No Dia da Adoção, psicólogo analisa as barreiras impostas pela lei

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Em comemoração ao Dia Nacional da Adoção (25/5), o psicólogo Walter Gomes de Sousa, há 12 anos supervisor da área de adoção da Vara de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), fala sobre a sua experiência. A vara é responsável pelos processos de cerca de 400 crianças que vivem em 18 unidades de acolhimento no Distrito Federal e estão sob medidas de proteção, pois foi constatada a impossibilidade de permanecerem junto à família biológica.

A lei determina que os processos das crianças devem ser revistos a cada seis meses e cabe ao Estado concentrar esforços para reintegrar a criança à sua família – não sendo possível, a lei prevê a possibilidade de adoção. Das crianças que vivem em unidades de acolhimento no DF, 90 estão disponíveis para adoção.

Confira, a seguir, a entrevista concedida à Agência CNJ de Notícias.

Uma reclamação frequente dos pretendentes à adoção é à demora para conseguirem seus tão sonhados filhos. Por que demora tanto?

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que o prazo máximo para conclusão do procedimento de adoção é de 120 dias. No entanto, a lei não levou em conta a possibilidade de os genitores biológicos se valerem de recursos para se defenderem, já que nesse tipo de processo é facultado ao requerido o direito de contraditório. Os recursos muitas vezes chegam aos tribunais superiores, que levam um tempo maior para concluir o julgamento, o que muitas vezes se reflete potencialmente em prejuízo da criança, que se encontra em uma instituição de acolhimento. Além disso, a lei estabelece que se deve recorrer à adoção apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa, e todas as tentativas de reinserção na família natural devem estar justificadas no processo. No caso de dependência química dos pais, por exemplo, o retorno da criança fica condicionado ao tratamento do dependente. Da forma como está, a lei acaba superdimensionando a importância dos laços consanguíneos e subestimando o valor da família de laços socioafetivos.

Ou seja, mesmo que a família natural não tenha condições de acolher a criança, pela lei deve-se ficar tentando fazer que isso aconteça?

Isso. A lei acaba perpetrando um preconceito em relação ao próprio instituto da adoção, ao considerá-lo como uma medida excepcional quando todos os recursos foram esgotados. Além de medida derradeira, a família adotiva é retratada pela lei como família substitutiva, como se fosse de segunda categoria. O conservadorismo acaba imperando. Das 400 crianças que temos vivendo em unidades de acolhimento, apenas 90 estão disponíveis para adoção, as demais estão com tentativas de reintegração ainda em andamento.

Além da demora no processo de reintegração familiar, que faz com que as crianças acabem ficando muitos anos nos abrigos, persiste o problema da exigência, por parte dos pretendentes, por crianças mais novas?

Sim. Temos 90 crianças no DF para adoção e 480 pretendentes. No entanto, 70% das crianças disponíveis são pré-adolescentes ou adolescentes (acima de 10 anos, portanto), e não há nenhuma das 480 famílias no DF que aceita adotar crianças com esse perfil. Acabei de cadastrar, por exemplo, um garoto de 12 anos; não há ninguém habilitado para adotá-lo, nem aqui no DF nem no Brasil. Precisamos mudar a cultura de adoção no País. A Justiça respeita a preferência dos requerentes por crianças mais novas, porém as famílias que não são atendidas não podem culpabilizar o sistema de Justiça. Não podemos fabricar crianças para atendê-las. Hoje, 95% das famílias procuram o mesmo perfil, crianças com menos de dois anos, saudáveis, brancas ou morenas-claras, e sem irmãos, o que chamamos de o “perfil clássico”. Mas o que encontramos hoje nos abrigos são muitas crianças negras, acima de cinco anos, com irmãos e muitas vezes com problemas severos de saúde.

Neste mês, entrou em funcionamento o novo Cadastro Nacional de Adoção (CNA) da Corregedoria Nacional de Justiça, mais interativo com os juízes, que não precisam mais realizar buscas de crianças e pretendentes pelo País por conta própria, e cujo preenchimento de dados foi facilitado. Como o senhor avalia essa mudança?

