A judicialização da saúde tem sido monitorada e acompanhada desde a criação do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), há 15 anos. Com a missão de propor o desenvolvimento de políticas, ações e sistemas para qualificar as decisões judiciais referentes à saúde, o Fonajus ainda promove a articulação com outros órgãos públicos e instituições privadas. Esses anos de atuação serão celebrados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quinta-feira (24/4), durante a VII Jornada de Direito da Saúde.
Entre suas atribuições, o Fórum deve elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos e o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos na área da saúde, tanto pública quanto suplementar. Instituído pela Resolução CNJ n. 107/2010, o colegiado reuniu, desde então, diversos representantes que avaliam a crescente judicialização da saúde.
Essa entrada de novos processos de saúde é registrada periodicamente pelo CNJ. Até o final de fevereiro de 2025, por exemplo, a Justiça já tinha recebido mais de 90 mil novos processos de saúde e havia cerca de 870 mil processos aguardando julgamento. Segundo os dados do painel de Estatísticas Processuais de Direito à Saúde, entre 2020 e 2024, houve um crescimento de 92,86% no número de novos casos recebidos pelo Judiciário, saindo de 344.220 processos novos em 2020 para 663.864 no ano passado. Os casos de saúde pública tiveram um crescimento acima de 80% nesse período, enquanto a saúde suplementar mais que dobrou em quatro anos, registrando 112,4% de aumento.
Segundo a supervisora do Fórum, conselheira Daiane Nogueira de Lira, o CNJ está fazendo um levantamento para entender as razões do aumento de processos, especialmente em relação à saúde suplementar. “Quando estiver pronta, a pesquisa vai orientar o CNJ na formulação de políticas públicas judiciárias, que podem reforçar soluções alternativas de conciliação que tragam equilíbrio ao setor como um todo”, afirmou.
Para Lira, em seus 15 anos, o Fonajus consolidou-se como um fórum interinstitucional de diálogo e de cooperação entre os órgãos do sistema de justiça e do sistema de saúde. “Nesse espaço, várias políticas públicas judiciárias foram implementadas, com o intuito de qualificar a judicialização da saúde, tornando-a mais criteriosa e racional, de forma a equilibrar o direito à saúde e dar sustentabilidade ao sistema de saúde”.
Qualificação
O Fonajus também favoreceu a mudança na maneira como o Judiciário aborda as demandas de saúde. Para a ex-conselheira do CNJ, Deborah Ciocci, que foi a primeira supervisora do Fórum, entre os anos de 2013 e 2015, o Fonajus surgiu como resposta ao elevado número e à ampla diversidade dos litígios de saúde e ao forte impacto das decisões judiciais sobre os orçamentos públicos. “Sua criação representou um marco, proporcionando um espaço de diálogo e colaboração entre magistrados, profissionais da saúde e gestores do sistema”, afirmou.
Além disso, antes do Fonajus, havia uma grande heterogeneidade nas decisões judiciais, muitas vezes baseadas em interpretações individuais e sem o devido suporte técnico-científico. “Uma das mudanças mais notáveis foi a consolidação de estruturas especializadas, como o próprio Fórum, a posterior estruturação dos comitês estaduais de saúde e o respaldo técnico dos Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário (NatJus)”, contou Ciocci.
Fato é que a judicialização possibilita a concretização do direito à saúde — quando o SUS ou o prestador do serviço de saúde privado descumpre suas obrigações constitucionais ou legais. Mas, atualmente, o Judiciário está preparado para “decidir todos os casos concretos com qualidade, celeridade e equidade, sempre baseado em evidências científicas e na legislação atual”, conforme explicou o ex-conselheiro Richard Pae Kim.
