Criado para ser mais um instrumento na prevenção à violência contra a mulher, o Formulário de Avaliação de Risco é considerado uma ferramenta importante para proteger a vida das brasileiras, mas sua aplicação ainda precisa ser melhorada. O tema foi debatido em audiência pública da Comissão dos Direitos e Defesa da Mulher da Câmara dos Deputados, ocorrida nessa segunda-feira (27/9).
Uma das questões mais citadas pelos especialistas presentes na audiência pública foi a necessidade de tornar obrigatório o preenchimento do questionário para todas vítimas que buscarem por ajuda. A lei que instituiu nacionalmente o Formulário Nacional de Avaliação de Risco sugere que ele seja aplicado pela Polícia Civil, Ministério Público ou Poder Judiciário, dependendo de onde ocorra o primeiro atendimento dessa vítima.
O secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Valter Shuenquener Araújo, um dos elaboradores do texto-base do formulário, adiantou que no âmbito da Justiça é possível transformar a recomendação em uma legislação obrigatória, assim como também é possível aprimorar a ferramenta estabelecendo uma espécie de gradação de risco (baixo, médio ou alto) para aumentar a eficácia do atendimento às vítimas. “As medidas propostas, no entanto, deverão ser analisadas em conjunto pelo CNJ e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), uma vez que as duas instituições aprovaram em conjunto o texto do formulário.”
Inspirado em programas internacionais, o questionário permite que operadores e operadoras do Direito conheçam mais profundamente a realidade em que essas mulheres vivem e possam conceder de maneira mais eficaz as medidas protetivas de urgência e assim evitar um novo episódio de violência. A deputada federal Elcione Barbalho, presidente da Comissão, sustentou que o formulário é um mecanismo que funciona e deveria ser adotado em âmbito nacional, de maneira padronizada e obrigatória.
Para ela, também é fundamental que os atendimentos a essas vítimas sejam melhorados e humanizados. De acordo com pesquisa encomendada a pedido da Comissão, uma em cada quatro brasileiras acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência no último ano. Metade delas relatou ter sofrido agressões dentro de casa. “Precisamos educar a população para que eles entendam que o combate à violência contra a mulher é um dever de todos nós. E precisamos, sobretudo, fortalecer o sistema de proteção às vítimas para que elas se sintam seguras ao denunciar.”
A coordenadora geral de Articulação Nacional de Combate à Violência contra as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Renata Braz das Neves Cardoso, defendeu a mudança do texto da lei para tornar obrigatório o preenchimento do formulário de avaliação de risco em todas as ocorrências policiais registradas e circunstanciadas pela lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) em que a vítima manifeste desejo de medidas protetivas de urgência.
Pedidos de socorro
“Temos, hoje, dados muito robustos sobre os feminicídios. Os crimes ocorrem no interior das residências e a grande maioria das mulheres mortas não chegou a procurar o Sistema de Justiça. Existe uma grande limitação no pedido de socorro. Ou elas não confiam ou possuem muita dificuldade para acessar esses sistemas. Muitas vezes, não possuem sequer recursos para pagarem o transporte”, explicou Renata.
No entanto, em agosto, mês em que se comemorou os 15 anos da Lei Maria da Penha, as Polícias Militares registraram 76.442 chamadas telefônicas de emergência de pedidos de socorro relativas a atos de violência contra as mulheres e meninas no país. “Se não conseguirmos capilarizar a aplicação do Formulário de Risco pelos municípios brasileiros, teremos muitas mulheres morrendo por falta dessa informação, que traz o grau de risco em que ela se encontra”, alertou. “Ele foi desenvolvido por técnicos e apresenta real detecção de risco.”
Mudança cultural
Coordenador-Geral de Políticas para Sociedade da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o delegado Evandro Luiz dos Santos afirmou que, em vários estados, a aplicação do formulário já faz parte do protocolo oficial de atendimento em prisão em flagrante ou boletim de ocorrência, inclusive com cursos de capacitação voltados para profissionais que lidam com esse tema na polícia. Ele ressalvou, no entanto, que poucos integrantes da corporação buscam por essas informações. “Nós, homens, somos a origem desse problema e ainda não reconhecemos que precisamos participar da solução.”
Outro dado que revela certa fragilidade no enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres está no número de delegacias especializadas – apenas 7% dos municípios contam com essas unidades. Os debatedores também sugeriram que a aplicação do formulário deveria ser estendida aos profissionais das unidades de saúde e de assistência social, que frequentemente atendem mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade e violência.
Para alcançar mais vítimas, a coordenadora de programas da ONG Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Renata Teixeira Jardim, defendeu a ampliação do uso da ferramenta por redes de saúde e assistência social. “Não basta o formulário, é preciso um conjunto de estratégias para dar certo, como capacitar e preparar as pessoas que trabalham nessas redes com metodologias de rotinas de serviços e monitoramento dos casos, para atuar de maneira eficiente. Isso permitirá alcançar principalmente mulheres mais vulneráveis e que muitas vezes sequer têm a chance de buscar socorro no Sistema de Justiça.”
A ativista Luiza Brunet defendeu a importância do formulário no contexto de violência doméstica e familiar e ressaltou a importância da capacitação das pessoas que atendem essas mulheres. “É preciso entender os conflitos que passam pela cabeça dessa vítima. É muito difícil denunciar alguém que você ama ou já amou. As vítimas precisam de um tempo e é muito comum o sentimento de vergonha e de medo inibirem a denúncia”, afirmou a modelo, que denunciou seu ex-companheiro por violência doméstica em 2016 e se tornou ativista por essa causa desde então.
Questionário
As 27 perguntas estabelecidas no formulário mapeiam a situação da vítima, do agressor e o histórico de violência nessa relação e contribui para diminuir a subjetividade no atendimento policial e da Justiça. Entre as questões estão: se a mulher está grávida; se possui alguma vulnerabilidade física ou mental; se é negra; se o autor da agressão tem acesso a armas; se está desempregado; se já houve alguma tentativa de suicídio por parte do autor da violência; se o autor da violência faz uso de drogas ou álcool; se os filhos já presenciaram as agressões.
Dependendo das respostas, o encaminhamento do caso pode resultar, por exemplo, em afastamento do agressor do lar, ou direcionamento da mulher a uma casa abrigo, encaminhamento do autor de violência a programa de reflexão psicossocial, orientação das partes para serviços de emprego e renda e condução das vítimas a programas de apoio psicológico, entre outros.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias