Observatório dos Direitos Humanos: violência contra pessoas trans exige mobilização do poder público

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Desembargadora Carmen Gonzalez, ministra Rosa Weber e Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais na reunião do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (Antra) - Foto: Rômulo Serpa
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No decorrer do ano passado, foram registradas 131 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo que 65% dessas mortes foram motivadas por crimes de ódio com requinte de crueldade. Além disso, o país contabilizou 84 tentativas de homicídio. Os dados constam do Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2022, entregue à presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, pela secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Bruna Benevides, na sexta-feira (10/3), durante reunião do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODHPJ).

Ao apresentar o estudo, Bruna Benevides recorreu ao neologismo “necrotranspolítica” para classificar ações adotadas no Brasil contra pessoas transgêneros. “É a epidemia de violências e assassinatos contra pessoas trans brasileiras, exatamente por conta desse ciclo de violência que prossegue no Brasil sem respostas efetivas”, afirmou.

Acesse o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2022

Bruna, uma das coordenadoras da pesquisa, denunciou que as palavras de agentes públicos geram consequências reais. “São falas que se desdobram e institucionalizam a transfobia. Não podemos mais tolerar a naturalização desse discurso”. De acordo com a representante da Antra, ocorreram diversas tentativas de institucionalização de uma agenda antitrans.

Entre as violações de direitos sofridas pelas pessoas trans, estão negativa de reconhecimento e de emissão da identidade de gênero; negativa de uso do nome social; negativa de acesso ao banheiro feminino; cancelamento de corrida em aplicativo de transporte; xingamentos depreciativos; violência contra profissional do sexo; estupro ou violência sexual; tratamento degradante em espaço público; negligência médica ou omissão de socorro; violações por agentes de segurança pública; demissão motivada pela Identidade de gênero.

Segundo dados do levantamento, uma pessoa transfeminina (mulheres trans ou travestis) tem até 38 vezes mais chance de ser assassinada do que uma transmasculina ou não binária (quando a pessoa não se reconhece no gênero masculino ou feminino).

Outro dado que consta da pesquisa diz respeito ao total de assassinatos de trans no mundo (4.639), contabilizados, de 2008 a setembro de 2022, no projeto internacional Trans Murder Monitoring (TMM). O Brasil é o primeiro colocado, responsável por 37,5% (1.741) de todas as mortes; o México tem 649 (14%) e o EUA 375 (8%). Entre os anos de 2017 e 2022, período em que a Antra passou a fazer essa pesquisa, houve o total de 912 assassinatos contra pessoas trans ou não binárias no Brasil. Em 2022, foram 131 casos; 140 em 2021; 175 casos em 2020; 124 casos em 2019; 163 em 2018 e 179 casos em 2017 (o ano com o maior número de assassinatos de pessoas trans na série histórica). Para fins de comparação, a entidade levantou o número de trans assassinadas na Europa nos últimos cinco anos: foram 12, ao todo, em cinco países (Itália, Portugal, França, Espanha e Bélgica).

O Dossiê termina com uma série de sugestões voltadas a garantir direitos à população trans. Ao CNJ, o texto reforça a importância de ser aprovada normativa impondo a apuração e publicação periódica de dados sobre violência contra pessoas LGBTQIA+, com seus respectivos qualificadores, e o correto preenchimento dos campos orientação sexual, identidade de gênero e nome social – no caso de pessoas trans.

De maneira geral, o levantamento propõe a participação efetiva de pessoas trans em todas as ações do governo sobre direitos humanos. Na área da segurança pública e da Justiça, destaca a importância de se impedirem prisões pelo exercício das atividades relacionadas ao trabalho sexual, evitando a criminalização da atividade; defende o acolhimento de travestis e mulheres transexuais nos mecanismos e canais de atenção à mulher vítima de violência e orienta a garantia do uso do nome social e pronomes adequados no tratamento das pessoas trans e seus acompanhantes nas unidades de saúde, assistência social ou abordagens por agentes de segurança pública, entre outros.

Hoje, tramitam no Congresso Nacional 53 projetos de lei com objetivo de limitação ou exclusão de direitos dessa população, como acesso à saúde e uso de linguagem neutra. O relatório afirma que a identidade de gênero é fator determinante para esse tipo de violência. “A gente fala de morte para gerar vida. É preciso assumir compromissos e políticas públicas para reversão desse ciclo de violência.”

Cadernos de Jurisprudência

Na reunião, a primeira do Observatório em 2023, também foi lançado o “Caderno de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Concretizando Direitos Humanos – Direitos da Mulher”. A obra é composta por uma seleção de 13 decisões fundamentais para o combate à violência e à discriminação contra a mulher.

Acesse a íntegra do “Caderno de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Concretizando Direitos Humanos – Direitos da Mulher”.


Manuelita Hermes Oliveira Filha, Patrícia Perrone Campos de Mello, desembargadora Carmen Gonzalez, ministra Rosa Weber e Melina Fachin – Foto: Rômulo Serpa

A publicação é resultado de cooperação estabelecida entre o CNJ (por meio da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana), o STF (por meio da Secretaria de Altos Estudos) e o Max-Planck-Institute for Comparative Public Law and International Law. A iniciativa também contou com a contribuição de pesquisadores e pesquisadoras da Rede ICCAL-Brasil.

Ao falar sobre a obra, a professora da Universidade Federal do Paraná e pós-doutora em direitos humanos pela Universidade de Coimbra, Melina Fachin, que participou da coordenação dos trabalhos, destacou que ele foi desenvolvido a partir da lente do constitucionalismo feminista. “Essa coletânea é resultado do esforço colaborativo, e não poderia deixar de ser, porque os direitos humanos das mulheres se constroem no plural”, destacou.

A professora Patrícia Perrone Campos de Mello, que também participou da coordenação científica dos Cadernos de Jurisprudência, disse que a obra é o reconhecimento da importância do STF na concretização dos direitos fundamentais, principalmente de grupos vulnerados. “A seleção de decisões mostra também a tendência progressiva na Corte de diálogo com a jurisdição internacional”, apontou.

A secretária de Altos Estudos, Pesquisa e Gestão da Informação do Supremo, Manuelita Hermes Rosa Oliveira Filha falou sobre o processo de preparação e confecção da obra. “Os resultados nos alegram, pois revelam o diálogo do nosso país com o sistema interamericano e o diálogo entre instituições importantes como o STF, CNJ, o Instituto Max-Planck e a rede Rede ICCAL-Brasil”, finalizou.

Texto: Jeferson Melo
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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