Violência contra a mulher é inaceitável, defende Fux

Você está visualizando atualmente Violência contra a mulher é inaceitável, defende Fux
Foto: Gil Ferreira/CNJ
Compartilhe

“Devemos rejeitar a tese machista do crime passional. A lógica perversa de que a mulher deu causa ao problema também deve ser abandonada, na medida em que revela um profundo machismo estrutural ainda existente numa sociedade digital, evoluída, contemporânea”, defendeu nessa segunda-feira (19/10) o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux. Ele participou da abertura do XII Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica contra a Mulher (Fonavid).

“É inaceitável a violência contra a mulher. Parafraseando Jean Paul Sartre, a violência, independentemente da maneira como ela se manifesta, por si só é uma derrota”, ressaltou Fux, que reforçou seu engajamento às ações de julgamento e punição de atos que vão de encontro à vida das mulheres brasileiras.

O ministro ressaltou que o primeiro eixo de sua gestão é a proteção dos direitos humanos, temática em que se insere a proteção às mulheres. Por isso, o CNJ já aprovou dois atos nos últimos dias que contribuem para o enfrentamento da violência doméstica e familiar. “Não podemos ouvir calados que o Brasil é o pior lugar para uma mulher viver. Temos o dever de modificar essa situação. Magistrados do Brasil, contem comigo nesta luta.”

A Resolução nº 346/2020 define que os oficiais de Justiça devem cumprir os mandados referentes a medidas protetivas de urgência em 48 horas. Além disso, também regulamenta as formas de comunicação com a vítima sobre atos processuais referentes ao autor da violência, especialmente sobre ingresso e saída da prisão.

Já a Recomendação nº 79/2020 destaca a necessária sensibilização e capacitação de juízes que trabalhem em unidades com competência para aplicar a Lei Maria da Penha. Os tribunais deverão promover, no prazo máximo de 120 dias, a qualificação em direitos fundamentais, com perspectiva de gênero.

Justiça pela Paz em Casa

A conselheira do CNJ Maria Cristiana Ziouva, coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica, agradeceu a oportunidade de coordenar as 17ª e 18ª edições da Semana Justiça pela Paz em Casa durante o encontro nacional. “Fazer a 17 e 18ª junto com vocês, do Fonavid, para que nós pudéssemos conversar com os juízes da violência durante o Fórum, tem sido muito importante.”

Ela destacou o desafio das equipes do Judiciário que atuam diariamente com a violência contra a mulher. “Tenho enorme admiração por todos que trabalham com essa chaga. Peço a vocês que tenham muita sensibilidade e coragem para lidar com essas mulheres e suas famílias, submetidas a tanta violência. Eu não tinha ideia do quanto era difícil atuar nessa matéria. Peço a todos – magistrados e equipes – que nunca desistam de trabalhar por um país melhor para todas nós.”

Pandemia

A jurista Flávia Piovesan, integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), afirmou que a pandemia do novo coronavírus ampliou a violência no continente, com recorte de gênero e raça. “A Covid-19 acentuou os desafios estruturais dos países. Há um impacto desproporcional da letalidade nos grupos e pessoas em vulnerabilidade. O vírus não é discriminatório, mas seu impacto o é.”

Flávia é uma das advogadas que levou o caso da bioquímica Maria da Penha, em 2002, à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Essa batalha judicial colocou o país na situação de réu e obrigou o Brasil a modificar a legislação e punir o autor da violência contra Maria da Penha.

Para ela, os países precisam fortalecer as redes comunitárias, expandir os canais de denúncia e agir com criatividade e assertividade para promover mudanças culturais. “A violência e a discriminação se baseiam em relações assimétricas, construídas de maneira desigual. Precisamos exigir mudanças e elas passam pela educação, pela capacitação e sensibilização de agentes de segurança. Somos metade da população mundial. A outra metade, são nossos filhos.”

A jurista recomendou algumas ações para se enfrentar a pandemia da violência: dar visibilidade a essas violações, incorporar as perspectivas de gênero em todos os esforços de trabalho e educação e fomentar mudanças culturais paradigmáticas. “Nós, como sociedade, precisamos sentir total repúdio a essas violações.”

Mulher e juíza

A presidente do Fonavid, juíza Jacqueline Machado, lembrou situações comuns pelas quais as mulheres passam em suas vidas. “Ser mulher no Brasil é lidar com as dores do parto, sofrer violência obstétrica e ainda ouvir que licença maternidade é um privilégio. É ter sua eficiência cobrada no mesmo nível que os homens, mas ter dupla ou tripla jornada. É ser mais de 70% da força de trabalho do combate à Covid-19, mas não ser reconhecida como tal.”

Jacqueline ainda ressaltou que as violações de direitos das mulheres no país são crescentes. “Ser mulher no Brasil machuca, é difícil e é perigoso. Principalmente ser você for menina, pobre, negra, migrante, trans. Muitas ousaram dizer suas verdades e exigir sua liberdade. E estão mortas. Seus filhos estão órfãos. Ser mulher no Brasil é como estar em guerra civil permanente.”

Segundo ela, ser magistrado de violência doméstica em um dos países que mais viola direitos humanos é um desafio. “Ser juízes dessa área é contribuir para a promoção de vida das mulheres, é acreditar e ter empatia pelas dores físicas e da alma. É trabalhar em prol de uma casta de vulneráveis.  É gritar a voz das silenciada. É lidar com seus próprios medos e preconceitos. É desconstruir. É trabalhar de forma coletiva e engajada.”

A desembargadora Salete Silva Sommariva, presidente do Colégio dos Coordenadores das Coordenadorias de Violência Doméstica dos Tribunais de Justiça (Cocevid), e a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, também participaram da abertura do encontro. Apenas no primeiro dia, o Fórum teve a participação de mais de 2 mil magistrados, especialistas e autoridades do Sistema de Justiça.

O Fonavid foi criado em 2009 e é um espaço de troca de experiências, orientações e diretrizes voltadas à aplicação da Lei Maria da Penha no âmbito do Sistema de Justiça. Um dos principais papeis do fórum está na uniformização de procedimentos e ações das varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher. O evento segue até sexta-feira (23/10) e vai contar ainda com palestras, debates e trocas de experiências. A maior parte da programação é aberta ao público.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

Ouça o boletim na Rádio CNJ