A implementação do CNA é um divisor de águas, permitindo a obtenção de dados de adoção com mais fidedignidade em todas as comarcas do País. Além de obtermos um número geral nacional, conseguimos vislumbrar, com o cadastro, quais são as comarcas que mais adotam, o perfil das crianças e pretendentes, estatísticas que são muito importantes para orientar o Estado na criação de políticas públicas e campanhas de adoção. As mudanças recentes no CNA representam, na minha opinião, um avanço significativo em relação à economia processual. Hoje, o formulário eletrônico, que era muito extenso com mais de 50 itens, foi reduzido a 12 itens, um enxugamento muito pertinente. Ele está muito mais inteligente e contém apenas as informações que são de fato relevantes. Para o magistrado, isso é uma economia de tempo muito importante. Além disso, há a importante inovação com o dispositivo que sinaliza ao juiz a existência de famílias compatíveis com a criança que cadastrou. Antes, tínhamos que fazer uma consulta exaustiva no cadastro, um manuseio desgastante.

Como as gestantes que desejam entregar seus filhos à adoção devem fazer para não incorrerem em nenhum crime e assegurar a assistência à criança?

De acordo com o artigo 13 do ECA, qualquer gestante que queira entregar o seu filho à adoção pode fazê-lo com segurança e respaldo do Poder Judiciário. A gestante deve procurar a Vara de Infância, onde será atendida por uma equipe psicossocial e terá direito à assistência jurídica pela defensoria pública. Ela terá amparo jurídico e suporte psicológico em um espaço com a função de garantir a sua escuta. Nesse local, a gestante vai apresentar suas razões. Nesses casos, nós respeitamos a individualidade. De forma alguma ela será coagida a entregar ou a ficar com a criança. Respeitamos a decisão dela. A ideia é apenas proporcionar que ela reflita e encontre a melhor decisão para a vida dela e da criança. Em geral, essas mulheres apresentam características comuns que se repetem na maioria dos casos: sofreram a experiência de terem sido abandonadas pelas próprias mães, estão desempregadas ou em subempregos, não contam com ajuda de políticas assistenciais do Estado, já possuem uma numerosa prole sob a guarda de terceiros, e algumas possuem dependência química. Nesse último caso, tentamos encaminhá-las para tratamento, mas, sobretudo quando o vício é o crack, há muita resistência em aderir a qualquer tipo de programa de recuperação.

Há muitos casos no DF de gestantes que decidem pela adoção?

O número é muito reduzido devido à falta de informação. Em 2013, tivemos no DF 16 gestantes e 23 genitoras, ou seja, mulheres que não foram atendidas pela Justiça durante a gravidez, mas manifestaram o desejo de não ficar com a criança quando deram à luz em maternidades, e o Conselho Tutelar foi acionado. Em 2014, tivemos no DF 13 gestantes e 11 genitoras. Na representação popular, o Judiciário é uma instituição repressora, o que é um mito. Muitas gestantes, quando chegam até nós, choram copiosamente ao receberem tanto acolhimento. A última disse: “poxa, existe também a face afetiva da Justiça”. A Justiça também acolhe, procura compreender a dor e a história dessas mulheres. Das gestantes que nos procuram, metade delas, ao fim dos atendimentos, decide de fato pela adoção, enquanto outra metade desiste da entrega e opta por assumir o filho.

Este número pequeno seria porque a maioria dos casos ainda é de mães que entregam o filho a alguém sem conhecimento da Justiça?

Sim. Ainda acontece muito a chamada “adoção à brasileira”, ou seja, o registro indevido de uma criança como se filho biológico fosse. Muitas vezes essas entregas acabam se transformando em pedidos de guarda consensual em varas de família – alguns juízes acolhem o pedido, enquanto outros, mais conscientes do processo de adoção, entendem que houve uma burla ao cadastro. É preciso uma fiscalização rigorosa por parte do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares. Muitas vezes, esses acordos escusos se dão nas maternidades. Procuramos alertar as pessoas e as instituições do alto risco de entregar uma criança para um desconhecido. O melhor caminho é a adoção pelas vias legais, que garante que a família que receberá a criança tenha sido rigorosamente vistoriada por assistentes sociais e disponha de todas as condições de acolhê-la.

Em geral, por que as crianças vão parar em unidades de acolhimento?

A maioria dos casos envolve dependência química dos pais, violência sexual, física, mendicância, negligência, casos de omissão dos deveres e funções parentais.

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Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias