“A lei veio para resgatar a dignidade da mulher brasileira”, diz Maria da Penha

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A ativista brasileira Maria da Penha Maia Fernandes - Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ
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Uma das ferramentas mais conhecidas quando o assunto é a Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência foram instituídas como forma de salvaguardar a vida da mulher, criminalizando determinadas condutas do agressor e encaminhando a ofendida a programas de proteção. Essas medidas podem ser concedidas pelo Juízo, a pedido do Ministério Público, da própria mulher que se perceba em perigo ou ainda pelo delegado ou delegada de polícia.

A legislação, que completa 15 anos neste sábado (7/8), foi criada graças à repercussão do caso ocorrido com Maria da Penha, que abriu um debate entre o Legislativo, o Executivo e a sociedade. A resposta foi dada com o Projeto de Lei 4.559/2004 da Câmara dos Deputados que chegou ao Senado Federal como Projeto de Lei de Câmara 37/2006. A proposta foi aprovada por unanimidade nas duas Casas e, por fim, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei.

A ativista brasileira Maria da Penha Maia Fernandes iniciou sua luta em nome das mulheres vítimas de violência doméstica após as agressões sofridas pelo marido, incluindo duas tentativas de homicídio. Segundo a ativista, os ataques físicos e psicológicos começaram depois do nascimento das filhas. O período culminou com a obtenção da cidadania brasileira pelo ex-companheiro e da estabilização profissional do marido.

Em 1983, Maria da Penha sofreu a maior das agressões. Enquanto dormia, foi atingida por um tiro nas costas e ficou paraplégica. Depois, ainda foi mantida em cárcere privado durante 15 dias.

Após os eventos trágicos, a farmacêutica reuniu forças e, com a ajuda de familiares e amigos, iniciou um processo na justiça em busca de punição ao seu agressor. Maria da Penha lutou por Justiça durante 19 anos. Em 1991, ocorreu o primeiro julgamento e o ex-companheiro foi condenado a 15 anos de prisão. No entanto, ficou em liberdade enquanto recorria da decisão. O segundo julgamento ocorreu cinco anos mais tarde. Marco Antonio Heredia Viveros teve a pena reduzida a 10 anos e 6 meses de prisão, mas a sentença novamente não foi cumprida.

Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) condenou o Brasil por omissão, negligência e tolerância em relação a crimes contra os direitos humanos das mulheres por conta do caso Maria da Penha. Havia 18 anos que o caso tramitava na Justiça brasileira sem sentença definitiva, e o agressor seguia em liberdade, situação que só mudaria após os desdobramentos da condenação pela corte internacional. Entre as recomendações da OEA, o Brasil precisaria finalizar o processo, indenizá-la simbólica e materialmente pelas violações sofridas e adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Para evitar que mais mulheres tivessem o seu destino, em 1994, a ativista lançou o livro “Sobrevivi… posso contar” (1994) e, em 2009, fundou o Instituto Maria da Penha, uma organização não governamental e sem fins lucrativos para promover a defesa da mulher.

Confira, abaixo, entrevista concedida por Maria da Penha à Agência CNJ de Notícias:

– Passados 15 anos da aprovação da Lei Maria da Penha, como a senhora avalia o cenário da violência no país e o aumento das denúncias?

A Lei Maria da Penha é um marco histórico para o Brasil. Como costumo dizer, a lei batizada com meu nome veio para resgatar a dignidade da mulher brasileira. O número de denúncias aumentou porque as mulheres agora se sentem mais seguras e encorajada, mas muito ainda precisa ser feito. A Lei Maria da Penha deve ser corretamente implementada em todo o Brasil, principalmente nas cidades do interior. Para isso precisamos de vontade política e sensibilidade do gestor público.

– Qual aspecto da lei é mais difícil de implementar na prática?

Infelizmente, os equipamentos públicos que atendem à lei só existem nas grandes cidades e capitais. Os pequenos municípios são quase inassistidos. Esse é um ponto muito crítico e precisa ser visto como urgência. O Instituto Maria da Penha tem uma bandeira de luta para que todo município, por menor que seja, tenha um Centro de Referência da Mulher dentro de uma unidade de saúde e que nos municípios maiores sejam criados os demais equipamentos que atendem a Lei Maria da Penha e que eles estejam interligados num sistema de consórcio.

O CNJ irá implantar o Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência (BNMPU), ferramenta em que todas as medidas concedidas deverão ser registradas. Como a senhora avalia o impacto da criação desse banco?

Acho uma excelente iniciativa, principalmente se for interligada entre os estados, ou seja, se a mulher receber uma medida protetiva em uma unidade da Federação e se mudar para outra, que a sua medida protetiva possa estar em um sistema e ser acessada de qualquer localidade. Acredito que esta iniciativa vai fazer muita diferença na vida de mulheres em situação de violência que estão na busca por romper com esse ciclo e ressignificar as suas vidas.

Carolina Lobo
Agência CNJ de Notícias