A cidade de Xapuri/AC, símbolo da luta socioambiental na Amazônia, sediou nesta quinta-feira (26) a reunião do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODH/CNJ), promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A atividade integra a programação da Justiça Itinerante Cooperativa na Amazônia Legal, iniciativa do CNJ que ocorre simultaneamente em Xapuri/AC e Boca do Acre/AM até esta sexta-feira (27).
O encontro reuniu representantes do Judiciário, lideranças locais, organizações da sociedade civil e pesquisadores para debater questões urgentes da região, como a proteção ambiental, o uso e a regulação dos créditos de carbono, o desenvolvimento sustentável, os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, além de disputas possessórias e a judicialização de conflitos fundiários.

A juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Karen Luise de Souza, destacou a importância de realizar a reunião do Observatório em Xapuri, cidade historicamente marcada por conflitos e pela resistência dos povos da floresta. “É um território que carrega feridas abertas e, ao mesmo tempo, uma enorme potência de soluções baseadas na escuta qualificada. Recebemos denúncias e sugestões, inclusive sobre a situação dos seringueiros, das reservas extrativistas e dos pequenos produtores rurais”, afirmou.
Durante a reunião, foram abordados temas sensíveis como a comercialização de créditos de carbono, em especial quando envolvem áreas tradicionalmente ocupadas por populações locais, e a atuação do Poder Judiciário em ações possessórias e de usucapião na região. “As organizações trouxeram suas perspectivas sobre os impactos ambientais e sociais dessas disputas, apontando caminhos para o aprimoramento da atuação judicial no território”, explicou a magistrada.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Fabiane Pieruccini avaliou a reunião como um espaço enriquecedor de diálogo e aprendizado. “A cada edição do Observatório, aprimoramos a escuta e o intercâmbio de saberes. A troca com as comunidades locais permite uma compreensão mais profunda das realidades enfrentadas e reforça o compromisso institucional do CNJ com a efetivação dos direitos humanos”, destacou.
Participações e relatos

Juliana Radler, articuladora de políticas socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), entidade integrante do ODH/CNJ, ressaltou a urgência do fortalecimento das políticas climáticas, especialmente diante das pressões territoriais que recaem sobre os povos e as comunidades amazônicas. Atuando em áreas como São Gabriel da Cachoeira/AM e regiões de fronteira, Juliana relatou os riscos enfrentados por comunicadores e defensores de direitos humanos, sobretudo mulheres, no exercício de suas atividades.
Gumercindo Rodrigues, advogado, ambientalista que atuou com Chico Mendes desde os anos 1980, fez um alerta sobre as ameaças crescentes às reservas extrativistas, inclusive em Xapuri. Entre as preocupações, mencionou o avanço do desmatamento, a judicialização de ocupações antigas e o uso dos créditos de carbono, em contextos que excluem os modos de vida tradicionais. Ressaltou ainda a necessidade de desenvolver estratégias de proteção aos defensores de direitos humanos ameaçados, que não impliquem sua retirada dos territórios.
Héliton Kaxinawá, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), chamou atenção para a ausência de consenso entre os povos indígenas sobre os créditos de carbono e a pressão exercida tanto por entes estatais quanto por agentes privados, enfatizando ser um tema novo e que requer mais informação e tempo para reflexão. “Para projetos em terras indígenas, é fundamental garantir a consulta livre, prévia e informada. Não basta comparecer à comunidade e explicar o projeto sem assegurar suporte técnico qualificado para que as lideranças compreendam plenamente as implicações”, afirmou.
Nazaré Uchoa, agente comunitária de saúde, relatou ter sido criada na Reserva Extrativista Chico Mendes e alertou para a realidade socioeconômica das populações tradicionais. “Não é possível pensar em preservação ambiental sem pensar no ser humano. O que o governo oferece para que as pessoas possam viver ali com dignidade, sem precisar devastar a floresta para colocar gado?”, questionou. Ela destacou ainda que os pequenos produtores não têm acesso à mecanização e que, diante das dificuldades, “o caminho mais fácil acaba sendo derrubar, plantar capim e soltar o gado”.
Lucimara Cavalcante, da Associação Maylê Sara Kalí (ASMK), parabenizou o ODH/CNJ por cumprir seu papel de promover escuta ativa nos territórios. “É essencial que o Poder Judiciário reconheça e fortaleça a atuação de defensoras e defensores de direitos humanos em seus contextos locais, muitas vezes marcados por riscos e conflitos”, destacou. Gabriel Sampaio, representante da Conectas Direitos Humanos, também elogiou a iniciativa do CNJ ao promover um espaço institucional de diálogo e escuta.
Encaminhamentos e contribuições
Todas as pessoas podem encaminhar contribuições adicionais para apreciação do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODH/CNJ) até o dia 4 de julho, por meio do e-mail: direitos.humanos@cnj.jus.br ou pelo formulário disponível no site do CNJ. As sugestões serão consolidadas em relatório a ser publicado na página do Observatório e encaminhado aos conselheiros do CNJ e ao presidente do órgão, ministro Luís Roberto Barroso.
Sobre o Observatório
Criado em 2020, o Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário é composto por entidades da sociedade civil com reconhecida atuação em direitos humanos. Seu objetivo é subsidiar o CNJ na formulação de políticas judiciárias voltadas à promoção dos direitos fundamentais. Na atual gestão (2023-2025), sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, o Observatório atua com foco em três eixos: fortalecimento da eficiência judicial, proteção de grupos vulnerabilizados e estruturação institucional do Judiciário.
Com o objetivo de ampliar o debate sobre direitos humanos em âmbito nacional e promover maior aproximação com os diferentes territórios, o Observatório também desenvolveu a metodologia das reuniões itinerantes, formalizada pela Portaria CNJ n. 157, de 27 de maio de 2025. A norma prevê que o presidente do CNJ poderá convocar reuniões do Observatório fora do Distrito Federal, permitindo que os diálogos institucionais alcancem regiões marcadas por contextos sociais e ambientais complexos, como a Amazônia Legal.
Além disso, o Observatório passou a contar com o suporte técnico do Programa Justiça Plural (CNJ/Pnud), ampliando sua capacidade de articulação interinstitucional, bem como a sistematização de informações e a formulação de respostas mais efetivas às demandas sociais identificadas nos territórios.
Texto: Ana Moura
Edição: Beatriz Borges
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias