais e interinstitucionais para a promoção de políticas públicas. Esse trabalho conjunto é essencial, uma vez que a identificação de abusos muitas vezes se dá a partir da convivência com outros idosos e da observação de assistentes sociais, por exemplo.
Uma visita a uma das associações de bairro do Direito Federal, que recebe pessoas 60+ encaminhadas pelos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), indica essa importância. A viúva M. S. S., de 88 anos, cedeu a casa onde mora para um dos sete filhos e divide uma pequena construção, no mesmo terreno, com outra filha. Há alguns anos, ela já não administra sua aposentadoria por ter dificuldades em lidar com questões práticas e financeiras. Ela tem dificuldade de compreender que é vítima de abuso patrimonial. Os assistentes sociais que fazem o acompanhamento dela buscam alternativas para que os direitos dela sejam assegurados e podem contar com a Justiça para isso.

Já a aposentada Nilzete Gomes Lima, 71 anos, sem filhos, mora com parentes e sua renda custeia as despesas pessoais e de familiares. A dependência dos parentes ainda gera incerteza. “Trabalhei a vida inteira, lutei pela minha aposentadoria. Mas acho que todo o esforço que fiz não foi recompensado. Me arrependo de ter me aposentado, já que hoje tenho menos autonomia que antes. Hoje tenho medo de pensar em que condições vou envelhecer, se terei apoio. Não tenho noção dos meus direitos e nem para quem pedir”, lamentou.
Aposentadoria
As questões familiares se entrelaçam com outros empecilhos sociais e burocráticos para a garantia da dignidade na última fase da vida. Quando o tema é aposentadoria, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2016 e 2022, mostra o crescimento de uma parcela de idosos desprotegidos. O acesso à aposentadoria é dificultado, sobretudo, a homens negros e a mulheres, sejam brancas ou negras.
No Judiciário, questões relativas à previdência social representam um dos maiores gargalos e também recebem a atenção do CNJ. O Painel de Estatísticas do Poder Judiciário, do CNJ, mostra que a Justiça lida atualmente com 4,4 milhões de casos pendentes sobre tema previdenciário, incluindo as aposentadorias por tempo de serviço ou contribuição. Até 31 de março deste ano, foram julgados pouco mais de 657 mil processos. Em 2024, foram recebidos 3,425 milhões de novos casos. O tempo médio de tramitação dos processos pendentes é de 750 dias, e do primeiro julgamento é de 337 dias.
Para desembaraçar o nó previdenciário na Justiça, o CNJ e o INSS estabeleceram uma série de parceiras, incluindo inovações tecnológicas e uniformização de entendimentos em temas recorrentes. Em abril de 2024, por exemplo, o Conselho elencou dez enunciados em relação aos quais existe jurisprudência pacificada em demandas previdenciárias. Nesses temas, o INSS se comprometeu a resolver as demandas administrativamente ou a não recorrer quanto a decisões na Justiça.
Para a população idosa, alguns deles tem maior aplicabilidade. No Tema 5, ficou indicado que a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição a trabalhador urbano empregado é possível mediante o cômputo de atividade rural com registro em carteira profissional, em período anterior à Lei n. 8.213/1991, para efeito da carência exigida no art. 142 da Lei de Benefícios. Já o Tema 6 expõe que, para fins de cálculo do benefício de aposentadoria, o salário-de-contribuição deverá ser composto da soma de todas as contribuições previdenciárias por ele vertidas ao sistema, respeitado o teto previdenciário, no caso do exercício de atividades concomitantes pelo segurado. O entendimento é aplicável com base na Lei n. 9.876/1999.
Texto: Ana Moura
Edição: Sarah Barros
Fotos: Luiz Silveira
Arte: Robson Lenin
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias