Projeto de incentivo à adoção tardia é reconhecido pelo Prêmio Innovare

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Sílvio e Fernanda pretendiam adotar crianças de até 4 anos, mas se encantaram com as irmãs Laura (esq) e Nicole durante encontro promovido pelo TJRS – Foto: Arquivo pessoal
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Aproximar a realidade de crianças aptas à adoção ao perfil definido pelos pretendentes. Esse é o desafio da iniciativa criada pela Coordenadoria de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (CIJ/TJRS) denominada “Dia do Encontro”. Com o objetivo de incentivar a adoção tardia, a ação já resultou na formação de 15 novas famílias, além de outras quatro em estágio de convivência. A prática foi vencedora do Prêmio Innovare 2020, na categoria Tribunal.

Com três edições já realizadas, o “Dia do Encontro” é uma tarde com brincadeiras, música e diversão, voltada à interação entre as famílias habilitadas e crianças e adolescentes aptos à adoção. Segundo a idealizadora do projeto, a desembargadora Denise Oliveira César, o objetivo é permitir que pretendentes e crianças possam se conhecer em um ambiente lúdico e se aproximar por meio de brincadeiras, para perceber afinidades.

Ao assumir a Corregedoria-Geral da Justiça, em 2018, a desembargadora decidiu incrementar as adoções tardias de crianças entre 10 e 17 anos de idade, grupos de irmãos ou crianças e adolescentes com deficiências. “Depois de visitar algumas casas de acolhimento e refletindo sobre a regra do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê que os habilitados mantenham contato com as crianças e adolescentes aptos a serem adotados, me convenci de que precisávamos criar a possibilidade de que a definição do perfil dos pretendentes se aproximasse da realidade das crianças”.

Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), o Brasil tem 30.468 crianças em acolhimento, das quais 5.067 podem ser adotadas. Dessas, mais de 2.800 têm mais de nove anos. No entanto, o perfil não é o mais procurado: a maioria dos pretendentes habilitados busca crianças até no máximo quatro anos, sem irmãos e sem deficiências, entre outras características.

O SNA, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2019, por meio da Resolução nº 289, trouxe algumas novidades em relação ao cruzamento de dados de pretendentes e crianças, a fim de ampliar a busca pelas famílias adotivas, além de trazer alertas para que os juízes e as corregedorias acompanhem todos os prazos referentes às crianças e adolescentes acolhidos e em processo de adoção, bem como de pretendentes. Com isso, há maior celeridade na resolução dos casos e maior controle dos processos, o que também favorece o incremento das adoções.

Apesar de todo o esforço, esse grupo de crianças mais velhas e com irmãos continua tendo pouca procura. “Enquanto tivermos uma criança ou adolescente apto a ser adotado sem família substituta, temos que nos empenhar em encontrá-la. O indesejável é que o adolescente passe a infância e a juventude esperando por uma família em uma instituição ou casa de acolhimento”, ressaltou a magistrada.

Dia do Encontro

Para reunir os participantes, a Coordenadoria de Infância e Juventude do Rio Grande do Sul entrou em contato com os pretendentes habilitados, explicando como seria o Dia do Encontro. Foram realizadas três reuniões preparatórias com as famílias. A ideia era sensibilizar os participantes a flexibilizar o perfil idealizado. “Tocou nosso coração o fato de o Judiciário se importar e promover esse encontro”, disse Fernanda Schreiber, participante da primeira edição e que se tornou mãe adotiva de duas crianças a partir da iniciativa. “Quando você se habilita à adoção, há uma parte impessoal ao definir as características da criança que espera encontrar. Mas quando se engravida, não se escolhe seu filho. A experiência do Dia do Encontro foi uma catarse para nós. Quando você abre o coração e deixa o amor te surpreender, você vê as carinhas das crianças e isso tem um impacto no seu julgamento e no que se pensa”, alegou.

As crianças e adolescentes também foram informados sobre a atividade e, se tivessem interesse, a participação deveria ser autorizada pelo juiz responsável. “Os resultados foram amplamente positivos, porque são adoções que não vinham acontecendo nos anos anteriores. Mas todas as práticas precisam de continuidade, porque os resultados positivos estimulam a participação e encorajam os demais”, ressaltou a desembargadora.

A 1ª edição do Dia do Encontro, ocorrida em outubro de 2018, possibilitou a aproximação entre 70 crianças e adolescentes aptos à adoção e 140 pretendentes habilitados e resultou em 24 manifestações de interesse na adoção de jovens participantes do evento.

