Único evento nacional que reúne juízes, artistas, equipes técnicas e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa para debater cultura, o Caminhos Literários no Socioeducativo encerrou sua 4.ª edição com encontros marcados pela escuta e pela criatividade dos participantes. O tema deste ano foi Adolescências em Cena, com foco no audiovisual como forma de expressão.
Realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do programa Fazendo Justiça, o evento mobilizou 84 unidades socioeducativas das 27 unidades da Federação nos dias 3, 4, 8 e 9 de julho. A programação incluiu oficinas de audiovisual e podcast, rodas de conversa com profissionais da cultura, visita a museus, sessões de cinema, saraus, apresentações teatrais e musicais, intervenções artísticas, ações com famílias, criação de zines e outras produções autorais dos adolescentes.
Adolescentes dos Centros Socioeducativos Aldaci Barbosa Mota e Canindezinho, em Fortaleza (CE), participaram de uma tarde cultural no Cineteatro São Luiz, com exibição do filme cearense Cabeça de Nêgo e roda de conversa sobre racismo, direito à educação e protagonismo juvenil. A visita também incluiu uma imersão na arquitetura e na história do teatro, sempre com acompanhamento das equipes técnicas.
“Essas atividades ajudam a clarear nossa mente. Quando a gente está focada em algo bom, esquece os problemas e começa a pensar num futuro melhor”, ressaltou uma das adolescentes, que contou ainda sobre seu interesse por cultura e dança. Para Ana Paula Íris, assessora especial da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), a ação amplia horizontes e incentiva nos jovens a sensação de pertencimento aos espaços culturais que também são seus.
Em São Paulo (SP) e Cuiabá (MT), uma ação em parceria com a editora Companhia das Letras levou o debate sobre literatura para dentro das unidades, com a distribuição de mais de 40 livros. Na capital paulista, adolescentes da Casa Chiquinha Gonzaga receberam obras como Casa de Alvenaria, de Carolina Maria de Jesus, que foi tema de debate e oficina de escrita ministrada pela escritora e editora de livros Fernanda Silva e Sousa.
“Precisamos lembrar a essas meninas que elas não só podem sonhar, mas escrever seus sonhos. Podem reinventar a realidade e se inspirar na escrita desta incrível autora para pensar na vida que querem, merecem e têm o direito de ter”, relatou. No Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino de Cuiabá, a escritora e artista visual Paty Wolff compartilhou histórias de seu livro Azul Haiti.
Jornalismo feito por adolescentes
“O que te inspira no seu trabalho com os livros?”, pergunta a adolescente S. M. para a editora-executiva em visita a uma editora de livros no Rio de Janeiro. “Como você começou a cantar rap?”, indaga o adolescente L. M. ao entrevistar um rapper em Criciúma (SC). Pela primeira vez, o Caminhos Literários teve cobertura jornalística colaborativa feita pelos próprios adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.
A ação integrou um projeto-piloto de formação realizado com o apoio da Comunicação do Fazendo Justiça em cinco unidades selecionadas no Rio de Janeiro, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Amazonas. Ao longo de junho, essas unidades participaram de oficinas sobre a importância da notícia, o combate à desinformação, os direitos e os deveres de quem comunica, além de orientações práticas sobre como fazer entrevistas, produzir textos e registrar vídeos e fotos.

Durante todo o evento, os jovens acompanharam as palestras e as visitas, fizeram entrevistas, captaram imagens e produziram relatos. Como resultado, seus conteúdos informativos irão circular dentro das próprias unidades. Além disso, um compilado dos materiais será veiculado nos canais do CNJ e do Pnud.
“Essa iniciativa pioneira se mostrou um grande acerto, com adolescentes engajados por todo o país. Ganhamos nós também uma oportunidade única de acompanhar o evento pelo olhar deles e delas, reforçando o protagonismo da juventude e o papel do Caminhos Literários como espaço de expressão”, avalia Adrianna Figueiredo, coordenadora adjunta da área socioeducativa no programa Fazendo Justiça.
Programação nacional
Nos dias 8 e 9 de julho, a programação se concentrou na mostra nacional de práticas culturais das unidades socioeducativas e em encontros virtuais com artistas convidados, transmitidos para as unidades. As atividades foram exclusivas para adolescentes e profissionais do sistema socioeducativo e reuniram produções desenvolvidas ao longo do ano. Neste ano, o CNJ recebeu 66 práticas culturais enviadas pelas unidades. Dessas, 28 foram selecionadas para compor a mostra nacional — com vídeos, peças teatrais, músicas, animações e outras formas de criação coletiva.
Na terça-feira (8/7), o rapper, cineasta e educador Mano Cappu conduziu o encontro Filmar é Escrever, no qual compartilhou sua trajetória e provocou reflexões sobre como o audiovisual pode transformar vivências em narrativa. “Nada é para sempre. A gente precisa se recontar para não ser contado pelos outros”, afirmou o artista, defendendo o cinema como uma linguagem completa — que une som, imagem, poesia e memória.
A conversa mobilizou os adolescentes, que enviaram perguntas ao vivo de diversas regiões do país. De Minas Gerais, um deles quis saber como o artista enfrentou o preconceito por vir da periferia. “A gente não pede licença. A gente chega e mostra nosso valor. Com ética, com arte, com verdade”, respondeu.
Na quarta (9/7), sob o tema Traço em Movimento, o último encontro deu destaque à linguagem da animação. O animador e ilustrador Iásio Neris narrou sua experiência como ex-aluno do Estúdio Escola de Animação, representando também a produtora Luiza Ferraz. Neris deu uma demonstração prática do seu trabalho ao animar um personagem de Irmão do Jorel, produção da qual ele integra a equipe. “O desenho sempre fez parte da minha vida, mas era só um passatempo. Como vim de escola pública e não tinha condições de pagar um curso, ter tido essa oportunidade foi o que me permitiu transformar isso em profissão”.
Da Unidade de Internação de Recanto das Emas (Unire), no Distrito Federal, os jovens ouviam empolgados tanto os ensinamentos do ilustrador quanto as diversas apresentações de vídeos, músicas e performances produzidas por adolescentes de todas as regiões do país. “O futuro desse jovem é algo que podemos mudar e é nossa obrigação investir nisso, oferecer novas possibilidades também pela arte e pela cultura”, afirma a diretora da Unire, Karolline Vieira.
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Texto: Natasha Cruz e Leonam Bernardo
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias