Experiência argentina em mediação de conflitos é apresentada à magistratura brasileira

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1º Seminário Brasil e Argentina de Métodos Participativos de Solução de Conflitos - XI Fonamec - Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
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Com mais de 25 anos de experiências no uso de soluções adequadas de conflitos, representantes do Ministério de Justiça e Direitos Humanos da Argentina apresentaram a experiência para mostrar a magistrados e magistradas brasileiras como a prática da conciliação e da mediação mudaram o cenário judicial do país vizinho.

“Os argentinos são os nossos vizinhos mais competentes no que se refere à conciliação e mediação. Temos muito a aprender com eles”, destacou o desembargador José Carlos Ferreira Alves, coordenador dos cursos de métodos autocompositivos de solução de conflitos da Escola Paulista da Magistratura (EPM) e presidente do Fórum Nacional da Mediação e Conciliação (Fonamec).

No Brasil, desde 2016, com o novo Código de Processo Civil, antes de se iniciar um processo judicial, as partes são convidadas a tentar uma conciliação. O convite não é obrigatório e caso não haja interesse, a ação segue o curso litigioso normalmente. Por outro lado, na Argentina, a conciliação prévia é obrigatória. Se não houver a comprovação de que as partes participaram de uma tentativa de negociação, o processo judicial não segue. Essa é uma das diferenças entre as metodologias usadas nos dois países.

Durante encontro on-line, realizado na última sexta-feira (16/7) como parte da programação do XI Fonamec, Andrea Lapasset, coordenadora da equipe de relações institucionais do Ministério de Justiça e Direitos Humanos da Argentina explicou que, em seu país, o acesso à Justiça é visto como um direito fundamental, assim como o direito ao trabalho, à saúde e à educação. Ela lembrou que, em 1995, foi iniciado um projeto piloto de solução pacífica de conflito, voltado para litígios de família. A iniciativa, que estava prevista para durar cinco anos, acabou sendo prorrogada indeterminadamente pelo Congresso em 2010.

Outra diferença entre os modelos brasileiro e argentino é que, para atuar como conciliador ou conciliadora no país vizinho, a pessoa tem que atender a uma série de requisitos como, ter 10 anos, no mínimo, de experiência como advogado ou advogada, fazer um curso preparatório, prestar exame admissional e, anualmente, passar por capacitação. “Fazemos isso para formar os profissionais em técnicas que queremos reforçar”, explicou Silvia Germán, responsável pela equipe de relações institucionais no Ministério da Justiça argentino.

Além do treinamento, quando os profissionais se cadastram, ganham um número de registro. No Brasil, a Lei de Mediação permite que a pessoa tenha qualquer área de formação com dois anos de atuação e exige um curso de aperfeiçoamento em qualquer instituição de ensino reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) ou pelos tribunais.

As funções de mediação e conciliação no Brasil são diferenciadas. De acordo com o CPC, profissionais de conciliação devem atuar, preferencialmente, nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, sugerindo soluções para o litígio. Já o mediador ou mediadora atua, em regra, nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando-as a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que elas mesmas possam propor soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Na Argentina, não existe essa diferenciação.

Pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica contam com centros gratuitos de prevenção e solução de conflitos na Argentina. Germán contou que, entre esse público, 85% da mediação são de assuntos de família. Outro destaque é a criação de uma rede de mediadores com foco em perspectiva de gênero. Somente no primeiro semestre de 2021, foram conciliados quase 81 mil casos, de acordo com as especialistas.

Política judiciária

No Brasil, foi com a publicação da Resolução CNJ n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse, que a solução consensual de conflitos se tornou efetivamente uma política pública. Entre outras determinações, a norma prevê que os tribunais implementassem Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemecs).

Os Núcleos são responsáveis pelo desenvolvimento da política nos estados e pela instalação e fiscalização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Esses Centros, por sua vez, são as “células” de funcionamento da política, nas quais atuam conciliadores, mediadores e outros facilitadores de solução de conflitos, bem como servidores do Judiciário, aos quais cabem a triagem dos casos e a prestação de informação e orientação aos jurisdicionados para garantia do legítimo direito ao acesso à ordem jurídica justa.

Os Cejuscs originaram de experiências anteriores, entre elas a Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei n. 7.244/1984), posteriormente aprimorada pela Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/1995). Essas experiências, além de trazerem a mediação para o processo, permitiram a utilização tanto desse método quanto o da conciliação em fase pré-processual, evitando a judicialização de conflitos.

De acordo com o conselheiro do CNJ Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, que é presidente da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos, o órgão tem buscado estimular a cultura da solução pacífica, assim como também buscado a difusão de boas práticas. Ele citou o Prêmio Conciliar é Legal e as Semanas Nacionais da Conciliação como ações consolidadas em prol da cultura da pacificação social. “O Conselho Nacional de Justiça tem uma política consolidada, com diversos projetos ainda pela frente, com um grupo enérgico de pessoas trabalhando para mudar a cultura de judicialização do brasileiro. Ainda estamos engatinhando, mas em breve alcançaremos os nossos vizinhos argentino.”

Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias