Representatividade marca discussões da XIV Jornada Maria da Penha

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Fotos: G.Dettmar/CNJ
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Mulheres da área rural, refugiadas, negras e indígenas tiveram voz na XIV Jornada Maria da Penha, ocorrida na quinta-feira (5/11), por meio de plataforma digital e transmitida, ao vivo, pelo canal do CNJ no YouTube. Dificuldades em buscar e encontrar ajuda e apoio institucional; ausência de políticas públicas adequadas; dependência econômica. Esses foram alguns dos pontos levantados pelos magistrados que participaram do evento.

Para a desembargadora Paula Cunha e Silva, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no campo, a violência contra a mulheres apresenta especificidades que reforçam a subordinação. “Em geral, elas têm pouco estudo, a jornada de trabalho é longa e pesada, e não há de maneira próxima acesso aos serviços de apoio, de redes assistenciais. São relações permeadas pelo machismo, onde as mulheres sequer se reconhecem vítimas de violência. Isso é naturalizado desde cedo.”

Segundo a magistrada, muitas não têm acesso à Carteira de Trabalho. “Elas acham que ajudam os homens, mas muitas vezes trabalham igual ou até mais. Só que isso não é reconhecido. Nem por ele nem por ela, o que aumenta a subordinação”, afirma. Paula Cunha lembrou que a dificuldade geográfica não é apenas uma questão espacial. “Elas estão distantes de tudo e todos; muitas vezes, completamente isoladas. Afastadas das famílias, dos vizinhos, das comunidades, das ações, das políticas públicas. Estão ignoradas pelo Estado.”

Os problemas encontrados pelas mulheres refugiadas no país foram abordados pela juíza federal Louise Filgueiras, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). Para ela, é preciso implementar políticas públicas de integração da língua e estimulá-las a se inserir no trabalho. “Muitos têm perfil empreendedor e conseguiriam até gerar empregos”, disse. Ela comentou ainda a necessidade de se aprimorar a rede de acolhimento.  “A realidade desmente a ideia de que o os refugiados vêm tomar os empregos dos brasileiros, eles representam apenas 0,045% da população. Pesquisas mostram que cidades que receberam imigrantes não tiveram seu índice de violência aumentado.”

A realidade das mulheres negras foi apresentada pela juíza Mariana Machado, do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI). A magistrada afirmou que a violência doméstica contra as mulheres tem cor e tem gênero. “Mulheres negras, jovens e pobres são as maiores vítimas. Esse dado reflete racismo e machismo estrutural”, destacou. Ela também comparou a diferença salarial entre mulheres negras e homens brancos (de 40%), ocupando os mesmos cargos, e afirmou que isso também pode ser responsável pelo aumento da violência contra a mulher, uma vez que aumenta a vulnerabilidade delas.

Finalizando o evento, que pela primeira vez em 14 anos foi feito em meio virtual e totalmente aberto à sociedade, a desembargadora Eva Evangelista, do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), e o juiz Aluízio Vieira, do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), explicaram as dificuldades que as mulheres indígenas vivenciam em suas aldeias e a os entraves para acessarem à Justiça.

A desembargadora lembrou que são raros os casos registrados de crimes dessa natureza. E que não há pesquisa sobre o impacto da Lei Maria da Penha nas aldeias. “Sabemos que há violência, mas não sabemos se a Lei Maria da Penha serve para os valores daquela comunidade. Se serve para resolver esse problema, dentro da sua cultura. Precisamos de mais informações, sem dúvida. No meu estado, posso afirmar que não temos dados sobre essa questão.”

O Acre possui cerca de 15% de seu território composto por 34 comunidades indígenas. A coordenadoria de Atendimento à Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar do estado fez uma pesquisa informal e o resultado foi expressivo e nada confortável. Eva alertou que “o grau de insatisfação com a Justiça e o atendimento do Poder Judiciário é alto. Elas são tratadas de maneira pouco humana e o índice de crimes que prescrevem não apenas na fase de inquérito, como na fase processual é imenso. São respostas de uma não-justiça”.

O juiz Aluízio Vieira, que já foi titular em varas de áreas rurais do norte de Roraima, explicou que é preciso muito cuidado para tratar a questão da violência contra a mulher nas aldeias, porque são indivíduos que não pensam individualmente, mas coletivamente e sofrem muitas privações de direitos. “Eles possuem muito receio de serem mais prejudicados e resolvem internamente a maior parte dos casos. O tuxauas (caciques) analisam o grau da violência cometida. Se tiver sido grave, lesão corporal ou homicídio, em geral, os conselhos da comunidade aplicam penas. Se ocorrer reincidência, eles denunciam aos órgãos federais competentes.”

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

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