Adoção de soluções consensuais previne litígios e acelera prestação jurisdicional

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Audiência de Conciliação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Foto: Gil Ferreira/CNJ
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O relatório Justiça em Número de 2020 (ano-base 2019) mostrou que, em média, a cada grupo de 100 mil habitantes, 12.211 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2019. Com a alta produtividades dos magistrados, naquele ano foram concluídos 35,4 milhões de caso, maior valor da série histórica. No entanto, ainda havia 77,1 milhões de processos em tramitação ao final de dezembro de 2019.  Esses dados mostram o tamanho do desafio enfrentado pela justiça brasileira e ao qual o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) busca, desde 2006, soluções alternativas à decisão judicial, marco da criação do Movimento pela Conciliação.

Afinal, “realizar justiça”, como o Judiciário entende como sua missão, é mais do que uma decisão. É, acima de tudo, fazer cumprir o artigo 5º da Constituição Federal que assegura a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, determinando, ainda, a observância do princípio da eficiência pela administração pública.

“Há todo um ambiente que induz o brasileiro a buscar a Justiça para resolver até os menores dessabores”, avalia o presidente da Comissão de Solução Adequada de Conflito do CNJ, conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues. “O Brasil é hoje o país com o maior número de advogados do planeta. Existe uma cultura do litígio que é estimulada até nas faculdades. O nosso trabalho é mudar isso e estamos avançando.”

O desembargador Erik Simões, segundo vice-presidente do Fórum Nacional da Mediação e Conciliação (Fonamec) reforça essa análise. “Nosso maior desafio é a população ser empoderada. Que a população passe a resolver os seus problemas sem precisar buscar sempre o Judiciário. A nossa meta é ajudar as pessoas a entenderem que elas podem ter uma solução amigável pré-processual, sem a necessidade de um desgaste que toda ação judicial carrega, não apenas pela demora, mas também pelo lado emocional do conflito.”

Para estimular essa mudança da cultura do litígio, em 2010, o Conselho editou a Resolução CNJ n. 125, que institui a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse. A norma determinava, entre outras coisas, que os tribunais implantassem Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemecs).  Essas unidades são responsáveis pelo desenvolvimento da política e pela instalação e fiscalização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs).

Esses centros são as “células” de funcionamento da política, nas quais atuam profissionais de conciliação, mediação e demais facilitadores de solução de conflitos, bem como as equipes do Judiciário, aos quais cabe a triagem dos casos e a prestação de informação e orientação à população para garantia do legítimo direito ao acesso à ordem jurídica justa.

Os Cejucs originaram de experiências anteriores, entre elas a Lei dos Juizados de Pequenas Causas, posteriormente aprimorada pela Lei dos Juizados Especiais. Essas experiências, além de trazerem a mediação para o processo, permitiram a utilização tanto desse método quanto o da conciliação antes mesmo da instauração do processo, evitando a judicialização de conflitos.

A resolução ganhou reforço em 2016, quando o novo Código de Processo Civil trouxe a determinação de que antes de se iniciar um processo judicial, as partes devem necessariamente ser convidadas a tentar uma conciliação pacífica. Aceitar o convite não é obrigatório e caso não haja interesse, o processo segue o curso litigioso normalmente. Após essa mudança, em três anos, o número de sentenças homologatórias de acordo cresceu 5,6%, passando de 3.680.138 no ano de 2016 para 3.887.226 em 2019.

Conscientização

Como a conciliação é um convite, foi necessário conscientizar a população para as vantagens da solução não litigiosa. Inúmeras iniciativas foram tomadas pelos Nupemecs de cada tribunal. Em Pernambuco, o Tribunal de Justiça (TJPE) adaptou um ônibus e passou a levar as audiências de conciliação para as localidades mais distantes de carentes do estado. Nasceu assim o programa Justiça Itinerante.

“Primeiro, a gente agenda uma reunião com os líderes comunitários para apresentar o trabalho e identificar as carências, os tipos de litígios mais comuns. Pode ser divórcio, guarda de crianças, pensão, dívidas, casamento etc. Depois fazemos uma pauta concentrada no local. Tem comunidade que fica tão contente que nos recebe com festa, almoço, lanches”, conta Tarciana Chalegre, diretora do Nupemec do TJPE.  “A procura é significativa. Nosso público é carente, inclusive de informação”, completou. A iniciativa do tribunal pernambucano em prol da conciliação atende ao macrodesafio “Prevenção de Litígios e Adoção de Soluções Consensuais para os Conflitos”, definido pela Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021-2026.

Instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o período 2021-2026, o Planejamento Estratégico do Judiciário possui 12 macrodesafios voltados ao aperfeiçoamento dos serviços da justiça, sendo um deles a “Prevenção de Litígios e Adoção de Soluções Consensuais para os Conflitos”.

