Oficinas de Pais em Goiás chegam ao 5º ano com 1,7 mil atendimentos

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Tribunal promove oficinas de parentalidade com apoio do CNJ desde novembro de 2013 (Aline Caetano/TJGO)

As inúmeras mudanças pelas quais a sociedade passou ao longo dos tempos incluem também as alterações nas organizações familiares, nas quais a ruptura da relação conjugal tem se constituído uma realidade cada vez mais presente. Justamente por essa razão, com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) desenvolve desde 4 de novembro de 2013, de forma ininterrupta, as Oficinas de Pais (denominadas Oficinas de Parentalidade) com a finalidade de difundir uma cultura de paz acerca das situações de conflitos advindos com o término da vida conjugal, minimizando, assim, as consequências para os filhos e os próprios envolvidos. O projeto, que tem como precursora em Goiás a juíza Sirlei Martins da Costa, já realizou quase 2 mil atendimentos (1.733) em 5 anos de existência.

No contexto brasileiro, os dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017) revelam que um a cada três casamentos termina em separação no País. Um balanço feito com dados do instituto entre 1984 e 2016 aponta que o número de dissoluções disparou com o passar dos anos. Em 1984, elas representavam cerca de 10% do universo de casamentos, com 93.300 divórcios. Essa correlação saltou para 31,4% em 2016 – com 1,1 milhão de matrimônios e 344 mil separações.

O levantamento aponta mais de 7 milhões de dissoluções registradas no País entre 1984 e 2016, ou 580 divórcios por dia, ante 29 milhões de matrimônios. No período, os casamentos subiram 17%, já os divórcios aumentaram 269%. Ao analisar os números alarmantes e, ao mesmo tempo, ressaltar a importância da Oficina de Pais, Sirlei Martins deixa claro que o Poder Judiciário não tem como dar uma solução definitiva para todos os casos, uma vez que as pessoas envolvidas nesses processos é que precisam encontrar a melhor solução por meio das orientações, da terapia familiar e do equilíbrio propiciados pelo projeto.

“Nós, como magistrados, damos a sentença, mas não resolvemos o conflito. As pessoas precisam estar preparadas para lidar com as adversidades, com os desentendimentos, naturais até quando o casal ainda está junto. Elas devem estar cientes de que é necessário preservar, sobretudo, a integridade psicológica e emocional da criança. Não são raros os momentos em que nos deparamos com situações em que os pais acabam procedendo de modo individualista. E, nos casos de separação conjugal, a Oficina de Pais procura reunir elementos que possibilitam a reflexão, tendo como objetivo a materialização da cultura de paz. A oficina propicia uma tomada de consciência das pessoas nas questões que envolvem união estável, divórcio. Muitas vezes mesmo estando num processo consensual, elas não têm consciência de quantas dificuldades irão aparecer. Por esse motivo, a oficina é uma importante ferramenta para preparar as pessoas no sentido de lidar melhor com a criação dos filhos após o divórcio”, observou.

Sobre a proposta de implantar as Oficinas de Parentalidade em Goiás, a juíza contou que em razão da coordenação na época do 2º Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc), esteve no Conselho Nacional de Justiça e participou de uma apresentação feita pela juíza Vanessa Aufiero da Rocha, do Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre o material relacionado às Oficinas de Parentalidade. Na sequência, conforme destaca, esteve presente a uma reunião promovida pela Associação de Terapia Familiar de Goiás (Atfago) e a partir daí surgiu a ideia de convidar esses profissionais para serem facilitadores das oficinas. “Embora o material nem tivesse sido distribuído pelo CNJ, consegui ter acesso a ele e demos então o pontapé inicial. Temos o grande privilégio de contar com terapeutas altamente preparados que lidam diariamente com questões de família. Realizamos todos os meses ininterruptos 1.733 atendimentos e os resultados não podiam ser melhores”, pontuou.

A seu ver, a oficina, além de levar a pessoa à reflexão, também oferece recursos para que ela crie alternativas de ação. Assim, segundo explicou a magistrada, é apresentada a necessidade dos pais elegerem focos de atenção, sobre si mesmos e sobre os filhos. “Estes focos contemplam a necessidade de procurar ajuda de especialista, uma vez que isto não implica em fraqueza, mas no fato de reconhecer que a partir disso poderá haver mudanças significativas na relação com o filho e o ex (a ex). Há casos em que os pais claramente dirigem comentários sobre o ex-parceiro (a) aos filhos, independentemente se são crianças ou adolescentes, sem a preocupação de estar incutindo no menor a imagem negativa do outro e, também, sem se dar conta de que essa atitude pode se voltar contra sua própria pessoa. Respeitar a criança é parte do foco. A proposta é de ter uma relação com qualidade com o filho e incentivar a relação com o outro”, acentuou.

