Colaboração entre cartórios e outras instituições contribui para combater lavagem de dinheiro

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O painel 2 do Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo. FOTO: G. Dettmar/Ag. CNJ
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Os ajustes necessários para a maior efetivação da política de prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro com a atuação de notários e registradores e a capacitação desse segmento para identificação de atividades atípicas foram alguns dos pontos destacados durante o segundo painel do Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo. O evento, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reuniu especialistas sobre o tema nesta terça-feira (7/11).

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Os painelistas abordaram o aprimoramento das comunicações de operações atípicas à Unidade de Inteligência Financeira pelos serviços notariais e de registro. A mesa foi presidida pelo ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele lembrou que o tema deve ser evidenciado e as boas práticas precisam ser conhecidas e disseminadas pelo Poder Judiciário.

Para o sucesso desse trabalho, a identificação de atividades ilícitas passa também pela melhoria da atuação de órgãos de controle, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que possui papel estratégico no combate à lavagem de dinheiro, segundo o corregedor-geral de Justiça da Bahia, desembargador José Edvaldo Rocha Rotondano. Ele lembrou que o Provimento n. 88/2019, da Corregedoria Nacional de Justiça, ao dispor sobre os procedimentos e os controles a serem adotados pelos notários e registradores para prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro, representou avanço no fluxo de informações à disposição dos órgãos. “Porém, a quantidade de informações nem sempre é acompanhada de qualidade”, ponderou.

O desembargador detalhou que o provimento prevê o dever de tabeliões e registradores comunicarem operações com elementos que possam caracterizar os delitos à unidade de inteligência financeira (UIF). No seu entender, o ato normativo não deixa claro o que pode ser atividade atípica. “O procedimento utilizado não parece ser uma forma prática, segura e impessoal”, disse.

Para exemplificar os desafios ao atendimento do provimento, ele ilustrou com um caso que acompanhou na Comarca de Guanambi, no sudoeste baiano. No município, comerciantes locais e uma senhora identificada como dona de casa e pensionista do INSS estavam adquirindo imóveis com valores entre R$ 40 mil e R$ 70 mil.

O desembargador disse que a serventia deixou de informar sobre a atípica venda de imóveis. “Durante a correição, verificamos que o cartório de imóveis não estava adaptado ao Provimento 88, as recomendações do ato normativo não eram seguidas, havendo omissão da delegatária em comunicar os fatos aos órgãos de controle”, expôs. A conduta da delegatária provocou a abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

A experiência aponta, conforme o desembargador, que a norma é cumprida de forma heterogênea entre as unidades da Federação e, em alguns casos, gera números excessivos de comunicações, dificultando a efetividade do controle dos ilícitos penais.

Para melhorar a efetividade do provimento, com avanço técnico, ele defendeu a qualificação das serventias, resultando em comunicações mais assertivas e precisas. Rotondano também destacou a necessidade do envolvimento das corregedorias dos tribunais de Justiça, devido à sua capilaridade e proximidade com as atividades finalística desempenhadas pelos cartórios.

Informações centralizadas

As atividades atípicas nem sempre são possíveis de serem identificadas pelos notários e registradores, contrapôs o tabelião do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante (DF) e presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção do Distrito Federal, Hércules Alexandre da Costa Benício.

Hércules lembrou que, até 2020, tabelionatos de protestos não faziam parte da Avaliação Nacional de Risco de PLD/FT (ANR), que identifica e cataloga os maiores riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Assim, criminosos usavam cartórios para lavar dinheiro.

Ele explicou que isso podia ser feito com emissão de notas promissórias, por exemplo. “O devedor não pagava a nota na data do vencimento, o falso credor encaminhava o título para protesto ao tabelionato. Ao ser cobrado, o criminoso pagava a dívida em dinheiro, que era depositado em conta corrente do tabelião de protesto. Com isso, o repasse do valor saia da conta do tabelionato”, ilustrou o palestrante.

O tabelião assegurou que, com essa estratégia utilizadas pelos criminosos, o notário não tem como desconfiar que aquela é uma atividade atípica. Sobre a quantidade de informações que são passadas, o tabelião sugeriu, a partir da experiência adotada pela Espanha, a criação de um órgão central de prevenção, que recepciona as informações das várias unidades de serviço. “Em 2017, os registradores de imóveis espanhóis reportaram 13.136 comunicações, depois de serem cruzadas e analisadas, foram encaminhadas para a UIF apenas 140 expedientes”, acentuou.

Aprimoramento

Os casos apresentados reforçam o caráter propositivo do evento. “O que vai ser feito depois é que trará o diferencial”, avaliou o coordenador geral de articulação institucional do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica internacional do Ministério da Justiça e Segurança, Edson Garutti.

Ele concordou que a quantidade de informações passadas pelos notários e registradores é importante, mas a qualidade também deve ser observada. “É preciso criar massa crítica sobre o assunto, quais são as boas práticas, elas saem de dentro do segmento. Temos o normativo, agora vamos ajustar. Não vai ficar pronto, porque é um processo em evolução e os crimes também mudam”, pontuou.

Edson esclareceu que, no crime de lavagem de dinheiro, a pessoa está tentando ocultar e dissimular a origem do ativo. Já no financiamento ao terrorismo, apesar de serem usados alguns meios semelhantes aos de lavadores de dinheiro, o objetivo é esconder o destinatário.

O palestrante defendeu que a melhoria do sistema de combate à corrupção deve ser feita coletivamente e não apenas por um ente, um órgão ou um segmento. Ao mesmo tempo, cada segmento, tendo conhecimento profundo dos ilícitos praticados, consegue identificar e comunicar às autoridades. O entendimento foi corroborado pelo ministro Marcelo Navarro. “A colaboração interinstitucional é essencial para o combate a esses crimes”, disse.

Reveja o Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo no canal do CNJ no YouTube.

Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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