O Nupemec do TJPE está focado agora em se aproximar das empresas. “Queremos mostrar que o empresário não ganha nada protelando um processo. Para isso, pretendemos disponibilizar selos como forma de reconhecimento às empresas que aderem à conciliação”, completou Tarciana.

Semana nacional

Em âmbito nacional, são realizadas anualmente as Semanas da Conciliação, em que os tribunais são incentivados a juntar as partes e promover acordos nas fases pré-processual e processual. Mais de 32 mil acordos foram registrados pela Justiça estadual, federal e do trabalho durante a 15ª edição, que ocorreu entre 30 de novembro e 4 de dezembro de 2020.

Nos cinco dias de mobilização, os tribunais de Justiça homologaram 16.510 acordos, os do Trabalho registraram 11.875 acordos e, nos Tribunais Regionais Federais, foram homologadas 4.302 sentenças de acordo. Em 2020, devido à pandemia, a maior parte das audiências foram realizadas em plataforma digital.

No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), que atende aos trabalhadores da grande São Paulo, foram efetivados mais de 6 mil acordos. Isso representou mais de R$ 276 milhões em processos resolvidos por meio de conciliações, a serem pagos para as partes em reclamações trabalhistas. Em Barueri, um processo que tramitava desde 2011 foi, finalmente, encerrado por meio da conciliação. Um trabalhador ajuizou uma reclamação trabalhista contra uma empresa que atua no ramo de gerenciamento de serviços de impressão e digitalização de papéis.

Ele teria prestado serviço como gerente de vendas por quase 11 anos, mas não teve a Carteira de Trabalho registrada durante todo o período. O acordo foi assinado, em audiência telepresencial presidida pela juíza do Trabalho substituta e coordenadora do Cejusc Barueri, Paula Gouvea Xavier Costa, no dia 4 de dezembro. A empresa pagou o valor líquido de R$ 2,75 milhões para o homem, agora com 71 anos de idade. Em troca, a reclamada teve liberada uma propriedade de penhora.

Resultados

Todas as políticas e ações adotadas tanto pelo CNJ quanto pelos tribunais têm surtido efeito ano após ano. Em 2019, 3,9 milhões de sentenças homologatórias de acordos foram proferidas pela Justiça, o que representa 12,5% de processos solucionados pela via da conciliação.

O segmento que mais promoveu conciliações no decorrer de 2019 foi a Justiça do Trabalho, que solucionou 24% de seus casos por meio de acordo. O percentual de conciliações aumenta para 39% na fase de conhecimento do 1º grau. Outro destaque está na Justiça Estadual, que apresentou aumento no número de Centros Judiciários de Resolução de Conflitos e Cidadania, que chegaram a 1.284 unidades, em 2019.

“O trabalho de conscientização e de mudança de cultura é demorado, mas estamos vendo avanços ano após ano, e são esses avanços que nos motivam a continuar a desenvolver novos projetos e políticas para reduzir a litigiosidade e promover a solução pacífica dos conflitos”, concluiu o conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues.

Superendividados

Este ano, uma nova lei passou a dar aos brasileiros afundados em dívidas uma nova chance de se reerguer financeiramente, sem deixar de pagar os empréstimos e os crediários em aberto. Em vez de procurar uma financeira para contrair uma nova dívida, a pessoa vai procurar o Tribunal de Justiça em seu estado ou outro órgão do Sistema de Defesa do Consumidor.

De acordo com a nova lei, a pessoa superendividada deve procurar a Justiça, que vai encaminhá-la ao núcleo de conciliação e mediação de conflitos. Atualmente, alguns tribunais de Justiça (Bahia, Distrito Federal, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grane do Sul e São Paulo) já oferecem serviços específicos a esse público. Acompanhada ou não de um representante legal, a pessoa deverá informar ao Juízo suas dívidas e condições de sobrevivência, especificando valores e para quem deve.

Credores e credoras serão então convocadas para participar da audiência de conciliação, em que a pessoa endividada irá propor o seu plano de pagamento. A lei determina que a parte credora ou representantes compareçam à audiência com poder de decisão, ao contrário do que ocorre atualmente. Caso contrário, a cobrança da dívida será suspensa, assim como respectivos juros e multas. E mais: credores e credoras que faltarem ao chamado da Justiça ficarão de fora do plano de pagamento daquela dívida, até que a pessoa devedora acabe de pagar todas as dívidas em que firmou acordo no dia da audiência.

A ideia é facilitar ao máximo que se chegue a um acordo sem que o compromisso deixe de ser honrado. Por isso, a lei permite que algumas exigências do contrato original –valor total a ser pago, prazos e juros – podem ser modificadas, em nome da viabilidade do pagamento. O credor ou credora que não concordar com o plano elaborado pela pessoa inadimplente será paga de acordo com plano entregue pela Justiça. O plano judicial compulsório terá outras condições.

Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias

Essa matéria faz parte de uma série que apresenta a Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021-2026, desde sua elaboração, passando pelo detalhamento dos 12 macrodesafios até a fase de monitoramento e avaliação.