Dois trabalhos vencedores do IV Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário (2025) contribuem para ampliar e aprofundar os debates sobre os efeitos da escravidão na organização do poder, da Justiça e das relações sociais do Brasil. Desenvolvidas em universidades públicas do Rio de Janeiro, as teses premiadas empataram na categoria Trabalho Acadêmico do prêmio concedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para resgatar e valorizar a memória do Judiciário nacional.
Na tese “Terra e Trabalho na crise do Corredor Cafeeiro: projetos senhoriais, crimes cotidianos e contratos de trabalho entre o final da escravidão e o pós-abolição (Vale do Paraíba Fluminense, 1878-1916)”, Felipe de Melo Alvarenga, doutor pela Universidade Federal Fluminense (UFF), revisita a crise do Vale do Café e a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre a partir de dois temas centrais que moviam as propriedades rurais entre 1878 e 1916, ano da criação do Código Civil: a terra e o trabalho.
O estudo examina os principais conflitos envolvendo as formas de trabalho, cujos contratos – de aparente liberdade – eram frequentemente usados para manter trabalhadores negros em condições de subordinação e dependência econômica, e revela que o fim formal da escravidão não significou o fim das estruturas de dominação racial. A pesquisa utiliza como fontes testamentos, processos criminais e ações cíveis.
Juízes de paz
Já na tese “O juiz dito de paz: A magistratura local no jogo político da Corte imperial (1829 – 1841)” o foco é a atuação dos juízes de paz no Rio de Janeiro entre 1829 e 1840. Criados pela Constituição de 1824, esses cargos passaram a ser eleitos a partir de 1829, com a promessa de aproximar o Judiciário do cidadão e descentralizar o poder. A tese investiga o perfil e os interesses desses juízes com base em documentos da Câmara Municipal, da Secretaria de Polícia e do Arquivo Nacional.
A pesquisa revela que a maioria dos juízes de paz do século XIX fazia parte das elites locais, eles eram proprietários de terra ligados a facções políticas e até envolvidos no tráfico de escravos. A autora, a doutora pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Kátia Luciene de Oliveira e Silva Santana, evidencia que as decisões desses magistrados, majoritariamente de homens brancos, militares, comerciantes e escravocratas, refletiam seus próprios interesses.
As duas publicações contribuem para entender as consequências do passado escravista do Brasil e sua repercussão nas relações sociais e trabalhistas.
Premiação
O Prêmio CNJ Memória do Poder Judiciário foi instituído pela Resolução CNJ n. 429/2021 e regulamentado pela Portaria CNJ n. 358/2024. O prêmio abrange ação, atividade, experiência, projeto, programa ou trabalho acadêmico que contribua para a preservação, valorização e difusão dos bens culturais materiais e imateriais do Poder Judiciário, integrantes do patrimônio cultural brasileiro e para a promoção dos direitos humanos.
A categoria Trabalho Acadêmico é aberta ao público externo e aceita TCCs de especialização, dissertações de mestrado, teses de doutorado e de livre-docência aprovadas por banca. Os trabalhos devem tratar da história de órgãos do Poder Judiciário, de seus integrantes ou de seus bens culturais.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Beatriz Borges
Revisão: Matheus Bacelar
Agência CNJ de Notícias