Responsável pelo Fonajus entre 2021-2023, Pae Kim também destacou que a utilização de dados precisos sobre a judicialização da saúde em cada estado, associada à prática de um diálogo qualificado com os parceiros da Justiça e os gestores da saúde pública e suplementar, pode contribuir para evitar novas demandas. “O estabelecimento de fluxos de cumprimento de decisões judiciais e a fixação de estratégias, como a aprovação dos enunciados do Fonajus, pretendem dar melhor atendimento à população — o que evita a judicialização — e são, sem dúvida, caminhos democráticos para uma gestão da Justiça e da saúde da população”.
À frente do Fonajus entre 2019 e 2021, a ex-conselheira Candice Jobim Lavocat Galvão disse que o Fórum deu um impulso favorável à resolução das questões de saúde. Para ela, o embasamento em evidências técnico-científicas, permitidas pelas notas técnicas e pelas revisões sistemáticas dos NatJus, trouxeram mais segurança à resolução dos casos. “Obter informações de uma equipe técnica demonstra a urgência, a necessidade e a segurança do tratamento demandado. Além disso, em situações semelhantes, as decisões seguem um mesmo resultado”, destacou.
E-NatJus
Lançado em 2017, o sistema e-NatJus foi criado para ser um banco de dados nacional que abrigaria os pareceres técnico-científicos (chamados atualmente de “revisões sistemáticas”) e as notas técnicas elaboradas com base em evidências científicas, a partir do pedido de juízes e juízas responsáveis pelas demandas de saúde.
Desenvolvido pelo Fonajus em parceria com o Ministério da Saúde, o sistema continua em constante evolução. De acordo com o ex-conselheiro Arnaldo Hossepian, os magistrados e as magistradas podem preencher um formulário eletrônico para pedir uma nota técnica ou mesmo consultar se há jurisprudência para algum evento. “A base de dados do e-NatJus foi muito ampliada nos últimos anos”, ressaltou. Atualmente, o sistema reúne todas as notas registradas tanto em âmbito nacional quanto estadual. São documentos que trazem orientações técnicas sobre medicamentos e/ou procedimentos que tenham ou não reconhecimento do SUS e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Esse material serve para embasar decisões judiciais nessas questões. Hossepian, que supervisionou o Fonajus nos anos de 2016 a 2019, ressaltou também que houve um trabalho de sensibilização junto à magistratura para o uso do e-NatJus. “O projeto foi muito bem-sucedido. Mostramos que foi um investimento que trouxe resultados para a estruturação da saúde, sem desestabilizar o sistema de financiamento”.
Recentemente, o STF aprovou as Súmulas Vinculantes n. 60 e 61, que definem os critérios para o fornecimento de medicamentos de alto custo pelo Estado. Os dispositivos se referem aos Temas 1234 e 6, que consolidam as diretrizes para a análise e a concessão de medicamentos de alto custo e incorporados ou não ao Sistema Único de Saúde (SUS). As súmulas também estabelecem que todas as decisões judiciais devem estar amparadas por notas técnicas. “O processo de sensibilização se consolida quando o STF diz que ter uma informação técnica é uma garantia de melhor jurisdição”, afirmou Hossepian.
Esse avanço também se reflete nos números. Em 2024, o aumento de solicitações de notas técnicas no âmbito do e-NatJus chegou a 40%. Para a conselheira Daiane Nogueira de Lira, isso demonstra a “maturidade da magistratura em decidir com base em evidências científicas, o que dá segurança jurídica não só para o paciente, mas também para aqueles e aquelas que vão proferir suas decisões em área tão sensível, como é o direito à saúde”.
Para a comemoração dos 15 anos do Fonajus, estarão presentes o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso; o ministro do STF Gilmar Mendes, que instituiu o Fórum durante sua gestão à frente do CNJ; e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. A solenidade será transmitida pelo canal do CNJ no YouTube. Durante a VII Jornada de Direito da Saúde também serão votadas as novas propostas de enunciados do Fonajus e as sugestões de revisão de orientações anteriores. Confira a programação completa.
Texto: Lenir Camimura
Colaboração: Henrique Valente
Infográfico: Jéssica Vasconcelos
Edição: Geysa Bigonha
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias