Seca histórica no Amazonas aumentou dificuldade de se levar a justiça às comunidades

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A Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas transferiu temporariamente a sua sede para Tabatinga - Foto: Raphael Almeida | CGJ/AM
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A seca histórica deste ano no Amazonas gerou diversos transtornos para os 62 municípios do estado, que decretaram emergência por conta dos efeitos da estiagem, atingindo diretamente quase 600 mil pessoas e isolando inúmeras comunidades inteiras no interior, segundo a Defesa Civil do Amazonas. Situação que dificultou o trabalho relacionado às intimações, notificações e até na realização das audiências nas comarcas, pois os rios e igarapés no Amazonas funcionam como as “estradas” na região e sem eles as partes não conseguem se deslocar para as sedes dos municípios e participar dos atos judiciais.

Somente na Comarca de Benjamin Constant, a 1.119 quilômetros de Manaus, no extremo Oeste do estado, já na fronteira, aproximadamente 60% das audiências tiveram que ser redesignadas nesse período em razão da estiagem extrema. Nessa região, os municípios dependem do rio Solimões, que nasce no Peru, entra pelo território brasileiro pelo município de Tabatinga e passa por 12 cidades amazonenses até chegar à capital Manaus, onde encontra-se com o rio Negro – que registrou a pior vazante e, pela primeira vez em 121 anos de medição do rio, a cota ficou abaixo dos 13 metros – para formar o rio Amazonas.

Na Comarca de São Paulo de Olivença, na Calha do Alto Solimões, os efeitos da estiagem severa trouxeram inúmeros desafios, incluindo para a segurança da navegação. A servidora Camile Castro e a oficiala de Justiça Nirvanna Tourinho, passaram a usar com maior frequência a canoa a fim de levar as intimações e notificações às comunidades e vilarejos. Para chegar a determinados locais, a canoa (pequena embarcação a remo) tem sido o transporte mais seguro por conta do risco de encalhes ou mesmo de o barco colidir com tocos de madeira e pedras que surgiram com a seca.

O juiz Felipe Nogueira de Lucena, titular da Comarca de São Paulo de Olivença, também comentou que, mesmo tendo a parceria com a Prefeitura do município, que fornece a embarcação, a seca impossibilitou que muitas intimações pudessem ser realizadas ou que as partes pudessem comparecer ao Fórum de Justiça nos prazos previstos. “São audiências que precisaram ser adiadas ou remarcadas para quando o rio subir”. Neste mês de novembro, tanto o Solimões quanto o rio Negro já estão em processo de subida, o que leva a esperança às populações do interior do Amazonas, embora, em relação ao nível ideal para navegação, espera-se que seja atingido somente no primeiro trimestre do ano que vem em determinadas áreas do estado, por conta do isolamento gerado pela estiagem.

Distâncias e parcerias

De acordo com a juíza Jacinta Silva dos Santos, titular da Vara Única da Comarca de Atalaia do Norte, na fronteira com o Peru, o município possui mais de 50 comunidades indígenas. “Esse é um dos motivos para firmarmos as parcerias como órgãos como a Funai e Sesai (Saúde Indígena) porque ajudam no cumprimento das atividades do Judiciário na região. As parcerias são essenciais”, comentou a magistrada. Ela lembra que nessa região as distâncias são medidas por horas ou dias de barco. E para atingir o jurisdicionado que vive em algumas aldeias, o oficial de Justiça pode levar horas ou até dez dias. E com a estiagem, esse tempo passou a ser ainda maior.

“Algumas comunidades indígenas próximas da sede levam até dois dias de barco. E as mais distantes, em torno de dez dias. E com a seca, esse tempo ficou ainda maior porque em muitos lugares não havia mais condições seguras de prosseguir com o mesmo barco e o resto do trajeto tinha que ser feito de outra maneira. Às vezes, era preciso continuar com uma canoa ou mesmo a pé”, contou a juíza Jacinta.

Essa mesma situação foi relatada pela Alcimara Izidoro Ramos, funcionária do Cartório Extrajudicial de Benjamin Constant, na fronteira. Ela comentou as informações repassadas pelas pessoas que procuraram a serventia nos últimos meses e as dificuldades enfrentadas pelo cidadão. “Para chegar ao cartório, que funciona na sede do município, muitos tinham que sair de suas casas bem cedinho, caminhar por uma boa extensão de terra – em área que antes estava o rio -, depois usar uma canoa até determinado ponto e, a partir daí, fazer o restante do trajeto em outro barco maior a fim de buscar os serviços na sede do município”, disse.

Essa dificuldade está refletida nos números de atendimento. De acordo com Miguel Agra, titular do Cartório Extrajudicial de Benjamin Constant, houve registro de redução no atendimento em torno de 30% a 40% ao mês, nesse período de estiagem. E disse, ainda, que o cartório já espera uma crescente procura pela emissão das certidões de nascimento e de óbito para quando o rio subir. “Nas comunidades que ficaram isoladas, esses documentos básicos só serão procurados pelo cidadão quando o rio estiver mais cheio e as pessoas tenham condições de se deslocar”, comentou Agra.

Desafios e soluções

Em Atalaia do Norte, os servidores da Vara Única da Comarca pedem o número de telefone até dos vizinhos para conseguir entrar em contato com um jurisdicionado, principalmente aquele que vive em comunidade indígena com acesso à internet, segundo a servidora Natasha Liandra Gomes da Silva. Ela enfatizou que, nas aldeias com internet, a comunicação sobre atos processuais é feita também por esse canal ou via Funai.

O corregedor-geral de Justiça do Amazonas, desembargador Jomar Fernandes, declarou que “são verdadeiros desafios enfrentados para se levar os serviços judiciários às comunidades mais distantes do interior do Amazonas, principalmente nesse período de estiagem”, não apenas em razão da tecnologia deficiente na região, mas também por conta da logística em um estado continental.

“Sem dúvida nenhuma é uma missão complexa, porém, crucial para garantir o acesso à justiça a todos os cidadãos. As dificuldades logísticas decorrentes da vastidão geográfica da região e das condições climáticas extremas nos obrigam a buscar outras soluções. Por isso mesmo o Poder Judiciário trabalha em parceria com órgãos governamentais, utilizando ainda vários meios de transporte para levar o serviço do Judiciário ao cidadão amazonense. Estivemos em uma comunidade – Belém do Solimões – que demora 2 horas de barco para chegar, saindo de Tabatinga. Mas existem lugarejos que levamos até dez dias ou mais, dependendo da localidade e do tipo da embarcação. Reconhecemos que ainda há muito a ser feito, mas nossa determinação em assegurar a justiça a todos os amazonenses é inabalável. E estamos aqui para isso”, comentou o corregedor, Jomar Fernandes.

Fonte: TJAM

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