Especialistas debatem impacto econômico da pandemia entre as vítimas de violência

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Violência doméstica - Foto: Arquivo
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As consequências da violência psicológica e os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus na vida das vítimas de violência doméstica foram os temas dos debates do terceiro dia da reunião do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica (Fonavid), ocorrido nesta quarta-feira (21/10) de maneira virtual, com o apoio do Conselho Nacional de Justiça, que se estende até sexta-feira (22).

“A pandemia agravou todas as condições socioeconômicas que alcançam as mulheres brasileiras. Prejudicou o acesso ao mercado de trabalho, reduziu rendimentos, aumentou a sobrecarga de afazeres domésticos, e intensificou o grau de violência doméstica a que estavam submetidas”, afirmou Flávia Oliveira, comentarista da GloboNews e representante da ONG Anistia Brasil. A jornalista foi uma das participantes do painel “Perspectivas na economia pós- pandemia e a mulher em situação de Violência Doméstica no mercado de trabalho”.

Flávia desenhou as dificuldades que as mulheres, em especial, vêm carregando este ano, e reforçou a importância da Justiça nesta agenda. “O Judiciário tem papel fundamental, não apenas em relação aos encaminhamentos de medidas protetivas, mas também por meio do combate à impunidade contra os réus feminicidas, assim como no eixo trabalhista”, disse.

De acordo com a jornalista, o trabalho da Justiça brasileira – no sentido de protocolos, orientações e termos de ajustes de conduta, em parcerias com defensorias, ministérios públicos e a sociedade civil — será fundamental nos próximos meses, para aplacar o ambiente de aguda desigualdade de gênero a que as mulheres brasileiras, em especial as negras, estão submetidas.

O especialista e professor de economia José Raimundo Carvalho ressaltou que os desafios sempre enfrentados pelas mulheres para se inserirem no mercado de trabalho atingem de maneira diferente homens brancos e negros, assim como mulheres brancas e negras. “As mulheres que vivem a violência doméstica tendem a ficar menos tempo no emprego e a ficar mais tempo desempregadas. O país deixa de ganhar 1 bilhão de reais por absenteísmo causado pela violência. Esse é um assunto que precisamos conhecer, para poder tratá-lo de maneira assertiva”, afirmou.

A filósofa e advogada Regina Célia Barbosa, do Instituto Maria da Penha, apresentou um delicado retrato de muitas mulheres que dependem de seu próprio trabalho para colocar comida na mesa da família, sofrem violência psicológica e moral no trabalho e no relacionamento, mas minimizam a dor e o sofrimento por medo de perder seu meio de subsistência. “O índice de sofrimento mental está aumentando claramente”, disse.

A rede Magazine Luíza, chefiada pela empresária Luiza Helena Trajano e apoiadora do Fonavid, exibiu um vídeo institucional apresentando o trabalho que a empresa fez para apoiar as colaboradoras que estejam passando por algo semelhante. O canal interno – em que todas as funcionárias e funcionários podem denunciar ou informar sobre casos de violência e assédio – é um exemplo de sucesso no que se refere ao comprometimento da sociedade civil com a causa da violência.

“A manifestação da violência doméstica contra as mulheres sob diferentes olhares: Violência psicológica, decorrente de acusação de alienação parental e aspectos sociais” foi o tema do segundo painel da noite. A psicóloga, professora da PUC/RJ, e especialista em sexualidade humana Maria Cristina Werner falou sobre a variação de violências psicológicas e morais comuns em relacionamentos abusivos e mostrou o quanto esses comportamentos são nocivos à mente humana. “Xingamento, depreciação, interrogatório da insegurança são torturas psicológicas que abalam as estruturas emocionais da mulher. Por que será que temos mais mulheres vítimas de transtornos emocionais? Os neurotransmissores, se mexidos, impossibilitam a pessoa de lidar com problemas. Ela perde o discernimento”, disse.

A psicóloga revelou que mulheres vítimas de violência em geral apresentam problemas crônicos, como asma, hipertensão, gastrite, diarreia, ansiedade e outros transtornos ligados ao estresse crônico emocional.

Alienação Parental

A especialista em perícia psicológica forense e violência sexual contra crianças e adolescentes, a psicóloga gaúcha Sônia Rovinski foi enfática ao falar dos danos da alienação parental. “Quando existe alienação parental, não existe violência real”, disse. Segundo ela, nem sempre a rejeição da criança contra um dos pais é fruto de ação do outro genitor, muitas vezes são reações emocionais das crianças, provocadas pelo divórcio. “Às vezes, elas se alinham à mãe porque ela está numa situação mais fraca. Também há uma questão de faixa etária e de gênero que pode gerar, durante algum tempo, algum tipo de alinhamento especial. Isso é normal”, disse.

No entanto, ponderou, o índice de alienação nas varas de violência contra a mulher é grande e se dá principalmente por parte do autor de violência doméstica, que alienam os filhos contra a mãe. “Os homens ameaçam as mães com seus filhos. Negligência é a questão mais citada em tribunais. Eles desqualificam a capacidade da mãe. Temporariamente, elas até podem estar incapazes, mas pode ser que isso seja porque ela está precisando sair da relação violenta e voltar a viver, respirar”, explicou.

Para ela, a prevenção é a melhor saída: é preciso que esses pais cursem oficinas de parentalidade, oficinas de divórcio, que tenham uma visão sistêmica da situação. É imprescindível que mães, pais e crianças sejam periciados por pessoal qualificado no Poder Judiciário.

A juíza Shirlei de Oliveira Hage Menezes, da Vara de Violência do Acre (TJAC), que coordenou o painel, reforçou a necessidade de os tribunais fortalecerem as equipes multidisciplinares. “A maioria não conta com esse apoio. Os servidores precisam ser em número suficiente e qualificados para fazerem o trabalho de atender essa mulher, essa criança, de entender o que estão passando para que possam receber um atendimento digno. Elas chegam despedaçadas. Lembro de uma mulher que me disse queria apenas se deixada pelo seu ex-companheiro num cantinho, para ela morrer em paz. Isso é um horror e está em nossas mãos fazer algo”, afirmou.

Por fim, a assistente social Bruna Woinorvski de Miranda, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que trabalha atualmente na Vara de Crimes contra Crianças, Mulheres e idosos de Ponta Grossa, abordou a complexidade da violência, suas causas históricas e culturais. “Ela está ainda mais presente contra mulheres negras e empobrecidas, recortes específicos e que impactam no maior ou menor grau de violência.

Para ela, o Poder Judiciário tem a capacidade de agir nesse campo, orientando, encaminhando famílias, mulheres, homens e crianças. “Mandem fazer uma busca ativa, ver se tem drogadição ou alcoolismo; ou transtorno mental. Encaminhem para um serviço; ofereçam uma saída. Acredito na mudança. Somos agentes públicos e podemos oferecer um serviço de qualidade, humanizado e integral”, finalizou.

O Fonavid continua até o dia 23 de outubro. Neste ano, os participantes do encontro estão debatendo os desafios no enfrentamento de duas pandemias do século XXI: a violência contra a mulher e a Covid-19. As palestras são abertas ao público e as oficinas restritas a magistrados e magistradas e às equipes multidisciplinares dos tribunais. Confira aqui a programação completa.

Regina Bandeira 
Agência CNJ de Notícias