Uso de novas tecnologias em saúde deve levar em conta o orçamento limitado do SUS

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As inovações tecnológicas da medicina ao longo das décadas que culminaram nas terapias moleculares disponíveis atualmente e o acesso a esses tratamentos foram debatidos, na quinta-feira (18/8), na V Jornada Nacional de Direito da Saúde realizado pelo CNJ em parceria com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). O professor Augusto Afonso Guerra Jr., coordenador do Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (CCATES/UFMG), e a coordenadora do Núcleo de Avaliação de Tecnologias e dos Mestrado em ATS do Instituto Nacional de Cardiologia, Marisa Santos, trataram do tema no painel “Novas Tecnologias em Saúde: Evidências e Custo-efetividade”.

Na terapia molecular, os medicamentos são compostos de substâncias que foram desenvolvidas para identificar e atacar características específicas de células cancerígenas, por exemplo, bloqueando assim o crescimento e a disseminação de um câncer. Os anticorpos monoclonais, de forma simplificada, podem ser obtidos injetando um antígeno em um rato. O organismo do roedor irá produzir anticorpos que poderão ser fundidos com células cancerígenas de um paciente e, após um processo de purificação, o resultado da fusão das células é usado no tratamento do paciente.

Essa nova modalidade de terapia contribui para criar o conceito da terapia personalizada, sendo considerada uma tecnologia dispendiosa. Segundo o professor Augusto Guerra, o tratamento com um medicamento disponível hoje no mercado para o câncer de mama com anticorpos monoclonais custa pouco mais de R$ 246 mil por ano. Outros pode ultrapassar a cifra de R$ 1 milhão. São remédios que estão no Sistema Único de Saúde (SUS) mas nem sempre em quantidades disponíveis para todos que necessitam. No caso de o paciente não conseguir o medicamento, o caminho mais comum é judicializar.

“Estamos caminhando para uma medicina personalizada. Eu pego a proteína do paciente e vou fazer um anticorpo monoclonal. Tem um caso, não sei se é verdade, quando o Donald Trump teve Covid-19, desenvolveram um anticorpo monoclonal para ele em uma semana”, comentou o especialista. O professor, no entanto, chamou a atenção para a realidade no Brasil como um dos desafios no uso dessa tecnologia, já que a maior parte da população não tem acesso à saúde básica, muito menos a serviços personalizados da medicina moderna.

Médica infectologista e coordenadora no Núcleo de Avaliação de Tecnologias e do Mestrado em ATS do Instituto Nacional de Cardiologia, Marisa Santos acredita que as tecnologias precisam ser avaliadas, uma vez que o orçamento de saúde pública é fixo. Quando um medicamento caro é incorporado ao sistema, mas o benefício é pequeno, alcança poucas pessoas, recursos estão sendo retirados da atenção básica ou da aquisição de uma medicação mais eficiente.

“Não existe mágica. Se o remédio custa 10 milhões, é preciso saber de onde vai vir esse dinheiro.” Apenas baseada na experiência clínica é praticamente impossível tomar decisões sobre a incorporação de novas tecnologias e novos remédios, segundo Marisa Santos. É preciso uma avaliação sistemática, incluindo a literatura médica, a extração de todos os dados e avaliação da qualidade dos artigos publicados sobre o assunto.

Para decidir sobre a eficiência de uma nova medicação que substituísse o atual Losartana, remédio para controle da pressão arterial considerado muito eficiente e disponibilizado pelo SUS, as decisões precisariam estar centradas em quatro eixos: na clínica médica, no paciente e nos fatores econômicos e impactos organizacionais. “Não adianta ter um equipamento fantástico como uma superlavadora de roupas e não conseguir comprar o sabão específico para usar no equipamento. Por isso, questões de logística são relevantes também”, afirmou a médica ao citar um caso vivenciado em um hospital onde ela trabalhou.

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Equilíbrio

O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê Executivo Nacional do Fonajus Giovanni Cerri não nega que a indústria farmacêutica trouxe um benefício enorme para a saúde com os medicamentos oncológicos, a tomografia computadorizada e as vacinas, entre outros. No entanto, acredita que ela estimula a incorporação de medicamentos e tecnologias que estão fora da sustentabilidade do sistema de saúde do país. “Mas para o paciente algo que melhora um pouco já é muito. Ou algo que prolongue a vida por seis meses, pode ser pouco para considerações sanitárias, mas pode ser muito para o paciente.”

Diante da complexidade do tema e do fato de que no Brasil os recursos para a saúde são escassos, Giovanni Cerri defendeu a necessidade de uma atuação sólida dos técnicos da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão de assessoramento do Ministério da Saúde, para estabelecer as vantagens e desvantagens da incorporação de determinada tecnologia no sistema de saúde público brasileiro.

Texto: Thayara Martins
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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