A 2ª edição do Dia do Encontro, realizada em maio de 2019, possibilitou a aproximação entre 82 crianças e adolescentes aptos à adoção e 80 pretendentes habilitados e resultou em 13 manifestações de interesse na adoção de jovens participantes do evento. Da 1ª e 2ª edições decorreram nove adoções e o deferimento da guarda de uma criança.

A 3ª edição do Dia do Encontro, ocorrida em outubro de 2019, possibilitou a aproximação entre 107 crianças e adolescentes aptos à adoção e 89 pretendentes habilitados e resultou em 11 manifestações de interesse na adoção de jovens participantes do evento, das quais decorreu o deferimento da guarda de quatro crianças e adolescentes que se encontram em estágio de convivência.

Família

Casados há 15 anos, Fernanda e o marido Silvio saíram do Dia do Encontro impactados. A princípio, o casal aguardava por duas crianças de zero a 4 anos. Por isso, foram para a atividade pensando em apenas fazer as crianças felizes por um dia. Contudo, de acordo com ela, é impossível não ser confrontado com a realidade ao conhecer os pequenos pessoalmente. “Aquelas crianças que são só um número em um processo, passam realmente a existir quando você as conhece”, afirmou Fernanda.

Durante o evento, o casal se separou, para poder interagir com os participantes. De um lado do ginásio, Fernanda se encantou por Laura (11), enquanto do outro lado, Silvio encontrou Nicole (14). Só depois descobriram, com a ajuda da assistente social, que elas eram irmãs. “Naquele momento, formou-se uma família. Meu lugar no mundo estava ali. Foi arrebatador, divino. Saímos dali com a certeza de que tínhamos encontrado nossas filhas”, contou Fernanda.

Os Schreiber defendem que a dificuldade para adotar uma criança se deve ao padrão escolhido pela maioria dos pretendentes. “São os próprios pais que impõem esses anos na fila. Se as pessoas se dessem conta disso, a possibilidade de diminuir o número de crianças e adolescentes na fila de espera e de famílias se unindo seria muito maior”.

Fernanda acredita que o trabalho de divulgação e de incentivo à adoção tardia é importante para poder conscientizar os futuros pais. “Nossos filhos já estão aí. Fomos mudados pelo Dia do Encontro na nossa forma de pensar e sentir e, por isso, acho que é tão importante que iniciativas como essa existam tenham continuidade. É preciso dar visibilidade para essas crianças que ficam como números e acabam sendo ignoradas porque não são vistas”.

Próximas edições

Com a pandemia do novo coronavírus, a CIJ/TJRS não pôde realizar o Dia do Encontro em 2020, contudo, a Corregedoria estuda formas de dar continuidade ao projeto. Por enquanto, foram realizados encontros virtuais das famílias com a equipe técnica para divulgar a prática e contar os resultados obtidos.

Segundo a juíza-corregedora e coordenadora da CIJRS, o Judiciário possui outros projetos de incentivo à adoção tardia, como o aplicativo de celular “Adoção”, que foi mantido durante a pandemia. “Temos expectativa de voltar o evento presencial em 2021. Por enquanto, estamos fazendo reuniões preparatórias para o Dia do Encontro com os pretendentes, para trazer a ideia da aproximação”, afirmou Nara Neumann.

Prêmio Innovare

O Dia do Encontro foi vencedor na Categoria Tribunal do 17º Prêmio Innovare, entregue em dezembro de 2020. A premiação destaca as boas iniciativas da área jurídica, idealizadas e colocadas em prática por advogados, defensores, promotores, magistrados e por profissionais interessados em aprimorar a Justiça brasileira, facilitando o acesso da população ao atendimento.

Criado em 2004, o Prêmio Innovare vem trabalhando para identificar e colocar em evidência iniciativas desenvolvidas voluntariamente que trazem soluções inovadoras, ampliam a proximidade entre instituições jurídicas e a população e contribuem para o aprimoramento da Justiça brasileira. Ao todo, já foram premiadas 226 práticas, entre mais de 7 mil trabalhos, em diferentes áreas da atuação jurídica. Todas as iniciativas selecionadas são incluídas no Banco de Práticas do Innovare.

O Prêmio conta com o apoio de instituições parceiras que colaboram para a credibilidade e prestígio da premiação. Entre elas estão a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep),  Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Conselho Federal da OAB, Associação Nacional dos Procuradores de República (ANPR), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o apoio do Grupo Globo.

 

Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias