Tribunais preparam atendimento para indígenas da fronteira AM-RO

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Contando hoje com uma população de 1.989 indígenas, a etnia Waimiri-Atroari será atendida nos meses de fevereiro e abril de 2018 pelo projeto Justiça Itinerante com serviços disponibilizados, em regime de parceria, pelos Tribunais de Justiça do Amazonas (TJAM) e de Roraima (TJRR). No último dia 1º, juízes e servidores dos dois tribunais reuniram-se com lideranças da etnia na reserva indígena, situada na fronteira entre Amazonas e Roraima, para ouvir suas demandas e definir o rol de serviços que serão a eles disponibilizados.

A reunião ocorreu no Núcleo de Apoio Waimiri-Atroari (Nawa), localizado no quilômetro 258 da BR-174 (que liga Manaus-AM a Boa Vista-RR) e participaram o juiz coordenador do projeto Justiça Itinerante do TJAM, Alexandre Novaes; o magistrado coordenador do projeto do TJRR, Eirck Linhares, servidores dos dois tribunais, e aproximadamente 50 líderes indígenas.

No rol de serviços solicitados pelos waimiri-atroari e que serão atendidos pelo Poder Judiciário em parceria com outros órgãos – os Institutos Estaduais de Identificação, Capitanias dos Portos e outros -, deverão ser disponibilizados aos indígenas: expedição de certidões de nascimento, expedição de Rani (Registro de Nascimento de Indígena), expedição de RG, expedição de CPF, expedição de carteira de habilitação náutica, correção de documentos, dentre outros serviços cartoriais. Essa atividade, com a participação de todos os órgãos parceiros, é uma ação inédita para o Tribunal de Justiça do Amazonas. 

José Maria Warakaxi, waimiri-atroari da aldeia Paryry, disse que a disponibilização desses documentos será determinante para que seja superada a cultura de discriminação, que afeta a todos da etnia. “Somos discriminados por não possuir nossa documentação pessoal e gostaríamos de não ser. Essa discriminação surge quando precisamos nos dirigir à cidade para procurar um hospital e o serviço não é autorizado pela ausência de documentos; nas blitzes da Polícia Rodoviária quando pedem nossa identificação e em muitas outras situações”, revelou.

Warakaxi conta que, ou por desconhecimento (dos que pedem tais documentos) ou por discriminação, muitas portas são fechadas à população indígena. “Para preservar nossa identidade e origem, não gostaríamos de ter tais documentos, no entanto, precisamos deles. Em situações de extrema necessidade, pela falta de documentos, temos dificuldade para conseguir atestados de óbitos e já nos deparamos com pessoas nos exigindo, por exemplo, até certificado de reservista, o que é indevido. Com a devida documentação pessoal acreditamos que muitas portas se abrirão e que a discriminação será, em parte, superada”, disse Warakaxi.

O líder do território Waimiri-Atroari, Mário Parwé, residente da aldeia Xeri, reforçou que, de porte dos documentos de identificação, serviços públicos que hoje são negados devido à falta de documentação deverão ser disponibilizados de forma mais fácil. “Em especial, os serviços hospitalares, dos quais necessitamos em situações extremas. Esta é a primeira vez que receberemos este auxílio da Justiça e aguardamos com expectativa os resultados em prol de nosso povo”, comentou o líder, cuja esposa, na década de 1980 veio a óbito ao contrair sarampo.

A ação do Poder Judiciário em prol da etnia Waimiri-Atroari é um desdobramento do acordo de cooperação técnica assinado no dia 20 de outubro deste ano, na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo presidente do TJAM, desembargador Flávio Pascarelli, e pela presidente do TJRR, desembargadora Elaine Biachi, com a presença da presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, e por meio do qual as Cortes de Justiça dos dois Estados comprometeram-se a realizar ações integradas de atendimento judicial, voltadas para as populações que vivem na área de fonteira entre os dois Estados, incluindo indígenas e ribeirinhos.

A partir da reunião ocorrida com os waimiri-atroari, foram definidas as ações do programa Justiça Itinerante em terra indígena e serão realizadas em duas etapas: a primeira entre os dias 26 de fevereiro e 3 de março de 2018, em localização próxima à BR-174 – definida pela etnia como “eixo terrestre”; e a segunda etapa, entre os dias 2 e 7 de abril, em localização definida como “eixo fluvial”.

Nos dois períodos, o TJAM e o TJRR irão mobilizar aproximadamente 30 servidores, além de unidades móveis e aparatos eletrônicos para atender as demandas dos indígenas. 

O juiz coordenador do projeto Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Amazonas, Alexandre Novaes, informou que, ao realizar de forma inédita, o atendimento em território Waimiri-Atroari, a pretensão dos dois tribunais é fazer desta, uma ação perene. “Iniciaremos com este mutirão de atendimento no mês de fevereiro e anunciamos que nossa intenção é disponibilizar a eles o atendimento judicial de forma perene, com um calendário que permitirá, inclusive, que eles se programem para receber nossos profissionais. Nesse primeiro momento, devemos atender a demandas básicas mas, naturalmente, devemos orientá-los nos próximos retornos para questões um pouco mais complexas que serão tratadas por nossos profissionais com o mesmo rigor”, afirmou o magistrado.

Alexandre Novaes enfatizou o ineditismo do serviço programado para ocorrer em fevereiro e lembrou que, por orientação da gestão dos dois tribunais, a equipe de trabalho fez questão de reunir-se antecipadamente com as lideranças indígenas para ouvir o que eles, de fato, precisam. “A reunião precursora nos permitiu conhecer as demandas, carências, anseios e necessidades dos índios Waimiri-Atroari e serviu para projetar um amplo atendimento que oferecerá assistência jurídica de qualidade à população indígena”, afirmou.

O juiz Alexandre Novaes destacou, na oportunidade, a iniciativa das Presidências dos Tribunais de Justiça do Amazonas e de Roraima, frisando que, sem o senso de cooperação, o atendimento pretendido não seria possível. “Pelo fato da população viver na área limítrofe dos dois Estados, a cooperação é determinante para o sucesso do projeto que busca diminuir o histórico isolamento que essa população enfrenta”, lembrou.

Para o coordenador do programa Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), juiz Erick Linhares, ao realizar visita precursora à Terra Waimiri-Atroari e ouvindo suas lideranças, o Poder Judiciário prezou pelo diálogo e atenção aos pedidos. “Com a visita precursora foi invertida a lógica do atendimento. Sentados à mesma mesa, discutimos os serviços que serão oferecidos, a forma com que eles preferem ser atendidos e inclusive as datas por eles estabelecidas. Isso se chama ‘respeito’, com tudo sendo discutido em conjunto em um novo paradigma de trabalho e de afirmação da cidadania em todos os aspectos”, comentou o magistrado.

Erick Linhares, que foi eleito no último mês de novembro presidente do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje) também exaltou a parceria entre os dois tribunais. “Pois sem essa cooperação seria impossível, isoladamente, atender a integralidade desta comunidade. Esta cooperação, há de se frisar, é um instrumento importante que abre novas possibilidades de articulação, sejam elas na execução de atividades, como a que realizaremos em prol dos índios Waimiri-Atroari, seja com o compartilhamento de estruturas de trabalho, que daremos continuidade equipes mistas dos dois tribunais”, citou o magistrado, lembrando do trabalho do Justiça Itinerante em Roraima à frente de atendimentos aos povos indígenas que vivem na Reserva Raposa Terra do Sol, fronteira de Roraima com a Venezuela.

Organizados em 45 aldeias em uma área de 2.585.911 hectares, que compreende a região de fonteira entre os Estados do Amazonas e de Roraima, os indígenas Waimiri-Atroari podem comemorar hoje a retomada de seu crescimento populacional após um passivo de décadas penalizados pela ação do homem branco.

Conforme o coordenador Educacional do programa Waimiri-Atroari, Walter Blos, a população que hoje registra 1.985 indígenas, chegou a apenas 374 pessoas no ano de 1987. “Até a década de 1970, a população registrava aproximadamente 3 mil indígenas. A partir do primeiro contato (do homem branco), naquela época, com a construção da BR-174, da Hidrelétrica de Balbina e das obras da Mineração Taboca, registrou-se uma redução anual de aproximadamente 20% daquela população, com esta chegando a apenas 374 pessoas em 1987, ano em que foi fundado o programa Waimiri-Atroari, com medidas mitigadoras empreendidas pela Eletronorte e Fundação Nacional do Índio (Funai).

As ações envolvem, desde 1987, segundo Walter Blos, atividades de saúde (com imunização, saúde preventiva e odontológica, por exemplo); educação (com viabilização de alfabetização abrangendo a língua de origem); estímulo à produção agrícola (com ênfase em avicultura, caprinocultura, ovinocultura, piscicultura, coturnicultura); e artesanato; além do resgate de práticas culturais.

Fonte: TJAM