4ª Jornada de Leitura no Cárcere inicia abordando poder transformador da leitura

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Abertura da 4ª Jornada de Leitura no Cárcere. Em destaque o juiz auxiliar da Presidência do CNJ, e coordenador do DMF, Luis Geraldo Lanfredi. Foto: Divulgação.
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Com o tema “Porque a leitura abre portas”, teve início na quarta-feira (22/11) a 4ª Jornada de Leitura no Cárcere, evento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Observatório do Livro e da Leitura. Ao longo desta jornada, que segue até sexta-feira (24/11), especialistas, autoridades e pessoas diretamente impactadas pelo acesso à leitura na privação de liberdade compartilharão perspectivas e histórias de como a prática tem o poder de libertar e ressignificar vidas. O evento integra as atividades do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o PNUD Brasil para transformações na privação de liberdade.

Na mesa de abertura, o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi, abordou a relevância da leitura no sistema prisional à luz da decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, que reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro.

“A leitura é um direito universal e um compromisso de todos na busca pela inclusão nos estabelecimentos prisionais. A colaboração entre diferentes setores, especialmente cultura e educação, é fundamental para diversificar e melhorar os espaços de leitura nas prisões. Nesta quarta jornada, temos uma oportunidade de celebrar o poder da palavra e despertar para novas possibilidades de vida no ambiente prisional”, disse.

Presidente do Observatório do Livro e da Leitura, Galeno Amorim ressaltou que a prática social da leitura não apenas fornece informações, mas permite o contato com diferentes modos de agir, pensar e ser. “A leitura de um bom livro não apenas modifica, mas ressignifica e transforma, desenvolvendo nossa capacidade de análise e pensamento crítico.” Amorim enfatizou ainda que a leitura promove a pluralidade e a tolerância, e que vai além da decodificação de palavras, sendo essencial para compreender e transformar o mundo, permitindo que os leitores e leitoras se tornem protagonistas de suas próprias histórias.

Coordenadora da Unidade de Governança e Justiça para o Desenvolvimento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Brasil, Moema Freire afirmou que a leitura é uma prática de transformação social fundamental para o desenvolvimento de todas as pessoas. “Proporcionar oportunidades de leitura para pessoas privadas de liberdade vai além da remissão da pena, contribuindo para a construção e reconstrução de trajetórias de vida.” Ela ressaltou ainda que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece a importância do acesso público às instituições que promovem a educação e a leitura. “Investir na promoção da leitura nas prisões é investir na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para todos”, enfatiza.

Secretário Nacional de Políticas Penais, Rafael Velasco ressaltou a relevância de investir na leitura como um meio de ressocialização, cultura e conhecimento, reduzindo penas e proporcionando economia para o setor público. “O melhor tipo de investimento que podemos fazer nas pessoas é promover a cultura e o conhecimento, aproximando-as dos ideais de ressocialização. A meta é levar a leitura a todas as unidades prisionais, promovendo acesso e combatendo o analfabetismo, pois a leitura não apenas reduz penas, mas também gera uma economia significativa para o país, liberando orçamento para melhores investimentos.”

Coordenador de Promoção da Leitura do Ministério da Cultura, Marcos Rocha, ressaltou as mudanças significativas que as ações desenvolvidas nos últimos anos têm trazido. “As unidades prisionais têm testemunhado mudanças significativas na vida das pessoas, graças às ações de promoção da leitura. A nossa participação nessa iniciativa é uma expressão do comprometimento da Secretaria da Cultura em levar políticas de livros e leitura a todos os grupos, sem restrições.”

Fortalecendo a promoção da leitura

Cadeia Feminina de Boa Vista (RR), durante primeiro dia da 4ª Jornada de Leitura no Cárcere. FOTO: Divulgação

Nos últimos anos, o CNJ vem atuando por meio do programa Fazendo Justiça para desenvolver uma estratégia nacional de universalização do acesso ao livro e à leitura em estabelecimentos prisionais, o que inclui atuação articulada com a Secretaria Nacional de Políticas Penais e outros parceiros e a aprovação da Resolução CNJ 391/2021. “Essa resolução, aclamada pelo plenário do CNJ, marca uma nova fase na promoção da leitura no sistema prisional, impulsionando a transformação das vidas de pessoas privadas de liberdade. O aumento gradativo do número de normativas locais ao longo dos anos reflete esse avanço, com todas as unidades da federação agora contando com algum tipo de instrumento jurídico ou projeto relacionado”, afirmou Lanfredi.

Após debates realizados em grupo de trabalho temático criado pelo CNJ em 2020, o Fazendo Justiça iniciou a produção do Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional, que ofereceu insumos para a proposição de Plano Nacional de Fomento à Leitura nos Ambientes Prisionais. Ambos os produtos foram lançados no último mês, em evento com o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso.

Compartilhando experiências e ideias

Também na programação do primeiro dia, Rodrigo Sabiah, egresso e fundador do projeto Reciclando Vidas, destacou a crucial importância da educação na reinserção social. “Não somos números, não somos estatísticas, somos seres humanos e a gente tem que ser tratado como tal. É importante o trabalho da leitura sim porque tem muitas pessoas como eu que nunca tiveram incentivo para ler, nunca tiveram acesso à leitura, nunca viveram isso”, e por isso temos que trabalhar essas pessoas. Não é só largar um livro lá”.

Na segunda mesa, sobre remição de penas pela leitura, Claudia Aratangy, mestre em Direito, enfatizou a redução de danos por meio do trabalho, da educação e da leitura no cárcere. “A leitura de literatura pode ser transformadora, principalmente no contexto dos clubes de leitura. É um espaço absolutamente democrático, em que há horizontalidade da palavra, o que contrasta profundamente com o ambiente autocratico e opressivo da prisão. O ambiente vira quase um oásis naquele ambiente.

Centro de Detenção Provisória de Colatina (ES), também acompanhou o primeiro dia do evento. FOTO: Divulgação

Zeza Moraes, doutora em Educação, abordou a formação de leitores como estratégia para melhorar as condições nas prisões. “Vejo a possibilidade de levar a leitura para dentro dos ambientes prisionais como uma contribuição ainda que miúda para que as pessoas usufruam suas relações, seus laços, para que retomem a sensação do seu neto ser gerado, de ele chegar. É uma realidade que é muito retirada de quem está privado de liberdade. Não só neto: filho, irmão, pai, mãe, essas relações que são o que de mais caro é tirado quando a pessoa vai para a privação de liberdade”.

Juiz titular da 16ª área criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, Alexandre Machado trouxe detalhes do projeto “Livros que Libertam”, que busca otimizar a resolução 391, garantindo o direito à remição pela leitura em ambientes prisionais. “Baixamos uma portaria em 2022, elaborada pelo Judiciário com o Executivo para fomentar a leitura no ambiente prisional. Nosso desafio foi fazer cumprir a resolução que flutua sobre o princípio da universalidade, que toda pessoa tem direito a remição pela leitura, e isso em um ambiente com estrutura precária, com poucos policiais penais, e poucos profissionais de educação”.

Segundo o magistrado, foi criada a figura do monitor de educação, pessoa privada de liberdade que atua como auxiliar do profissional de educação com direito a remição pelo trabalho, garantindo mais autonomia para o funcionamento do proejto e otimização de espaços. “A cada 10 e 20 pessoas participantes do projeto, temos um monitor, que tem a responsabilidade de distribuir livros no modulo, fazer leitura para pessoas analfabetas ou em processo de alfabetização, e dar apoio na validação. Com isso conseguimos fazer com que o processo e o fluxo de trabalho pudesse ocorrer dentro do módulo. Começamos com 140 pessoas em janeiro e chegamos a 3200 neste mês de outubro”.

O dia culminou em um sarau, com a participação de pessoas privadas de liberdade que integram clubes de leitura e acompanham a programação ao vivo. Também durante o evento, são exibidos diversos vídeos sobre diversos projetos em andamento no país.

O evento segue com transmissão ao vivo pelo canal do CNJ no YouTube nesta quinta e sexta-feira com diversos paineis e atividades culturais.

Veja a programação completa da 4ª Jornada de Leitura no Cárcere

Assista novamente o primeiro dia do evento

Texto: Natasha Cruz
Edição: Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Aprimoramento da gestão da Justiça criminal