Mudanças no tribunal do júri poderão viabilizar retomada na pandemia

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Foto: JFRS/TRF4
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Como conciliar, em meio à pandemia, o direito à vida das vítimas envolvidas nos julgamentos do Tribunal do Júri e o direito dos réus a receber condenação ou absolvição pelos crimes de que são acusados foi o tema de um debate virtual com representantes dos magistrados, promotores e advogados na manhã de quarta-feira (29/7), no “Seminário Digital Gestão Processual no Júri e Propostas em Tempo de Crise”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O painel abordou o impacto das medidas de prevenção ao contágio da Covid-19 nos ambientes institucionais do Poder Judiciário e a garantia do direito dos acusados de crimes dolosos contra a vida a serem julgados por júri popular.

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As atividades presenciais no Poder Judiciário foram restritas em 19 de março, por ato normativo do CNJ. Desde 15 de junho, no entanto, o CNJ autorizou os tribunais a retomarem o funcionamento presencial de suas unidades jurisdicionais e administrativas “de forma gradual e sistematizada”, sob determinadas condições – uma delas é a implantação de medidas de prevenção ao contágio da Covid-19. As sessões do júri em casos que envolvam réus presos fazem parte da lista de atividades que poderão voltar a ocorrer, conforme o texto da Resolução CNJ nº 322/2020.

De acordo com a juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Karen Pinheiro, os julgamentos foram suspensos para não expor a saúde de todas as pessoas necessárias à realização de uma sessão do júri a riscos, seja no deslocamento até o fórum, seja no próprio ambiente de julgamento. “Percebemos uma absoluta impossibilidade de realizar sessões presenciais considerando-se que, pelos nossos cálculos, um julgamento implica a presença de 25 jurados, dois oficiais de justiça, os defensores, réus, juiz, representante do Ministério Público, mais seus auxiliares, os seguranças do fórum e agentes prisionais. São, no mínimo, 45 pessoas presentes a uma sessão do júri, fora as pessoas que acompanham o julgamento ‘in loco’, número que pode chegar a 40 pessoas”, afirmou a juíza da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.

De acordo com a juíza, há outras regiões do Rio Grande do Sul onde a pandemia está mais controlada, em que magistrados voltaram a realizar sessões presenciais do júri. Para retomar os julgamentos, a juíza enumerou quais procedimentos próprios do júri poderiam ser realizados virtualmente, como o sorteio dos sete jurados responsáveis pelo veredito em uma sessão do júri e o aproveitamento dos depoimentos prestados pelas testemunhas e acusado nos autos – apenas testemunhas imprescindíveis seriam trazidas ao plenário do júri. O esforço se basearia no princípio da razoável duração do processo. “Os presos cautelares [que aguardam julgamento] têm expectativas de serem julgados, são detentores de direitos que devem ser preservados.”

Júri semi-presencial

Para o promotor de Justiça de São Paulo Rogério Sanches Cunha, com ou sem pandemia, na atualidade, o tempo entre o crime e o julgamento de seu suposto autor “é inaceitável”. Pesquisa do CNJ revelou que, em 2018, 32,4% das decisões que encerraram processos do Tribunal do Júri extinguiram a punibilidade do acusado antes de ser julgado, em muitos casos devido à prescrição do crime. O “Diagnóstico das Ações Penais de Competência do Tribunal do Júri” revelou que 52% dos processos tramitaram durante quatro anos ou mais e 26% deles passaram de oito anos sem que se decidisse pela absolvição ou condenação dos réus.   

No entanto, devido ao que chamou de “complexidade do procedimento do Tribunal do Júri”, muitos casos são anulados devido a defeitos formais – 59% das sessões do júri tiveram de ser repetidas em 2018. “Não vamos ter como escapar do júri semi-presencial, mas temos de tomar muito cuidado. Exatamente por tudo ser capaz de gerar nulidade é que me preocupa o júri virtual”, afirmou Sanches Cunha.

As restrições que a pandemia da Covid-19 impôs à realização dos julgamentos do júri levaram a refletir sobre possíveis mudanças definitivas no roteiro de procedimentos exigidos para se julgar um acusado de crime doloso tentado ou cometido contra a vida. Para o advogado criminalista Cleber Lopes de Oliveira, é hora de “desburocratizar o rito do Tribunal do Júri para prestigiar a Constituição Federal no princípio da duração razoável do processo”.

O advogado considera anacrônica a sistemática que impõe duas fases ao julgamento – instrução e sessão do júri. “O juízo se contamina a cada dia que se passa entre a data do fato e o dia do júri. Com um procedimento mais curto, teríamos mais qualidade da prova produzida no plenário, pois o tempo faz com que vestígios e elementos de convicção pereçam.”

Manuel Montenegro
Agência CNJ de Notícias