Feedback positivo

Para a psicóloga clínica Ângela Baiocchi, atual presidente e fundadora da Atfago, terapeuta familiar e responsável pela execução do projeto desde o início, inclusive com o desenvolvimento e seleção de todo o conteúdo a ser apresentado durante as quatro horas de exposição aos participantes, o feedback desde a primeira oficina de pais é muito positivo. “Observamos uma mudança substancial na postura e no comportamento das pessoas que participam das oficinas de pais nas audiências e também acerca dos processos em que estão envolvidas, já que ficam mais abertas à conciliação. Essa transformação ocorre de dentro para fora e implica em uma verdadeira mudança das relações familiares na solução efetiva dos conflitos, onde a própria família é a protagonista da construção dessa nova história no pós-divórcio. Não podemos deixar de destacar a importância do momento em que os pais manifestam sobre suas histórias e sentimentos e mesmo a avaliação sobre as oficinas. São momentos riquíssimos em que se pode ouvir depoimentos, ou seja, os pais têm a oportunidade de socializar suas dúvidas, dificuldades e ensejos”, relata.

Ângela Baiocchi esclarece que os encontros são abertos para toda a comunidade e se constitui na oportunidade de sensibilização dos pais em relação aos filhos, que são afetados por atitudes, muitas vezes, praticadas sem serem pensadas. Por isso, não se espera que a participação na oficina provoque mudanças imediatas. “Compreendemos que a participação na oficina poderá oportunizar a curto, médio ou longo prazo, a possibilidade de os pais repensarem sobre suas ações. Notamos também que entre uma e outra oficina, o grupo de pais participantes tem aumentado. Está sendo comum, depois da primeira edição da oficina, que pessoas, voluntariamente, solicitem a participação, que também ocorre por recomendação judicial”, enfatizou.

Na opinião da psicóloga jurídica Graziella Mtanios Hanna, integrante da Atfago e que também atua há um ano na coordenação das oficinas, a necessidade de mudar o foco, de ter a visão ampliada no que tange ao período da pós-separação, é essencial para que a criança não se torne um “objeto de disputa de poder” entre os pais. “Em muitos casos, quando ocorre a separação ou divórcio, a prática cotidiana nos mostra que os casais apresentam discurso velado e, em outros expressos, de não desejar manter o diálogo com aquele com o qual conviveu. Deste modo, anulam o outro ou tecem comentários negativos sobre aquele com quem conviveu. Diante do litígio conjugal, é preciso que haja a distinção entre conjugalidade da parentalidade. Porém, compreender e vivenciar tal distinção não é tão simples assim. Desta maneira, as oficinas remetem a ações e instrumentos que podem auxiliar o ex-casal a buscar maneiras mais saudáveis de lidar com o término do relacionamento e garantir aos filhos um ambiente emocional mais acolhedor e capaz de preservar os vínculos parentais”, evidenciou.

Amplo leque de temas e alternativas

Durante as oficinas são apresentados vários temas como índice de divórcios, mudanças na organização familiar, guarda compartilhada e alienação parental. Um dos vídeos exibidos mostra o depoimento de uma jovem que vivenciou a separação dos pais e o quanto isso a afetou. Para clarear ainda mais, é retratada a comunicação não violenta, mostrando as várias formas de se vivenciar a mesma situação. Durante a oficina é tratado com os pais o tema da alienação parental, esclarecendo que não somente os genitores tem a capacidade alienadora, mas também outros familiares que convivem com a criança/adolescente. É ofertado um momento aos pais para expressarem seus sentimentos, relatarem suas histórias e solicitarem intervenção especializada para si e para o filho. A construção de alternativas pelas pessoas que vivenciam a situação coaduna com a justiça da pacificação, pois uma decisão proferida pelo terceiro, ou seja, pelo juiz, pode não satisfazer a todos e dar causa a outras ações.

Para a consultora *Emily Arantes, de 35 anos, que participa da Oficina de Pais pela terceira vez, as reuniões foram a “luz no fim do túnel” que ela tanto almejava. Em conflito com o pai do filho há 8 anos, a quem atribui forte prática de alienação parental, foi a Oficina de Pais que fez com que buscasse ajuda para ela e para a criança e repensasse a forma de lidar com a situação, dolorosa para todos. “A Oficina de Pais é um alento em meio a tantas tribulações. Meu filho adoeceu e eu adoeci junto com as constantes brigas que eu tinha com o pai dele. Procurei auxílio com uma terapeuta familiar e participo assiduamente das oficinas. Percebi que não estou sozinha nesta jornada. Tenho debatido e ouvido pais e mães com os mesmos sentimentos de desespero e medo. Percebi que o meu filho é um bem muito grande na minha vida. Hoje, ele não faz mais xixi na cama, está mais calmo, pois era muito agressivo, e eu também estou conseguindo passar por isso com maior tranquilidade. Espero que um dia, tudo fique em paz, de coração desejo isto para o meu pequeno”, emociona-se.

*A identidade da participante entrevistada foi preservada a pedido da mesma

Fonte: TJGO